sábado, 28 de novembro de 2009

O aniversário da minha filha

Coisa que pouco fiz com meus filhos, foi fazer-lhes poemas pelo seu aniversário ou outras datas especiais. O tempo estava muito mais preenchido, as preocupações eram maiores, por isso terei feito dois ou três. Realmente sempre escrevi muito mais prosa, do que poesia, para a qual, sem qualquer falsa modéstia, acho que não tenho grande aptidão. Mesmo assim, e porque me parece que alguns sentimentos se expressam melhor em algo nem que seja apenas um arremedo de poesia, tenho várias feitas para todos os aniversários dos meus netos e mesmo outros momentos. Deu-me, depois do entardecer da idade, para me arvorar em vate. Mas descanse, meu amigo, que não o vou castigar muito com os tais arremedos de poesia que são feitos para uso interno da família.
Hoje faço uma das poucas excepções, com a poesia dedicada à minha filha que, depois de me ter dado já uma linda e inteligente neta, transporta no seu ventre, dois netos que serão lindos, com certeza, mas que eu espero que sejam sobretudo saudáveis e que venham ao mundo para serem e fazerem felizes, não apenas os seus familiares, mas todos quantos se cruzarem nas suas vidas. É o papel de cada um de nós: ser feliz e fazer os outros felizes.
Eis, então, o que escrevi, para o seu aniversário em 29 de Novembro.


Aniversário da ZIZI

Nessa estrutura franzina,
nesse seu corpo de menina
está uma alma de mulher
pequenina, cheia de graça.
É tamanha a sua raça
de fazer inveja a qualquer,
de aparente maior pujança,
que consegue transportar
no seu ventre de mulher,
no dito corpo de menina,
não apenas uma criança,
mas, vejam só, logo um par.
Inteligente, laboriosa,
assertiva, voluntariosa,
mãe extremosa, delicada,
competente, dedicada,
de uma neta muito querida,
traquina, muito vivaça,
alegre, com muita graça,
que nos faz amar a vida,
a quem chamamos Mimi.
Hoje os versos não são para si,
são para sua mamã querida,
a nossa filhota Zizi,
de parabéns a triplicar –
os filhotes também merecem,
porque estão dentro de si,
que os parabéns lhe enderecem -
por mais um ano completar,
com a família a aumentar.
Com mais petiz, menos petiz
merece e vai ser muito ser feliz.

O seu a seu dono

Nas minhas deambulações pela internet – não me apetece dizer navegações, porque me sugerem água ou ar e prefiro os pés assentes na terra – vou encontrando textos ou simples expressões muito interessantes, curiosos, outros pobres, com informações falsas, mesmo ridículas. Nesse entretém formativo vi escrito, algures, que Nespereira é “limitada com grande parte da freguesia de Tendais, a oriente”. Se em tudo deve existir, tanto quanto possível, absoluto rigor, nestas coisas de limites geográficos deve existir ainda mais. Isto para não se ser acusado de “mudar os marcos”, roubando território que pertence a outrem, correndo o risco de se voltar cá, depois de morto, empecilhar a vida de quem cá fica, como muitos acreditam. Ouvi muitas histórias destas, em pequenino, o que me leva a crer que o hábito de mudar os marcos era mais ou menos trivial, como o era roubar as águas de rega, actos que conduziram a muitas sacholadas, que em alguns casos redundaram em mortes. Ainda hoje não faltará por aí quem ouse aumentar uns palminhos de terra alheia, seja pública ou privada, ao seu património.
Bom, voltemos às confrontações de Nespereira. Confrontado com esse falso, para mim, limite da minha freguesia, aguçou-se-me a curiosidade e fui parar ao sítio da Câmara Municipal de Cinfães. Fiquei estarrecido, quase receoso de que eu fosse muito mais ignorante do que me julgo. É que lá encontrei escarrapachado: “A Freguesia de Nespereira confina com a freguesia de Alvarenga, do concelho de Arouca e parte da freguesia de Tendais, a oriente”.
Embora absolutamente convencido de que tal informação era um rotundo erro, fui verificar mapas do concelho de Cinfães, alguns estampados em publicações da própria Câmara Municipal, como no seu sítio, na internet, com as suas dezassete freguesias com os seus limites assinalados e em nenhum, Nespereira e Tendais se tocam. A oriente de Nespereira está a freguesia de Alvarenga do concelho de Arouca e, a norte, as duas freguesias são separadas pela de Cinfães. Assim é que é. Para que Nespereira confrontasse com Tendais era necessário que uma das freguesias, ou ambas, mudassem os seus marcos e roubassem território à de Cinfães. Nenhuma das três estará interessada nisso.
Tendo em atenção o que acabo de relatar verifica-se que carta de Cinfães e texto sobre as confrontações da freguesia de Nespereira não podem ser ambos verdadeiros, isto é, “não dá a bota com a perdigota”. Eu, de acordo com o que já afirmei, não tenho dúvidas de que o erro está no texto, mas esteja onde estiver, a Câmara Municipal de Cinfães tem que o corrigir e não tenho dúvidas de que o fará. Ou muda o texto, que é o que eu entendo que deve fazer, ou a carta das freguesias do concelho, se entender e comprovar que ela está errada. É importante que, ao invés de se induzir em erro ou deixar as pessoas confusas, as informem correctamente, tanto que cada vez mais se busca informação através da internet, nomeadamente estudantes, para os mais diversos trabalhos.
Feitas estas constatações, decidi ir ver o que estaria escrito no sítio da Junta de Freguesia de Nespereira – não me venham cá com a Junta de Freguesia da Vila de Nespereira, que isso é outro erro “maior do que a Torre dos Clérigos” – e li o seguinte texto, da responsabilidade do anterior executivo, pois são os seus nomes que lá estão prantados: “Nespereira é uma das maiores freguesias de Cinfães. Localiza-se a 20 quilómetros do centro do concelho, no extremo Sudoeste, atestando com Alvarenga e Bustelo (freguesia de Arouca), limitada pela serra da Franqueira, a Nascente, que a separa da localidade de Cinfães; a Norte ficam Santiago de Piães e S. Cristóvão da Nogueira, a Poente e a Sul fica Arouca que pertencem ao distrito de Aveiro”.
Bom, este texto, em termos informativos, para não referir outra coisa ou outros aspectos, é horroroso. Não consigo imaginar que espécie de informação, alguém, que não conheça minimamente a região, poderá obter com semelhante texto. Vejamos: Nespereira não é uma das maiores, mas a maior freguesia de Cinfães, embora isso não tenha grande importância. Localiza-se a 20 quilómetros - depende do local – da sede do concelho e não do centro do concelho. Bustelo é apenas um lugar, de vários, da freguesia de Alvarenga, concelho de Arouca, que confinam com Nespereira. Quem não conhecer fica com a ideia de que Bustelo é que é uma freguesia de Arouca, sem saber o que será Alvarenga. Não lhe parece que em vez de localidade de Cinfães estaria mais correcto, freguesia de Cinfães? E a Poente e a Sul não deveria estar ficam Espiunca e Alvarenga, do concelho de Arouca, que pertence ao distrito de Aveiro?
Bom, devo registar, que me resta a consolação de não ver no texto acima descrito, a confrontação de Nespereira com Tendais. Não que me incomodasse minimamente que as duas freguesias se encostassem, antes pelo contrário, só que “o seu a seu dono”.
Nesta viagem internauta, parando numa ou outra “estação”, encontrei cada pedaço de prosa, de fazer arrepiar os cabelos. É certo que nem todos têm aptidão, nem formação académica para escrever bem; é certo que quem escreve, muitas vezes, ao corrigir, não lê o que está escrito, mas aquilo que tem na cabeça. Acontece, frequentemente, comigo, cada vez que leio um texto meu, encontrar sempre algo que não está muito correcto ou de que não gosto muito. “Quandoque bonus dormitat Homerus” – Às vezes até o bom Homero dormita, isto é, não há autor tão perfeito que não cometa um deslize. No entanto, uma coisa é isso, que não tem grande mal, outra é escrever constantemente num português péssimo, com frases, inclusive, que, se as lermos exactamente como estão escritas, dizem zero.
Enfim, tenha cuidado, meu amigo, que nem toda a informação que encontra na internet, mesmo publicada por instituições públicas, é verdadeira e bem escrita. Infelizmente.

domingo, 22 de novembro de 2009

Investir na educação

Não me parece que em algum tempo, como hoje, se verificasse uma ausência tão grande de valores fundamentais como o do respeito pela vida alheia e da própria. Os únicos valores, para um gigantesco número de pessoas, têm a ver com o ter e o prazer. É o preço bem caro que todos estamos a pagar, pelo abandono das suas responsabilidades, no capítulo da educação, por parte da família, da escola, da sociedade. Este grave problema de educação sente-se em todos os aspectos da nossa vida. É a falência total da família e da escola. Pitágoras disse: “educai as crianças e não será preciso castigar os adultos”. Todavia, quem é que as educa? Em muitos casos, está mais do que visto e comprovado que a família não cumpre esse papel. É o que nos mostra aquilo que aprendemos, graças à vida. De pais que matam filhos e vice-versa; de pais que violam filhos, roubando-lhes aquilo que têm de mais importante, a pureza e inocência; de pais que roubam juntamente com os filhos ou os mandam roubar e cometem muitos outros crimes, não sendo exemplo de nada de bom, nem sequer de amor paternal, que podemos esperar senão filhos criminosos?! De professores que podem receber pouco pelo trabalho de cuidarem dos alunos, mas recebem demasiado pelo trabalho como educadores; de professores absentistas, mentirosos, incompetentes; de professores a quem já não foi prestada a educação devida, não podendo, portanto, dar aquilo que não têm; de professores que violam e assediam sexualmente os seus alunos, que é que nós podemos esperar senão cidadãos mal formados, com comportamentos desviantes?!
Perante um cenário educativo como o que vivemos, não será tão estranho o tal desrespeito enorme pela vida como aquele que vamos constatando actualmente em que nem os jovens com formação académica - pelo menos tiveram assento nas escolas secundárias e superiores – escapam. É uma tristeza, é arrepiante, sobretudo para quem tem filhos, netos e verdadeiro sentido de família, se rege por valores que, ao contrário do que alguns apregoam, não são de outros tempos, porque são intemporais, ver jovens a assassinar outros jovens das formas mais hediondas, ver jovens a suicidarem-se, às vezes por simples paixões passageiras, mas doentias, quando tinham uma vida inteira à sua frente, que poderia ser de tristezas, de sofrimentos, mas que porventura poderia ser de muitas alegrias, de muitos triunfos. Que juventude é esta que estamos a criar que não é capaz de suportar a mínima adversidade, que não suporta o não, só aceita o sim ainda que seja hipócrita?! Se a juventude é o futuro – e é-o de facto, - o que é que se pode esperar dela, se é a ela que competirá dirigir os destinos das escolas, das empresas, das forças de segurança, das forças militares, da justiça, da saúde, das autarquias, do governo?!
Se bem que ainda cá poderei andar anos suficientes para temer por um futuro pouco risonho, sobretudo em termos de respeito do homem pelo outro homem e por si próprio, temo principalmente pelos meus filhos e pelos meus netos, já que corremos sérios riscos de vir a viver num país onde o crime acontece com frequência e “por dá cá aquela palha”, os criminosos serão inúmeros e inimputáveis, em suma, um país altamente perigoso.
Relacionado com alguns destes crimes, em que têm sido autores e vítimas jovens namorados, acho curioso e algo estranho - talvez valesse a pena um estudo sociológico sério, se é que o não há – que a comunicação social nos revele, para além daqueles que nós conhecemos pessoalmente, tantos casais que se afirmem loucamente apaixonados pelo homem/mulher das suas vidas para tão depressa se separarem, aparentemente sem grande sofrimento, e por outro lado, alguns tomarem medidas extremas, ao ponto de assassinarem os companheiros e/ou se suicidarem por não aguentarem a rejeição, o fim do relacionamento. Isto não pode ser apenas fruto de paixões, de amores não correspondidos. É o desprezo doentio pelo nosso bem maior, a vida.
Urge que todos reflictam neste problema gravíssimo que nos afecta a todos; urge que se dê um novo rumo a este país, devolvendo às pessoas a capacidade de serem e viverem em família, reeducando umas, educando outras, porque umas esqueceram-no, outras nunca souberam exactamente o que é uma verdadeira família. É necessário não só devolver às escolas a capacidade de educar, mas também exigir-lhes que o façam. É necessário que a justiça investigue, com escutas ou sem escutas, como for mais conveniente, mas que o sejam apenas para uso da mesma justiça e não para serem publicitadas e proporcionarem condenações na praça pública ainda antes de o serem nos tribunais, julgue e condene firmemente quem tiver de ser condenado, absolva quem tiver de ser absolvido. É insuportável viver num país onde o laxismo, o facilitismo, o “chico-espertismo”, a impunidade são reis.
Disse Quintiliano: “Esse fraco método de educação a que chamamos indulgência destrói toda a força da alma e do corpo”.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Para onde vai este país?

Em muitas, muitas centenas de peças escritas e faladas que publiquei, é naturalíssimo que repita temas, ideias, frases. É praticamente impossível que assim não aconteça.
Como há situações, gestos, procedimentos que se repetem, alguns que não gostaríamos de ver repetidos, nem deveriam ser, mas, infelizmente, o são, vezes sem conta, é inevitável que me repita, sem dizer exactamente as mesmas coisas, obviamente. Se há temas que tenho abordado com alguma frequência, um deles é o da mediocridade e já nem me atrevo a discernir, tal a sua amplitude, se é mediocridade de uma grande parte dos portugueses, se é do próprio país. Se a mediocridade de qualquer cidadão, qualquer que seja o seu estatuto, a sua função, é preocupante, muito mais o é quando nós temos a consciência que é ela que ocupa o poder, seja ele que poder for: nas autarquias, no parlamento, no governo, em suma na política, na justiça, na administração pública, nas empresas. Então a promiscuidade entre a política, a justiça, as empresas e a comunicação social, sem escrúpulos, nivelada muito por baixo, é assustadora.
Não obstante sermos bombardeados todos os dias com a crise económica, que tem de nos preocupar, pior do que essa mas que ajuda a consolidá-la, é a crise de valores, é a falta de escrúpulos, de educação, de civismo, que faz com que se roube, atente contra a dignidade, se procedam a assassínios de carácter sem que vejamos qualquer punição para os infractores. Enquanto não apearmos do poder, sobretudo do político, do judicial e da comunicação social, a mediocridade, não me parece que este país seja verdadeiramente viável. Se tenho algumas preocupações por mim, elas multiplicam-se pelos meus filhos e pelos meus netos.
Já aqui afirmei, creio que da última vez, que me não preocupa minimamente ser escutado, até porque nunca negarei, cara a cara, aquilo que disser nas costas, da mesma forma que nunca deixei de assinar tudo quanto publico. Considero abjecto tudo quanto é publicado sob anonimato, abomináveis todos quantos, muito do que dizem, o fazem de “face oculta”. Nunca o fiz nem nunca o faria. Ainda referentemente às escutas entendo que deverão ser efectuadas de acordo com a legislação vigente e servir para efeitos de investigação judicial, mantendo-se no segredo de justiça, seja qual for o estatuto de quem está a ser escutado, para evitar suspeições, pressões, julgamentos na praça pública. Todas as pessoas, sejam quem for, têm direito ao bom nome, até que sejam julgadas, condenadas com trânsito em julgado. O que nós vemos neste país medíocre é inúmeras pessoas a serem condenadas inevitavelmente para toda a vida, na rua, ainda que, mais tarde, os tribunais as venham a reconhecer como inocentes. E que dizer do sofrimento dos familiares desses “condenados”, nomeadamente, pais, maridos ou mulheres, filhos?! Quem conseguirá medir tamanho sofrimento, quando vêem, todos os dias, os nomes dos familiares escarrapachados nas páginas de jornais e revistas, abrindo noticiários de televisões e rádios, objecto de conversas nos cafés e repartições?! Será que os responsáveis por tamanha pouca-vergonha, por tão vil irresponsabilidade, sobretudo da justiça e comunicação social, pensam nisso, não têm família?!
Refiro-me aqui expressamente à justiça e à comunicação social pelo seu papel em todo este contexto. Claro que nem a uma nem a outra podemos atribuir os inúmeros e diversificados crimes que atravessam a sociedade portuguesa, nos prejudicam a todos e envergonham, mas não encontro, cá para mim, outros responsáveis, seja pelas fugas de informação, desprezando total e impunemente o segredo de justiça, seja pela publicação, muitas vezes não apenas do que consta das investigações, mas dando asas largas à imaginação, lançando suspeições sobre suspeições, cada um gerindo a informação de acordo com as suas preferências, sejam de que tipo for, provavelmente, até, de acordo com os seus interesses pessoais, de grupo ou mesmo materiais. Se é absolutamente imperdoável, pelo menos, segundo o meu ponto de vista e, creio que de qualquer cidadão dito normal, sem nenhuma preparação específica nessas matérias, mas que pensa, que se viole constantemente o segredo de justiça, sobretudo quando se trata de pessoas com algum ou muito relevo em qualquer área da vida nacional e a avidez doentia, mórbida mesmo, com que cada órgão de comunicação social procura escarafunchar tudo e a qualquer preço, para “vender” mais, todos os aspectos da vida dos visados, sem o menor respeito, já não digo piedade, nem por eles nem pelos seus familiares, muito mais grave é nós concluirmos, sem necessidade de se ser nem muito inteligente nem perspicaz, que as violações partem dos órgãos de justiça e não termos conhecimento que alguém seja responsabilizado por isso, nem tão pouco nos darmos conta de alguma preocupação nesse sentido.
Não aceito muito bem que a comunicação social não se debruce sobre esse problema grave para os cidadãos que é a violação do segredo de justiça, mas entendo-a, porque é do seu interesse que assim seja e é, naturalmente, ela que a fomenta, que, muito provavelmente, paga para que assim aconteça. Agora, diga-me, meu amigo, que confiança se pode ter numa justiça que não investiga, não julga, não pune os crimes que são cometidos dentro do seu próprio edifício e que, não só deixa sair aquilo que deveria estar em segredo de justiça, cá para fora, como o faz em timings acertados com as forças interessadas.
Com uma comunicação social, qual ave de rapina, que se lança com uma avidez nojenta sobre os despojos mais fétidos da nossa sociedade, tornando-os mais fétidos ainda, porque rentabilizam mais do que apregoar valores, virtudes; com uma justiça com operadores que vendem segredos e se vendem como prostitutos, é caso para os providos de fé irem rezando e os outros se entregarem a qualquer dos seus deuses, amuletos ou superstições, porque o problema é sério.
Está complicado viver neste país, mais paupérrimo em termos de valores do que de bens materiais e é caso para se começar a pensar se de aqui a alguns anos, não muitos, ainda seremos um país. Não estivéssemos integrados na União Europeia e já estaríamos com ou à beira de outra revolução. Não sei se para melhor ou para pior, mas com a experiência da bem-vinda chamada dos cravos, expurgando-lhe tudo o que teve de mau e que estamos a pagar, talvez se conseguisse apear do poder a mediocridade, para bem, não apenas de alguns, mas de todos.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A vitória da mediocridade

Fico arrepiado cada vez que verifico que no meu país, na minha região – e isso acontece com frequência, infelizmente – se dá tanta importância a coisas medíocres, a pessoas medíocres. Fico arrepiado, fico confuso e dedico parte do meu tempo a reflectir sobre esse facto, e sempre esbarro na incerteza da justificação para tal realidade.
Não obstante saber que é típico dos portugueses, entre os quais me incluo, achar que o que é de fora é sempre melhor do que o nosso, não tenho dúvidas de que cada vez são em menor número os indivíduos de classe superior e em grande maioria, os medíocres. Não porque me considere um perfeccionista, não porque me considere demasiado exigente, rigoroso, longe disso, mesmo assim, parece-me que para alguém sobressair da mediocridade não pode limitar-se a cumprir aquilo a que qualquer simples mortal está obrigado, isto é, honesto, trabalhador, assíduo, pontual, solidário, cumpridor das leis. Quando eu vejo glorificar, tecer loas a pessoas que nem esses parâmetros cumprem, como poderia eu pensar de outra forma que não fosse a de que estamos num país e num tempo em que a mediocridade desfila triunfante.
Entre outras conclusões que me vão aportando à mente e que algumas vezes tanto se fazem como logo se desfazem como bolas de sabão, neste momento, parece-me de relacionar tal facto com a referida maioria de medíocres existente. Sendo eles, efectivamente, a maioria – já dizia Pierre Beaumarchais que “os medíocres e oportunistas vão a todo o lado” – é naturalíssimo que eles se protejam e dêem realce, destaque, aos da sua estirpe. Talvez a principal característica dos indivíduos medíocres é não conseguir reconhecer a superioridade dos outros. Mal vai ao mundo quando são os medíocres ou mesmo maus a servirem de exemplo, ignorando os bons. Tenho uma dúvida, aliás tenho muitas dúvidas, mas aquela a que agora me reporto é a seguinte: não sei se os espíritos medíocres realmente não conseguem reconhecer a superioridade dos outros, pelo simples facto de serem medíocres, ou porque não têm interesse nesse reconhecimento, precisamente para se tornar mais fácil a sua valorização pessoal e a dos seus iguais.
Alguns dos medíocres, não se lhes conhecendo nenhuma actividade digna de registo e não reconhecendo em si próprios o atributo de nada fazerem ou pouco e mal, têm a estultícia de aconselhar outros a fazer. Quem assim procede deve presumir, penso eu, que o que fazem é muito ou, pelo menos, muito importante, enquanto que aquilo que outros façam, mas não integre o seu lobby, por mais importante que seja, é desvalorizado. Falo conscientemente em lobby, porque acredito piamente que existe, se calhar um pouco inconscientemente, um lobby dos medíocres. Só assim é possível a mediocridade sair vencedora sobre a superioridade e ser praticamente ela a ocupar o poder.
É normal confundir-se pessoa medíocre com pessoa ordinária, insignificante. Efectivamente, é isso que, com frequência, se verifica, no entanto a minha reflexão tem mais a ver com o mérito, a competência, para o exercício de determinadas actividades do que propriamente a bondade ou maldade das pessoas. O que é que eu quero dizer com isto é o seguinte: pode haver pessoas sérias, trabalhadoras, solidárias, respeitadoras que eu considere medíocres no que respeita à capacidade, à competência, ou seja ao mérito para desempenhar certas funções, para assumir determinadas responsabilidades. Se de facto elas não têm essas aptidões, por muito boas pessoas que sejam, e como tal devem ser respeitadas, nunca deveriam ser chamadas a desempenhar tais tarefas, nem elas as deveriam aceitar e, muito menos, colocá-las num pedestal.
Há uma coisa muito pior que acontece com os medíocres, e aqui já não me reporto apenas aos que não têm aptidões, mas incluo os oportunistas, aqueles que de facto o são a toda a linha. Normalmente são velhacos, invejosos, mas também ambiciosos, e como não conseguem, pelos seus méritos, alcançar a superioridade de outros, na hipótese mais doce, menos maldosa, fazem tudo para que essoutros sejam ignorados, esquecidos, ou, na hipótese mais vil, caluniam. É a técnica do como não posso atingir a tua altura, rebaixo-te e já fico mais alto.
Só quem andar muito distraído ou não tiver por hábito reflectir sobre o comportamento das pessoas é que não se dá conta desta triste realidade.
No fundo o que está a dar e é por isso que muitos lutam, é a aparência. Fartamo-nos de constatar que o que se valoriza é aquilo que se parece e não aquilo que se é. Não sei se isto é exclusivo dos portugueses, se à escala global, mas por cá, é inegável que se valoriza com mais frequência a aparência do mérito do que o próprio mérito.
Veja, meu amigo, que há autarquias, que não obstante a generalidade dos cidadãos até poder ser positiva relativamente ao trabalho, à seriedade dos autarcas, se pensarmos bem, por falta de rasgo, de habilidade política, de risco controlado, em suma, de mérito, não estão muito mais desenvolvidas, mantendo-se deficitárias ao nível da saúde, da educação, da segurança, do ambiente, das acessibilidades, do lazer, do entretenimento. Mesmo com trabalhos considerados positivos, verifica-se nas autarquias, como se verifica no governo, parlamento, nos institutos, nas associações, que em muitos desses organismos só não se foi ou vai mais longe porque não há mérito em muitos dos seus dirigentes, que é como quem diz há muita mediocridade.
Tem dúvidas que assim é? Veja como, onde e em que condições são recrutados para serem nomeados ou sujeitos a eleições muitos dos indivíduos que povoam os organismos referidos e muitos outros que poderíamos aqui assinalar.
Bom, deixemos a mediocridade, que anda por aí de saltos altos, vestida de hipocrisia e de falas mansas, dando palmadinhas nas costas de uns e traindo outros, sorrateiramente, consoante as conveniências, para se mascarar de superioridade, que com ela jamais “sairemos da cepa torta” e vamos a outro assunto.
Afinal quem é que anda a ser escutado, é Belém ou S. Bento?
Queixava-se o inquilino de Belém de andar a ser escutado, mas, sabe-se agora, que desde há meses é o primeiro-ministro que está sob escuta nas suas conversas com Armando Vara. Não quererá a oposição acusá-lo de ter promovido tais escutas?
Embora me pareçam exageradas as escutas, atendendo aos fracos resultados que se têm obtido, é bom sabermos que tanto pode ser escutado o primeiro-ministro como o mais humilde cidadão. Pela minha parte, escutem-me à vontade. Para que ficássemos mais descansados só era necessário que a justiça fosse tão célere para os poderosos como para os humildes e que não fossem apenas estes a ocupar as prisões, mas também aqueles. Certamente, com tanta mediocridade – perdoe-me repetir o vocábulo – talvez não seja despicienda a conclusão de que apenas temos o país que merecemos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Aversão aos políticos

Se eu tivesse chegado agora a Portugal e ignorasse qual o partido que ganhara as eleições legislativas, pelos discursos dos diversos líderes, quase poderia apostar que qualquer um deles tinha vencido. As afirmações de tais actores pretendem fazer-nos crer que, mesmo com seis, sete, nove ou dez por cento do eleitorado, as suas propostas terão de ser concretizadas. Então, onde cabem as propostas dos que obtiveram a confiança de quarenta por cento do eleitorado?! Isto faz-me uma certa confusão. Sempre entendi que, em democracia, tudo se deve discutir em liberdade, com respeito por todas as ideias, por mais inconcebíveis que pareçam, mas depois de discutidas e votadas, vingarão as da maioria, tenha ela a amplitude que tiver, que os vencidos deverão respeitar, sem embargo de continuar a lutar em sede própria e por meios legais e legítimos para que, mais cedo ou mais tarde, vençam as suas. É este o meu conceito de democracia. Infelizmente, quer nos meandros políticos, quer mesmo em instituições particulares, fazem-se votações, cujos resultados deveriam ser respeitados por vencedores e vencidos, mas que muitos destes passam a desrespeitar de imediato. Isso é demasiado frequente, quer a nível partidário, quer a nível associativo.
Já demonstrei até à saciedade que não morro de amores pela classe política, de um modo geral, mas procuro sempre ouvi-los, lê-los, interpretá-los, observar o seu comportamento dentro e fora da actividade política, ajuizá-los. É óbvio que não os meço a todos pela mesma bitola. Há políticos, de vários quadrantes, por quem tenho enorme respeito e consideração. Há, felizmente, políticos que encaram a acção política como um verdadeiro sentido de serviço à comunidade. È a forma que encontram de melhor exercer o seu dever de cidadania, numa entrega abnegada, desinteressada em prol dos cidadãos. São as excepções, poucas, infelizmente, que confirmam a regra.
É natural que o conceito que eu faço da classe política se alicerce sobretudo naqueles que conheço mais profundamente, que andam de partido em partido à procura de “tacho”, que usam a demagogia, a mentira, a calúnia sem o mínimo escrúpulo, que hoje dizem muito bem e aplaudem os mesmos actos das mesmas pessoas que antes condenavam, que são de uma hipocrisia, impostura, falta de ética, de coragem, porque não poucas vezes se socorrem dão anonimato, sempre em nome do mero interesse pessoal e desse pecado nojento que é o da vaidade.
A minha aversão vem de antes do 25 de Abril. Quando no final da década de sessenta, princípio da de setenta, a ignóbil censura me cortava, em algumas peças do jornal Miradouro, coisas tão simples como afirmar que faltava luz eléctrica em muitos lugares de Nespereira, que faltava um fontanário neste ou naquele outro lugar, que para se chegar ou sair de um outro não havia outra alternativa que não fosse um caminho de cabras – veja, meu amigo que estávamos a falar de coisas tão simples e elementares como fontanários, para que as pessoas pudessem usufruir desse bem essencial como é a água -; quando, pelas mesmas questões e por outros escritos, sempre em defesa dos interesses do povo da minha freguesia, me tentam eliminar dos cadernos eleitorais; quando um inspector escolar, do Ministério da Educação Nacional – era assim que se chamava – me ameaça com o “olho da rua” se continuasse a escrever da forma que o fazia; quando me ameaçam chamar a GNR para me obrigar a sair de uma reunião camarária pública, que conceito é que eu poderia ter dos políticos?!
Chegou a Revolução dos Cravos e pensei, - ingenuamente, vi mais tarde, - que tocara a finados para a política suja e os políticos sabujos. Engano meu. Saudei o 25 de Abril, continuo a saudar, porque o saldo é extremamente positivo. Só que tudo se conjugou para que a minha aversão aos políticos não esmorecesse, antes pelo contrário. Logo uma corja enorme de indivíduos, alguns que conhecia como as minhas mãos, dos maiores defensores do regime salazarista – passados estes anos todos, alguns, mais ou menos sub-repticiamente voltaram a sê-lo – encostaram-se ao MDP ou mesmo PCP e procuraram sanear, utilizando a calúnia, os meios mais vergonhosos que se possam imaginar, todos quantos entendessem que lhes poderiam fazer frente nas suas ambições. Se mais não conseguiram, pelo menos aborreceram, inquietaram, perderam amigos. O mais vil “partido”, com inúmeros militantes, infelizmente, que surgiu com o 25 de Abril foi o dos “oportunistas”. Continua hoje. E esta democracia tímida, apodrecida, sem sequer ter amadurecido, não conseguiu expurgar tal praga, antes a tem deixado medrar. Tem deixado medrar e, em muitos casos, tem proporcionado a vitória da mediocridade, dos parasitas, dos incompetentes, dos interesseiros, em prejuízo dos competentes, sérios, trabalhadores, defensores do bem público, antes do privado. É um aspecto negativo que a Revolução não conseguiu sanar. Creio que só com outra revolução, não com as motivações da dos cravos, evidentemente, porque não estamos em ditadura, mas que actue sobretudo ao nível da educação nas suas várias vertentes, é que os portugueses conseguirão “distinguir o trigo do joio”, dando o pódio aos melhores e colocando os medíocres no lugar que lhes compete.
Quando esse apetite saneador e a “revolucionarite aguda”, essa autêntica sanha assassina de carácter de amigos e familiares, como se fossem inimigos desde sempre, acalmaram, muitos desses democratas “feitos à pressa”, desses auto-proclamados defensores das suas “queridas” terras e “queridas” gentes, foram-se colando a diversos partidos, nomeadamente o CDS, o PPD, sobretudo este, e também PS. Alguns, sem quaisquer outras convicções que não sejam aquelas que defendam ou aumentem o seu património e a sua vaidade, vão migrando entre os diversos partidos, consoante as conveniências de momento. Devo confessar que muitos destes, nascidos, criados e educados em pleno regime ditatorial, embora me choquem, sejam desprezíveis, não chocam tanto como aqueles que já foram criados, educados na pós-revolução e têm comportamento similar. Enfim, troca-se de política, de mulher ou marido, só se não troca de clube de futebol. Melhor, não trocava, porque os interesses que hoje se movem em volta do desporto-rei levam a que o “clube do coração” de alguns também mude de cor.
Com a balança virtual que pesa o valor dos que desempenham funções políticas a pender mais para o lado dos oportunistas e interesseiros, do que daqueles que são gente séria, correcta, solidária, que também a há, como é que eu não hei-de ter aversão aos políticos?
Seja como for, apesar de a minha experiência de vida me ter mostrado que mesmo na democracia ainda há campanhas e actos eleitorais com muitos truques salazaristas, nomeadamente junto das urnas, o que pode significar que os resultados nem sempre sejam o espelho da realidade, é bem melhor do que nos velhos tempos. Democraticamente, cabe-nos aceitar os políticos que temos, no pressuposto que eles são o produto da vontade maioritária dos eleitores, desejar-lhes a melhor sorte, mas sem que daí resulte que tenhamos de bloquear a nossa voz e a nossa pena, fechemos os nossos olhos e os nossos ouvidos. Cá por mim, enquanto me não cansar, se o não fiz antes de Abril, também não vai ser agora que me demitirei de falar, de escrever, com a consciência de que assim estarei a cumprir o meu dever de cidadania, a servir os meus compatriotas melhor do que muitos, exercendo funções políticas.