terça-feira, 28 de julho de 2009

Mulheres

Não acredito muito na defesa dos direitos da mulher feita por decreto. A mulher tem de ascender pelo seu mérito, pelo seu esforço, aos mesmos lugares dos homens e, ao invés de haver legislação que as proteja, ou antes, que lhe proporcione ou assegure o alcance a determinados objectivos, é necessário que as leis, todas elas, não façam qualquer menção do sexo, permitindo assim que, em qualquer circunstância, homens e mulheres estejam em pé de igualdade. Ángel Ganivet afirmou: “A mulher só tem um caminho para ultrapassar o homem: ser cada vez mais mulher”. Não podem, não devem, os homens, corporativamente, criar obstáculos à entrada de mulheres seja em que área for, desde que elas estejam vocacionadas para tal e ostentem as qualificações para o cabal desempenho das funções que lhes couberem. O mesmo se dirá das mulheres em relação aos homens. Creio que, desta forma, sem tabus, sem preconceitos, sem qualquer espírito de obrigatoriedade, que é inimigo da democracia, sem liberalismos hipócritas, mas naturalmente, apenas no entendimento correcto que, seja qual for o sexo, todos são seres humanos a quem não é legítimo colar qualquer descriminação, homens e mulheres poderão candidatar-se, concorrer, desempenhar qualquer cargo, seja político, empresarial, administrativo, nos institutos públicos ou nas forças de segurança, etc.
Nunca me pareceu muito bem a discussão de quotas para mulheres. A discussão, nesses termos, só por si, em meu entender, já reflecte a aceitação de um estatuto de menoridade, que eu não aceito, relativamente à mulher.
Sei que a mulher, algumas vezes, não alcança determinados lugares, porque, por uma questão de educação, no feminino, que ainda está bem presente no nosso seio, também porque, para além da sua ocupação profissional generalizada, que já é uma conquista do final do século passado, tem a seu cargo as lides domésticas e a educação dos filhos, não dispõe de tempo nem de disposição para se dedicar a determinadas áreas como seja a política. Daí que, mesmo sem a tendência ancestral para ver a política mais no masculino, são muito menos as mulheres que se envolvem, daí ser natural que elas também sejam em menor número no desempenho de cargos políticos. O que será preciso fazer é, através da educação, mudar mentalidades de homens e mulheres que prejudicam mais estas do que aqueles, de forma a que acabe o exclusivo que ainda existe em muitos lares que é do homem não ter outro papel para além do profissional, podendo dedicar todo o outro tempo à política, ao associativismo, ao lazer, enquanto a mulher se vê confrontada com uma série de actividades que nem sequer lhe dão tempo suficiente de descanso, quanto mais para quaisquer outras actividades. Alterando esta forma de viver que, felizmente, já tem melhorado bastante, teremos homens e mulheres nas mesmas disputas, naturalmente, sem que alguém precise de se preocupar com quotas.
Muito embora eu preferisse que nós já estivéssemos num estádio de desenvolvimento em que pudéssemos considerar a nossa Lei da Paridade, a Lei Orgânica n.º 3 de 2006, obsoleta, mesmo assim, dá-me alguma satisfação que ela coloque homens e mulheres no mesmo patamar, isto é, cada lista deve ter a representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos, que não é exactamente a mesma coisa de que se dissesse que deveria ter a representação mínima de 33,3% de mulheres.
Bom, melhor era que cada lista contivesse os melhores, independentemente de serem homens ou mulheres.
Bem sei que a referida lei, ao exigir que as listas plurinominais não possam conter mais de dois candidatos do mesmo sexo, colocados consecutivamente, pretende, precisamente, garantir a tal paridade no número dos efectivamente eleitos, só que, depois vão aparecer as “habilidades” da praxe, com alguns ou algumas das eleitas a demitirem-se ou nem sequer serem empossados.
Sobretudo em alguns meios onde a maioria das mulheres, em política não vai além do voto, quando vota, vai ser difícil a algumas candidaturas cumprir a lei, ou vão aparecer os tais nomes apenas para preencher as listas. Questiono-me se essa será a melhor forma de procurar integrar mulheres na política.
Em qualquer área, as mulheres devem ser apoiadas, integradas, defendidas, oportunamente, naturalmente, sem movimentos ou acções reivindicativas. Cá por mim já dei algo para esse “peditório”. Em meados da década de 70, estávamos na meninice da Revolução, era eu Presidente da Casa do Povo de Nespereira. As pensões de invalidez e velhice aos rurais eram processadas e pagas através dela, com verbas que vinham de Viseu, das respectivas entidades responsáveis. Viseu, com dirigentes de visão curta e até inconcebível, não queria que pagássemos pensões a mulheres casadas. Só se pagava a viúvas ou solteiras. Fartava-me de argumentar, chegando a apontar-lhes exemplos concretos de casais de professores e muitos outros em que o facto de serem casados não impedia que cada um tivesse a respectiva pensão de reforma. Nada os convencia. Eram teimosos como burros. Neguei-me a cumprir a sua determinação e sempre pagamos a mulheres casadas. A única Casa do Povo do Distrito que o fazia. Discutimos várias vezes, ameaçaram-me de ter de repor essas verbas que, no entender dos “crânios” viseenses pagava ilegalmente. Nunca deixei de o fazer. Passado cerca de um ano chegaram à conclusão que eu é que tinha razão e deram ordem a todas as Casas do Povo para pagarem. Assim defendi dezenas de mulheres casadas nespereirenses que, ao contrário de suas congéneres do distrito, sempre receberam a pensão a que muito justamente tinham direito. Com actos como este é que se luta pela igualdade. No entanto, no distrito, ninguém mais teve coragem para isso. Em meados de oitenta, já lá vão mais de vinte anos, fui dos primeiros comandantes do país a integrar mulheres nos bombeiros, que foram e são uma mais-valia, não só pelos serviços que prestaram e prestam, mas até pelas habilitações académicas que parte delas possuíam, de um modo geral, bem superiores às dos homens.
Não tenho qualquer pejo em afirmar que, em muitos aspectos, estive muito à frente, no tempo, de muitos que se julgam vanguardistas. Aliás, o que criei ou ajudei a criar, no tempo e no local onde se deu a criação, são disso o melhor testemunho. E as mulheres beneficiaram com isso. Perdoe-me se pareço imodesto, mas quando às vezes leio ou oiço por aí a falar em gente de quatro costados, sem que se lhes conheça nenhum acto de vulto, lembro-me, uma vez mais, da mediocridade em que este país caiu e daqueles que se fartam de a aplaudir, na esperança de que um ou outro aplauso, por ricochete, se volte para a sua. Mediocridade, obviamente.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Cinfães - Qualidade de Vida

A edição de 2009 do Índice de Qualidade de Vida dos municípios do continente, elaborado pelo Observatório para o Desenvolvimento Económico e Social da Universidade da Beira Interior, coloca Cinfães no último lugar. Algo de que não nos podemos orgulhar, até porque todos teremos uma parcela, embora ínfima, de responsabilidade, em tal situação. Todavia, não é caso para alguns dizerem, como eu já ouvi, que agora até têm vergonha de dizer que são de Cinfães. Nada disso. As terras nunca têm culpa, elas são o reflexo das suas gentes.
Em vez de atirarmos para o ar frases ocas, sem sentido, impensadas, melhor é reflectirmos sobre a situação e questionarmo-nos do porquê de tal classificação, que alguns consideram humilhante.
O índice recorre a meia centena de variáveis de quinze áreas, como equipamentos (de comunicação, culturais ou outros), educação, ambiente, dinamismo económico, etc.
Analisando o concelho, segundo essas perspectivas, não podemos estranhar, senão estarmos no último lugar, estarmos nos últimos.
Começando, aleatoriamente, por qualquer uma das áreas, todos reconhecemos que há graves problemas, como, por exemplo, nas acessibilidades do concelho, a falta de uma ligação rápida ao Grande Porto, a miserável estrada número 225 e alguns problemas de acessibilidades internas. Tal facto conduz à falta de investimentos empresariais, que provocam escassez de emprego, logo desertificação. É absolutamente inaceitável que freguesias, até com estatuto de vilas, não tenham saneamento básico ou tenham algum a correr a céu aberto, não tenham água ao domicílio, pondo em risco a saúde pública. Para não falar noutras freguesias, falo da minha – Nespereira – e convido os autarcas e delegação de saúde a visitar, com olhos de ver, o que se passa por aí com fossas sépticas a debitarem para estradas e caminhos ou as escorrências a saírem pelas tampas, como acontece frequentemente junto ao estabelecimento bancário, que, algumas vezes, é preciso tapar o nariz e ver onde se põem os pés quando se lá vai. Veja, meu amigo, um quartel de bombeiros, com muito movimento, sobretudo de verão, a despejar para fossas sépticas. Veja o que vai acontecer daqui a algum tempo com o Lar de Idosos e Creche a despejar para fossas sépticas. Veja as léguas que temos de percorrer para sermos assistidos se tivermos um problema mais complicado de saúde. Veja a escassez de elementos das forças de segurança para um concelho com tão grande. Veja que mesmo nas duas freguesias do fundo do concelho com estatuto de vila não existe um Posto de Correio digno desse nome. Enfiam, poderíamos continuar a desfiar o rol de problemas que atiram Cinfães para o atrás referido último lugar.
Bom, quando se paga a um cantor, por cantar meia dúzia de canções tanto como é o subsídio anual para as duas Associações de Bombeiros; quando não se criam Equipas de Intervenção Permanente nos Bombeiros, alegadamente por não se pretender gastar dinheiro ou porque se desconhecem ou se fogem às responsabilidades no que toca à protecção civil, que, retirando os bombeiros é uma miragem; quando se atribuem subsídios a algumas associações, à custa de estratégias pouco sérias; quando se investe tanto dinheiro em festas, espalhadas por aí por todos os cantos como cogumelos, quase sempre com as mesmas bandas, os mesmos ranchos, os mesmos artistas, sem que o comércio beneficie substancialmente com isso; quando as prioridades, relativamente a diversas obras, não nos parecem as mais adequadas; quando sobra dinheiro nos cofres e há tantas coisas por fazer, não podemos estranhar que se viva mal em Cinfães.
Se todos nós temos alguma “culpa no cartório”, se não fosse por mais, porque votamos, a culpa maior é do poder central que nos deixa aqui abandonados e, obviamente, do poder local, que não faz tudo o que era suposto fazer, porque lhe compete, e porque não pressiona devidamente o poder que está acima de si.
Bem sei que quem está no poder vai desvalorizar o trabalho do referido Observatório e quem está na oposição ou se candidata ao poder vai dar-lhe, provavelmente, mais valor do que ele merece.
Creio que, acima de tudo, ao invés de se culparem, uns, se desculparem, outros, é uma boa altura para os que se candidatam ou recandidatam, reflectirem sobre o assunto, dizerem o que pensam - às vezes não pensam – fazer para reverter a situação e, embora eu saiba que isso é um pedido/sugestão quase impossível, passarem para além dos monólogos e ouvirem os eleitores. Veriam que há muitos que têm ideias e das boas. O que nem sempre acontece com os que estão no poder e os que se perfilam para tal.

Confiança

Disse Séneca: “Confiar em toda a gente e não confiar em ninguém são dois vícios. Mas no primeiro encontra-se mais virtude e no segundo, mais segurança”.
Infelizmente, estamos a atravessar um tempo em que teremos de adoptar o vício de não confiar em ninguém, exactamente em nome da segurança. Deve ser extremamente triste, se optarmos por esse caminho, ficarmos com a sensação de que não confiarmos em determinada pessoa pode ser uma tremenda injustiça. Para quem se julga merecedor de toda a confiança e se vê vítima de desconfiança, será, inevitavelmente, muito doloroso e levá-lo-á, por certo, a tomar idêntica posição, relativamente a quem de si desconfia. Mas o que é certo é que acontecem coisas com grande frequência que nos levam a “estar sempre de pé atrás” relativamente a quase tudo e a todos. Aliás, muitos de nós, já fomos abalados, surpreendidos negativamente por pessoas em quem depositávamos confiança extrema. Se pensarmos bem, normalmente são os que conhecemos melhor, os mais próximos, que nos enganam, porque, aos outros, nem lhes damos oportunidade para isso. É péssimo quando somos obrigados a não confiar em alguém. As circunstâncias, no entanto, a isso nos obrigam. Atente neste caso concreto: neste mês de Julho levei o meu carro à inspecção periódica. No próprio dia em que decidi fazê-lo, mandei alinhar a direcção. Esperei que me fizessem o presumível alinhamento e, passados cerca de trinta minutos, o meu carro estava a ser inspeccionado. Resultado final: o carro não passou na inspecção, segundo o técnico, porque a direcção estava desalinhada. Certamente você ficaria surpreendido. Foi o que me aconteceu. Imediatamente, perdi a confiança em quem fez o alinhamento e no técnico que procedeu à inspecção, pois fiquei sem saber quem estava errado, ou mesmo quem me enganara. A partir de agora, muito provavelmente não volto a fazer alinhamentos de direcção na mesma oficina nem irei ao mesmo centro de inspecções. É lamentável termos que viver num clima em que não podemos confiar. Encontro mais razões para não confiar quando sei que um determinado indivíduo fez exactamente o mesmo que eu, embora em locais diferentes, isto é, mandou alinhar a direcção do carro, foi à inspecção, o carro reprovou por direcção desalinhada. Sem repetir o alinhamento, no dia seguinte, foi ao mesmo centro, calhando-lhe, casualmente, o mesmo inspector. O carro passou. O inspector foi insultado. Talvez com razão. É a incompetência, a negligência à solta.
Seja como for, prefiro que seja o técnico da oficina a aldrabar e o inspector seja rigoroso, do que este facilitar. Com a segurança eu não gosto de brincar.
O que é certo é que são casos como este que nos fazem desconfiar deste mundo e do outro. E será que não temos razão?
Para nos aldrabarem bastavam os políticos que, seja qual for as ideologias que perfilhem, se é que eles perfilham algumas que ultrapassem os seus interesses pessoais ou de camarilha, fartam-se de mentir e, sem o mínimo de pudor, chamam mentirosos aos outros, como se não fossem absolutamente iguais. Para não irmos mais longe, ainda na última semana, Manuela Ferreira Leite disse e desdisse, quer dizer mentiu e no fim-de-semana encheu a boca a chamar mentiroso a Sócrates, que, sendo-o, talvez, não o é mais do que ela. E numa coisa Sócrates tem razão: a líder do principal partido da oposição não apresenta uma ideia, uma proposta, limita-se a contestar tudo o que Sócrates diz ou faz. Para se ser um líder assim, não são precisos grandes atributos, qualquer lerdo o pode ser.
Ferreira Leite deveria ser mais cuidadosa quando enche a boca a falar da vergonha que ela diz Sócrates não ter. Vergonha é coisa que de facto ela já demonstrou não ter. E, para aqueles que têm memória, competência também não. Seria bem mais bonito e eficaz se cada um procurasse usar os seus méritos, apresentando propostas concretas e sérias, realistas, aos portugueses, em vez de se digladiarem como se fossem inimigos figadais.
Mais descarada ou despudoradamente, quase todos os políticos mentem e, tão grave como isso, para não dizer pior, hoje dizem uma coisa que toda a gente ouviu ou leu e amanhã, com a maior desfaçatez, negam que alguma vez tenham dito o que de facto disseram. Já todos sabemos que, infelizmente, a regra geral é essa. Pelo menos, sabendo-se disso, deveriam ter mais cuidado com os slogans que usam. Por exemplo, Manuela Ferreira Leite chocava-me muito menos com o diz e desdiz se não tivesse aquele slogan que, salvo erro, é “falar verdade aos portugueses”. Mas que verdade?! Será que a sua verdade é apenas aquilo que lhe convém ou se lembra de dizer hoje, como se ontem não tivesse dito nada, ou se rasgasse – para usar a sua própria linguagem – tudo o que houvera dito ou escrito antes?! Sinceramente, apesar de na minha memória se guardar o nome de Manuela Ferreira Leite como uma péssima Ministra da Educação e uma péssima Ministra das Finanças, mesmo assim, imaginava-a capaz de uma linguagem mais séria do que a maioria dos seus pares. Afinal, enganei-me. Mas quem parece não estar enganado é o povo português, que, apesar dos problemas que têm embaraçado o Partido Socialista e o próprio José Sócrates, apesar do desgaste que qualquer governo sofre no final de uma legislatura, muito mais quando se enfrenta uma grave crise económica e financeira internacional, mesmo assim, uma grande percentagem deles, de acordo com as sondagens, sempre falíveis, embora, preferem Sócrates para primeiro-ministro do que Ferreira Leite. Se a sondagem estiver correcta, é caso para afirmar que o povo lá “sabe com que linhas se cose”.

Padres na política

Aqui há uns anos atrás, não muitos, entrei numa igreja católica de uma cidade satélite do Porto, quando um sacerdote proferia a homilia da missa que celebrava. Mais pela voz do que pelo físico, já que me encontrava relativamente distante e a igreja estava pouco iluminada, como convém, para se tornar mais convidativa à meditação e à atenção da palavra que normalmente afirmam ser a de Deus, reconheci de imediato o sacerdote. Era um amigo de há muitos anos, reconhecido na diocese de Lamego pelos seus dotes oratórios, daí ser frequentemente convidado para pregar os sermões das missas festivas que se realizavam nas diversas igrejas e capelas da região. Já não prega mais porque não está entre nós. Sabia da sua concordância e defesa das ideias de Salazar, aliás à semelhança de uma grande parte dos seus companheiros padres, sobretudo os que paroquiavam os meios rurais mais pobres. Aliás, à época, tinham o exemplo no próprio Cardeal Cerejeira. Padres, que combatessem a doutrina de Salazar, existiam alguns, entre os quais avultava o Bispo D. António Ferreira Gomes. Não devemos esquecer que se deve muito ao clero, ao nível da educação, da instrução, da acção social, mas também se lhe deve muito na ajuda à manutenção do obscurantismo político em que vivemos durante décadas. Alguns padres católicos eram autênticos suportes e propagandistas das ideias do regime vigente. Conheci e tenho e tive amigos – alguns já partiram – uns que defendiam o Estado Novo, outros que o combatiam conforme podiam. Sempre tiveram no púlpito, um palco privilegiado, para difundir as suas ideias, que muitas vezes, pouco tinham a ver com a palavra de Deus e um público crente, cheio de fé, com a certeza que o sacerdote era o representante de Deus na Terra e por isso a sua palavra só poderia ser sábia, só poderia indicar o caminho correcto. Não é por acaso que, ainda hoje, todos os políticos, procuram ter relações amistosas com o clero, ainda que sejam ateus, agnósticos ou perfilhem qualquer outra religião que não a católica.
Bom, voltando ao referido sacerdote que encontrei, ele fazia uma apologia, o mais explícita possível, de toda a doutrina de Salazar, atacando veementemente, com uma virulência inusitada, praticamente todas as ideias que nasceram e se começaram a praticar após a Revolução de Abril, apontando a esta mesma Revolução todas as maleitas que sempre existem, seja qual for o regime político em que vivemos. Estávamos já nos primeiros anos deste século XXI. Uma grande parte das pessoas mostrava cara de espanto, com semelhante oratória, bem construída, o que revelava que ele estava na posse de todos os seus dotes que o fizeram conhecido e reconhecido no seio dos seus pares e dos fiéis, embora outras talvez dessem a sua concordância. De qualquer forma, fiquei impressionado, não pelas suas ideias, das quais discordava, mas respeitava, mas porque ali não era o sítio nem o momento para tamanho despautério político.
Hesitei em esperar pelo fim para cumprimentar o octogenário prelado. Sabia que, dada a minha frontalidade, dificilmente o nosso contacto se faria sem eu me pronunciar relativamente à homilia. Pensei então que mais valeria não proporcionar qualquer conflito que pudesse beliscar as relações amistosas que sempre mantivemos e fui-me embora. Nunca mais o vi. Passados uns meses faleceu.
Lembrei-me deste episódio, a propósito de ver as candidaturas de alguns padres católicos aos dois actos eleitorais que aí vêm. Obviamente que não é nada de inédito nem tais candidaturas me provocam qualquer repulsa, não obstante muitos padres católicos destinarem muitíssimo mais tempo a outras actividades do que àquela que os levou a optar pelo Sacramento da Ordem, que às vezes mal se nota. O que me choca, de facto, é que muitos padres se servem do púlpito para fazerem a sua campanha política. Aliás, isso é notório até em vários que não sendo candidatos, fazem campanha pelos candidatos ou partidos que apoiam. Alguns, a acreditar no que se ouve, se não chegam, dentro da igreja, a indicar de forma explícita, onde hão-de pôr a cruzinha nos boletins de voto, fazem-no de forma implícita ou vão a casa dos paroquianos.
É perfeitamente aceitável que intervenham activamente ou não na política, que tenham as suas preferências, mas que se sirvam do altar para propaganda política é absolutamente condenável, aliás, como a qualquer outro indivíduo, patrão ou chefe, fazê-lo no seu lugar de trabalho, tentando influenciar os seus subordinados, ou a qualquer dirigente na instituição que dirige.
Bem sei que a doutrina religiosa muitas vezes se entrelaça, se confunde com doutrina política. Aí não há nada a fazer. Os clérigos não vão deixar de pregar, de espalhar a doutrina da Igreja, só porque há segmentos políticos que defendem as mesmas ideias. Dou-lhe um exemplo: eu aceito perfeitamente que um sacerdote, mesmo em altura de campanha para descriminalizar o aborto, se pronunciasse, na Igreja, contra o mesmo aborto. Estava a defender a doutrina da Igreja, por mais que concordemos com ela ou não. Mas pregar a doutrina é muito diferente de fazer campanha eleitoral, em proveito próprio ou de outrem. A todos se exige ética, mas – não será injustificado afirmá-lo - com maior razão, a um padre.