segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Bom Ano

Estamos prestes a findar a primeira década do século XXI, portanto, a entrar numa nova década, exactamente o início de 2010. Estoiram-se os últimos cartuchos de 2009, de fracas recordações para muitos. A crise económica e financeira, à escala global, afectaria qualquer país, muito mais um de fracos recursos como o nosso e com tanta gente mais amiga de subsídios e de reformas forjadas ou “compradas” do que de trabalho. Na verdade, um país em que um grande número de pessoas pratica e aplaude o “chico-espertismo”, a vigarice; que se julga senhor de todas as liberdades, mas não admite a dos outros; ter todos os direitos, mas poucos ou nenhuns deveres; um país em que um grande número de trabalhadores, dos mais variados níveis, não produz o que a sua capacidade lhe permite e a seriedade exige, porque considera os patrões ou superiores hierárquicos como inimigos, as empresas como se lhe não digam mais respeito que não seja apenas o de lhe garantir o sustento, mesmo sem crise não pode ir muito longe.
Disse atrás que o 2009 foi de fracas recordações para muitos. Não disse para todos, porque é precisamente em tempos de crise, de dificuldades, que muitos enriquecem. A miséria, a desgraça de muitos é a fortuna de alguns, normalmente com poucos escrúpulos e demasiada ambição.
Na semana passada falei sobretudo da enorme hipocrisia que envolve o Natal, nomeadamente no que toca à assunção generalizada de que ele é, por excelência, a festa da família. Dizia eu que muitas vezes as virtudes – nunca serão virtudes quando se trata de actos hipócritas – estão voltadas para o exterior, para onde se dê nas vistas. E mais do que deixar de praticar as tais virtudes tão apregoadas pelo Natal, mas que devem ser de todos os dias, no seio da família, praticam-se actos desumanos, ignóbeis, como colocar pais e avós em instituições hospitalares, deixando-os por lá abandonados. Confirmando isto que eu dizia, alguns órgãos de comunicação social davam conta de que tinham sido deixados abandonados em diversos hospitais centenas de familiares, com um único intuito, por certo, que era o de não perturbarem as festas. Num jornal, eu li que só num hospital de Lisboa, não sei se por lapso de impressão ou se de facto é verdade, estariam cerca de duas centenas de idosos que familiares lá deixaram, não os recolhendo, nem se preocupando como seu estado. Não será agora, por certo, em mais esta época para muitos de festa de arromba, apesar da crise, que esses mesmos familiares os irão recolher para lhes prejudicar os planos de folguedo. Provavelmente, algumas dessas pessoas andaram a exibir solidariedade onde ela desse nas vistas, talvez confortando outros idosos ou doentes, ignorando os de sua própria casa.
Creio que, se quisermos um mundo melhor, todos temos muito que reflectir sobre o nosso comportamento. Eu sugiro que cada um de nós se olhe ao espelho, não aquele espelho material, que nos envaidece ou desilude, mas aquele, imaterial, que nos mostra a alma. Não sabe como é? Isole-se, feche os olhos para que o ambiente que o rodeia não o desconcentre, abra a alma, reflicta sobre o que fez e não fez. Alije alguns laivos de egoísmo, de ingratidão, de vaidade, de deslealdade, que porventura encontre dentro de si, e, assim aliviado, imagine o quanto pode fazer de bem por si e pelos outros. Vai, certamente, descobrir uma infinidade de coisas que pode fazer, outras tantas que não deve fazer. Se todos fizermos isso e se cada um de nós realizar, ainda que seja um pouco do que se deveria fazer, estaremos a contribuir para tornar mais feliz a vida de todos nós, a contribuir para um mundo mais justo, mais fraterno, mais solidário, menos egoísta, menos hipócrita, menos materialista, enfim, um mundo melhor. Se cada um de nós se esforçar um pouco, se procurarmos recuperar e praticar os verdadeiros valores pelos quais todos nos devemos reger, aqueles valores universais, venham as crises que vierem, continuarão a provocar sofrimento e dor mais a uns do que a outros, mas, prenhes das virtudes e valores referidos, haveremos de as suportar e ultrapassar mais facilmente.
O termos ou não um bom ano de 2010 também depende de si, de mim, de todos nós. E depende muito dos políticos que temos. Dos que elegemos e dos que não elegemos. A muitos desses, infelizmente, não basta a reflexão e a hipotética vontade de serem melhores. Falta-lhes valores, competência, sobra-lhes egoísmo, incompetência, arrogância. Não se criam uns e eliminam outros de um dia para o outro, pelo que não esperemos o paraíso no ano que aí vem. Os políticos que temos, muitos deles que se não movem por convicções, que as não têm, mas pela defesa dos seus privilégios pessoais ou de grupo; políticos que hoje dizem uma coisa e amanhã o seu contrário, que não têm o menor pudor em lutar contra os adversários com toda a espécie de armas, ainda que as mais ignóbeis e ilegítimas, não nos poderão levar a bom porto, a menos que alguma Entidade interceda nesse sentido. Se crê em qualquer divindade, não desanime, ore-lhe. E digo-lhe não desanime, com toda a seriedade, com toda a confiança, não nos políticos, mas porque todos nós, os que não vivemos nem à sombra da política nem de nenhum político, embora combalidos pelo infortúnio, não deixamos que a esperança sucumba, como disse atrás, nós todos podemos fazer muito, inclusive, obrigar os políticos a serem melhores. Vamos a isso. Bom ano.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Presépios de Natal

Encontrei na minha caixa do correio, certamente à semelhança de todos os nespereirenses, um cartão de Boas-Festas, da Junta de Freguesia de Nespereira. De Cinfães, para que se não confunda com nenhuma outra. Você, muito provavelmente, irá achar este texto bem diferente dos habituais. É natural. No entanto, achei-o tão interessante, tão expressivo da época e do que se passa, no momento, na freguesia, que não podia, não devia calar a minha voz, deixando de dizer aquilo que me apetece.
De facto, o cartão com os diversos presépios construídos em diversos lugares, por sugestão da Junta de Freguesia, está muito bonito. Fosse a ideia de quem fosse ou mesmo que tenha sido copiada ou inspirada em qualquer outro cartão, ele está muito bonito. Mesmo faltando lá um presépio, de acordo com os meus olhos, que só lá faltará, evidentemente, por motivos justificados.
Não sendo muito dado a guardar coisas – nem sequer tenho guardados os jornais onde escrevi centenas de peças - vou guardar este cartão, porque ele não se limita a essa questão formal e institucional do mero desejo de Boas-Festas. Ele tem gravado aquilo que é um pedaço da história desta freguesia que se vai construindo.
Creio que aqueles nossos compatriotas que mourejam pela estranja gostariam de receber um cartão desses que, acredito, guardariam religiosamente. Por isso me atrevo a sugerir à Junta de Freguesia, já não digo que os envie, mas que os faculte às pessoas que tenham familiares no estrangeiro, que, pela distância ou qualquer outra razão, não passem cá esta época festiva, que lhe facultem os cartões desde que manifestem interesse, para elas próprias os enviarem. É uma sugestão que custará mais uns euros, mas não arruinará os cofres da autarquia.
Gostei de ver também Freguesia de Nespereira e não o errado e parolo termo vila, porque Nespereira tem, efectivamente o estatuto de vila, mas que corresponde a um determinado espaço territorial. Freguesia, sim, é que está correcto.
Parabéns à Junta de Freguesia e que o espírito que os presépios nos transmitem vivam dentro de vós, dentro de todos nós, em todos os dias do ano.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Natal sempre

Cada um de nós tem os seus pontos de vista que devem ser respeitados. Todos temos legitimidade de concordar ou discordar dos pontos de vista dos outros, desde que o façamos com correcção, sem qualquer intuito ofensivo, sem assumirmos qualquer atitude de superioridade, no pressuposto de que o nosso é que é o verdadeiro.
Este preâmbulo vem a propósito do clima de crispação entre o Presidente da República e o Governo e o Partido Socialista. Qualquer dirigente, nomeadamente das instituições do Estado, sobretudo os que exercem funções da mais alta responsabilidade, quando interpelados ou quando entendem pronunciar-se sobre determinados assuntos, não o devem fazer como se fossem um qualquer cidadão comum, mas com a diplomacia suficiente para não criar conflitos tão desnecessários como prejudiciais para o bom funcionamento das referidas instituições.
É legítimo que o Presidente da República tenha as suas prioridades, como é legítimo que o Governo tenha as suas, independentemente de cada um concordar ou não com as do outro. Estar de acordo ou não é normal, já não é normal que qualquer deles se pronuncie publicamente sobre as prioridades do outro, desnecessariamente e de forma a provocar conflitos.
Não estando em causa a minha concordância ou não com a legalização dos casamentos entre indivíduos do mesmo sexo, parece-me que, embora o Governo esteja legitimado para legislar nessa matéria, num momento de crise como a que atravessamos e num clima político pouco pacífico, o governo deveria deixar tal matéria para mais adiante, na legislatura. Tal matéria não faria parte, pois, das minhas prioridades. Parece, assim, que estou de acordo com Cavaco Silva. Só que eu sou um cidadão comum, sem responsabilidades nos mais altos desígnios da nação. Cavaco Silva, ao ser interpelado pela comunicação social sobre a decisão do Governo aprovar os casamentos gays, respondendo da forma que respondeu, fê-lo de forma provocatória para o governo, com o seu ar de superioridade, de quem se julga senhor incontestado da verdade, de quem “nunca erra e raramente se engana”, o que contraria o que deve ser o comportamento de um Chefe de Estado, e aquilo que o próprio Cavaco Silva frequentemente apregoa. “Bem prega Frei Tomás”. Parece-me que o espírito de Natal anda arredio daquelas paragens entre Belém, S. Bento e o Rato, até porque a réplica dada, quer pelo governo, quer pelo PS, também não terá sido a mais adequada e de molde a proporcionar quaisquer tréguas.
Bom, pelo menos esta situação fugiu um pouco à habitual hipocrisia natalícia. Se isto significasse a morte da hipocrisia, só por isso teria valido a pena. Mas não tenhamos ilusões, a hipocrisia vingará e, pelo que se vai vendo, cada vez tem mais força, mais praticantes, porque se torna evidente, para infelicidade nossa, que a maioria dos mortais se convenceu que só usando-a conseguirá triunfar. De facto, mesmo aqueles que abominam a hipocrisia, como eu, que têm escrúpulos em a utilizar, mas não são ingénuos, verificam que quem normalmente triunfa, ainda que sejam absolutamente medíocres, são os que mais prometem, mesmo que pouco façam, e sabem usar, com perfeição, essa extraordinária, mas mentirosa, arma de sedução, que é a hipocrisia.
Desde muito jovem, me chocou verificar que aquelas virtudes, de que todos nós deveríamos estar imbuídos durante os trezentos e sessenta e cinco dias do ano, por muitas pessoas, só são vividas na época natalícia. E tantas vezes, de forma hipócrita. Eu atrevo-me a afirmar que o Natal é, ao contrário do que deveria ser, a época da hipocrisia. Bem sei que é uma afirmação polémica. Assumo-o, até porque o ser polémico faz parte da minha essência. E confesso que gosto muito de mim assim. Ninguém acredita que se consiga gostar de alguém, sem gostar primeiro de si próprio. Só quem gosta de si, sem ser por narcisismo, sem ser por vaidade, sem ser por se julgar possuidor de atributos, de méritos, que de facto não tem, mas porque vive em constância com a consciência tranquila, que olha os outros sempre com olhos nos olhos, que só se olha os outros para os ajudar a levantar, que caminha sempre de cabeça erguida, que só fala nas costas de alguém aquilo que é capaz de dizer frente a frente, só quem possui estes atributos é capaz de verdadeiramente gostar dos outros, ser solidário, fraterno. A solidariedade, a fraternidade são de todos os dias e não apenas do Natal.Mas o que é que nos é dado ver, afinal?! No Natal, quase todas as instituições, as pessoas, vestem a pele de pais natais, enchem a boca de solidariedade, amor, paz. Às vezes praticam essas virtudes. Às vezes até o fazem com sinceridade. Outras vezes apenas e só hipocrisia. Muita e repugnante hipocrisia. Desenvolvem-se as mais diversas campanhas de solidariedade, normalmente com resultados altamente positivos. Mesmo que muitas ofertas sejam consequência de alguma vaidade, alguma hipocrisia, desde que bem aplicadas, valem. Durante o resto do ano todos os carenciados deixaram de existir? A solidariedade, a paz, a harmonia, esgotaram-se? E porque é que a solidariedade tantas vezes é necessária à nossa porta, quem sabe, dentro de portas, e se ignora e, por outro lado, se mostra, sobretudo quando e onde há “holofotes”? Acha que não? Repare quantas pessoas, sobretudo avós e pais idosos são enviados para os hospitais em época de Natal e férias e lá são abandonados pelos familiares que não respondem sequer às solicitações para os retirarem quando têm alta! Porventura, alguns desses familiares não se escusam de ir exibir solidariedade por outras portas. E dizem que o Natal é a época, por excelência, dedicada à família! Quantas vezes, quase se tropeça na miséria e se finge não ver e se vai praticar a solidariedadezinha onde se dê nas vistas, onde os amigos e conhecidos possam tomar conhecimento do gesto. Podem assim arrotar as suas pretensas virtudes para satisfação das suas vaidades. E é bom não esquecer que a solidariedade não se completa na oferta de meios materiais. Algumas vezes nem é isso que é necessário, mas uma palavra de esperança, de carinho, um ombro amigo para receber um desabafo, o saber ouvir, o respeitar o silêncio, um simples e terno olhar, o estar ao lado, mesmo estando longe, o estender a mão. O que normalmente se vê em cada Natal que passa, não é aquele que eu preconizo, por isso esta época, não obstante o alegre convívio com meus filhos, seus cônjuges e netos, como tantas outras vezes o faço, me deixa sempre entristecido. O Natal, para muita gente, não é mais do que um pequenino paliativo, por uns dias, no oceano das suas dores, na imensidão dos 365 dias. O que eu desejo é que cada um seja, agora e sempre, autor e usufrutuário de todas as virtudes que mais se apregoam pelo Natal. São os meus desejos para si também.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A incoerência dos políticos

Vejam só a incoerência, a “lata” dos políticos. Dos políticos e de uma grande parte dos cidadãos, infelizmente. Só que daqueles seria legítimo esperar mais e melhor do que destes, dadas as funções que desempenham, pelas quais são pagos, não direi principescamente, mas bem, com o dinheiro dos impostos de todos nós, isto é, do nosso suor. Sobretudo os que exercem acção política, actuam, ao nível dos actos e das palavras, consoante os seus interesses pessoais ou de grupo, não revelando o mínimo pudor em afirmar, em defender, hoje, exactamente o contrário do que foi afirmado, defendido ontem. Para além da falta de coerência, muitos brindam-nos ainda com uma falta de educação, de civismo, confrangedores, a todos os títulos reprováveis. De quando em vez é-nos proporcionado observar espectáculos degradantes, sobretudo no Parlamento, com deputados a usarem vocabulário vergonhoso, em ataques sórdidos uns aos outros, ofendendo-se a si próprios, à Casa da Democracia, a quem os ouve, enfim, a todos os portugueses. Eu, que já afirmei aqui que a política se assemelha a um circo em que há malabaristas, trapezistas e palhaços, nem sequer me deveria surpreender de eles se chamarem isso uns aos outros. No fundo, confirmam aquilo que quase todos nós já sabemos ou suspeitamos, só que pelo menos deveriam respeitar o lugar onde proferem tamanhas calinadas, isto é, o Parlamento. Nesta nossa democracia, desde sempre nos habituamos a assistir a alguns diálogos impróprios, mas seria legítimo esperar que ao mesmo tempo que a democracia ia avançando no tempo, ia amadurecendo, os deputados se civilizassem. Mas não, o que se passa é exactamente o contrário. Os políticos de discurso viril, contundente mas leal e correcto, esgrimindo convicções, praticamente desapareceram. Hoje, a maioria deles não luta por convicções porque as não tem, os seus interesses sobrepõem-se a tudo o resto. A sua luta assenta sobretudo na suspeição, na calúnia, no ataque pessoal. De alguém que seria legítimo esperar que fossem referências para todos nós, infelizmente, o que recolhemos, sobremaneira, são maus exemplos. Depois, todos nos queixamos da falta de civismo, do desapego à família, da indisciplina nas escolas, do desrespeito pelas autoridades, da violência. Com tais exemplos e com a justiça sempre adiada ou não aplicada, que poderíamos esperar?! Salvas raras excepções, as maiores referências políticas, culturais, sociais, não se querem ver envolvidos com semelhante cambada.
Voltemos à incoerência dos políticos e vejam só um exemplo de entre tantos que poderíamos apontar.
O Governo anterior decidira legitimamente, fruto da sua maioria absoluta, atribuir licenças ambientais que permitiam a co- incineração de resíduos, nomeadamente em Souselas, Coimbra. Houve, por conseguinte, uma decisão política. Políticos de vários quadrantes, entre os quais o Presidente da Câmara de Coimbra, protestaram e um Grupo de Cidadãos de Coimbra representados pelo advogado Castanheira Barros interpôs uma providência cautelar cujo intuito era suspender a eficácia das licenças ambientais atribuídas. Significava isso que não concordavam com a decisão política, apelando a uma decisão judicial. Fruto dessa providência cautelar, em Fevereiro, um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte ordena a suspensão da co-incineração de resíduos industriais perigosos na cimenteira de Souselas. A decisão judicial satisfazia a s suas pretensões, ela é que interessava.
Acontece agora que, após recurso, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que a co-incineração de resíduos em Souselas pode ser retomada, dado que não há provas de perigo para a saúde.
Sem qualquer pingo de vergonha, de coerência, o edil de Coimbra e o advogado Castanheira Barros afirmam que não é aceitável uma acção judicial, que se precisa de uma decisão política. Se não se tratasse de pessoas importantes, se o assunto não fosse sério, diria que daria vontade de rir. Já vi muito, já ouvi muito, já vivi o suficiente para não estranhar nada destes comportamentos, mas fico sempre triste com eles, porque são protagonizados por pessoas que dirigem, de forma mais ou menos relevante, os destinos do meu país. País que, com gente desta, tem o seu presente, e muito mais o seu futuro, em perigo. Dá para ficar triste, preocupado. Essas pessoas, quando lhes convém, são politicamente correctas, afirmam que confiam cegamente na justiça. Quando as decisões não são do seu agrado, lançam suspeições sobre os magistrados e exigem uma solução política. Mas então não a tiveram já, por parte do Governo? Elas é que não aceitaram a decisão política e recorreram aos tribunais. Agora, que, após recurso legítimo, a decisão judicial confirma a decisão política, tomada, com toda a legitimidade, em altura oportuna, valendo-se do facto de o actual Governo ser minoritário, pedem uma solução através do Parlamento.
Tanta incoerência, meu Deus! Afinal quem foi eleito para governar, o Governo ou o Parlamento?!
Que pobreza de gente esta! Começo a ficar cansado de falar nestes políticos de m…. Creio mesmo que o melhor seria fazer de conta que vivo num país sem políticos e deixar de falar neles. Sei que não consigo. Não conseguirei e também não quero dar-lhes tréguas. Embora a minha voz e a minha pena sejam pouco importantes, não ficaria de bem comigo mesmo se deixasse de exprimir as minhas convicções, os meus sentimentos.

domingo, 6 de dezembro de 2009

A falta de valores

Creio que mesmo o mais desatento se apercebe desta confrangedora falta de valores que parece percorrer o mundo e que contribui para nos devastar física, anímica, económica e socialmente. Pelo menos, por cá, é bem visível e quase todos sentimos na pele, de uma forma ou de outra, os seus efeitos.
Se cada um de nós, ouvindo ou lendo a comunicação social, se não nos ficarmos apenas pelo conhecimento dos textos, mas reflectirmos sobre eles, mesmo no que concerne à ausência de valores chegamos à conclusão de que ela – a comunicação social – se comporta, descrevendo, titulando, no pressuposto de que a referida ausência é o lugar-comum e um gesto absolutamente normal, que deveria ser aquilo que nós deveríamos esperar e exigir de qualquer cidadão, é nobre, insólito.
Concretizo o meu pensamento: há quarenta, cinquenta anos, talvez ainda nem tantos, uma pessoa encontrar um saco com dinheiro, fosse qual fosse o seu valor, e procurar encontrar o dono e entregá-lo, não era nada mais do que o cumprimento de um dever, que a maioria das pessoas faria – já havia ladrões e normalmente não eram aqueles que passavam fome.
Hoje, a propósito de uma padeira ou leiteira, já nem me lembro bem, que encontrou uma determinada importância e agora de um outro cavalheiro que encontrou mil e quinhentos euros e os entregou ao dono, deu-se um grande mediatismo. Isto, só por si, revela a assunção da nossa mediocridade, da nossa pequenez, da nossa pobreza de valores. Referentemente ao último caso, que é o que está mais fresco, o que me chamou mais à atenção foram dois títulos que canais televisivos – não sei quais, nem isso interessa – utilizaram: caso insólito, gesto nobre.
Não condeno os títulos, mas a minha reflexão foi neste sentido: ora só é possível entender tal atitude, que mesmo noutros tempos seria sempre louvável, como um gesto nobre e um caso insólito, porque se admite que meter o dinheirinho ao bolso e ficar “caladinho como um rato”, seria o que, hoje, a maioria dos cidadãos faria.
Pensando assim, reagindo assim, estamos a assumir inequivocamente que somos um país de gente pouco séria, o que não é nenhum motivo de regozijo. Preso a esta reflexão, assumindo, então, que somos um povo desonesto, sem princípios, justificar-se-á plenamente dar relevo a esses tais gestos, que eu gostaria que fossem de prática generalizada, para mostrar que ainda há gente séria, que merece ser louvada e apontada aos outros cidadãos como exemplos a seguir.
Porque entendo que a comunicação social, para além do seu papel informativo, tem ou deve ter uma função pedagógica, creio que, no relato de episódios do género dos aqui referidos, poderia ir um pouco mais longe, fazendo ver que os ditos gestos nobres, no fundo, não são mais do que aquilo que cada cidadão, independentemente do seu estatuto, deve praticar. Não desempenhando funções jornalísticas, não quero “meter a foice em seara alheia”, mas tão-só expressar o meu pensamento.
Não me ficando, no entanto, por aqui, na minha reflexão, indo um pouco mais longe, vendo sob outra perspectiva, não sei se não valeria a pena debruçarmo-nos sobre um hipotético efeito negativo do relevo dado às boas práticas! Não sei até que ponto, a maioria dos cidadãos, que pelos vistos, assumimos, tacitamente, que são desonestos, não se sentirão encorajados a continuar a sê-lo, já que isso é a regra! Pensarão assim, até porque é mais lucrativo: se é regra, não será assim tão condenável segui-la. Muito mais, quando o exemplo do cumprimento dessa regra parte de gente mais alta. É um desafio, uma provocação.
Seja como for, a triste realidade deste país é que, de facto, a falta de valores, a mediocridade são a regra e as boas práticas são a excepção. Assim, meu amigo, não há instituições que resistam a este desmoronar de valores e entronização da desonestidade, da preguiça, do crime, que impeçam o nosso naufrágio.
Todos os dias encontramos aqui e ali relatos que se traduzem escandalosamente na valorização de coisas absolutamente medíocres, risíveis, que só poderiam, a justificar-se qualquer avaliação, ter nota negativa. É a erecção vergonhosa, sem qualquer espécie de pudor, da canalhice, da preguiça, da hipocrisia, da mentira. Para que tais avaliações surtam o efeito desejado, que é aumentar as plumas dos “pavões”, formam pequenos lobbies para garantirem o sucesso. Ainda bem que são “pavões” e não “perus”, não fosse alguém lembrar-se deles na época natalícia e, se por um lado não ficariam bem servidos, por outro, ninguém lhes quer ver a faca no pescoço.
Deixemos os “pavões” esvoaçar, entregues ao seu narcisismo, que um dia, de tanto se auto-admirarem, vão cair, não num lago de águas límpidas como Narciso, mas num charco de lama, ficando conspurcados por fora, como sempre o estiveram por dentro. E se no charco alguma planta nascer, não há-de ser com certeza um narciso, mas um tojo.
O que eu esperava, provavelmente fruto de alguma ingenuidade, era que os políticos, perante a gravidade da publicitação de escutas, atentando contra o segredo de justiça, violação iniciada nos tribunais, repito, nos tribunais, condenassem tal crime, que aliás é sistemático, exigissem explicações concretas sobre o assunto, a descoberta dos responsáveis e a sua punição. Mas não, aproveitam-se desse crime, servem-se do que é publicitado, - que ainda por cima, como já se viu, nem tudo é verdadeiro, visto que há muita contradição e até escutas forjadas a correr na internet - para fazerem oposição ao governo, numa busca suja de colher frutos políticos. Não se inibem de utilizar o parlamento para a devassa, para lançar suspeições, em prejuízo do que realmente cabe aos parlamentares decidir. Sobretudo, o maior partido da oposição, o único que, para já, se pode apresentar como alternativa, vem tendo uma postura vergonhosa. E fala, como se fossem anjos, em pressão da justiça. Se há, o que são as suas afirmações senão influenciar a justiça? Vale a pena atentar no que diz Moita Flores, o edil de Santarém, eleito nas listas do PSD: “O que a actual direcção do PSD está a fazer com a pressão e as insinuações sobre as escutas ultrapassa os níveis da decência, colocando-se dentro de uma redoma de actos em que os piores sentimentos humanos vêm à superfície. O ressabiamento pela derrota eleitoral que só os tontos não perceberam que iria acontecer. Os tontos e os clientes do embuste….A política acabou para este PSD. Apenas vale a vingança pessoal e ódios mesquinhos sem grandeza nem sentido de serviço público ao País.”
É este partido aquele que se nos apresenta como alternativa possível de poder. Pobre alternativa! Muitos falam, falam, mas não dizem nada, não fazem nada, mas mandam falar menos e fazer mais. É o que temos.
Hipocritamente, os políticos continuam a afirmar, porque assim é que é politicamente correcto, que confiam na justiça, quando todos nós verificamos, quotidianamente, que temos razão para não confiar. Infelizmente.
Estamos num país em que o passado oscilou entre a glória e a vergonha, o presente ficará de má memória e o futuro não se sabe se chegará a ter história.