domingo, 15 de agosto de 2010

Algumas ideias soltas...ou talvez não

- Há muitos e muitos anos, desempenhando as funções de Comandante de um Corpo de Bombeiros, afirmava publicamente, nomeadamente para órgãos de comunicação social e à altamente deficitária brigada de fogo posto da PJ do Porto, que a maioria dos incêndios florestais tinha origem criminosa. Alicerçava a minha convicção, tendo em conta os locais e as horas a que os incêndios deflagravam. O politicamente correcto era atribuir tais ignições a outros factores. O poder e mesmo as hierarquias dos bombeiros sempre procuraram contrariar a tese do fogo posto, apesar de todas as evidências.
Enquanto dirigente da Liga dos Bombeiros Portugueses e Inspector, mantive o mesmo discurso do fogo criminoso. Poucos queriam aceitar isso, talvez porque não pretendessem que os portugueses ficassem com o rótulo de incendiários. Eu também não o pretendia, mas enterrar a cabeça na areia, fingir que Portugal é um país só de “bons rapazes” é contribuir para que os criminosos continuem à solta a transformar este país em cinzas.
Bom, onde eu quero chegar é ao seguinte: felizmente, embora “tarde e a más horas”, toda a gente já aceita, a começar pelo Ministro da Administração Interna, que a maioria dos incêndios florestais – até já atiram para o ar com 90% - é de origem criminosa.
- Tal como vem sendo hábito de há muitos anos, quando os incêndios florestais preenchem a agenda mediática, não faltam vozes do poder a defender que agora, sim, é que se vai apostar na verdadeira prevenção. Já conhecemos a música de cor. As promessas repetem-se, sejam quais forem os detentores do poder, e tudo se mantém. Ao contrário da prevenção, com limpeza das matas – anda aí tanta gente a comer os nossos impostos e sem fazer nada – construção de aceiros, pontos de água, etc., aposta-se em mais e mais meios aéreos, isto é no combate. Se as promessas se tivessem vindo a cumprir, o normal seria cada vez ser menos necessários tantos aviões e helicópteros.
Para quem estiver minimamente por dentro da problemática dos incêndios florestais e andar atento ao que se passa, ao que se diz e ao que se escreve, tem de chegar a esta conclusão: se em alguns anos a área ardida é menor do que em outros, é sobretudo devido às condições climatéricas ou porque os incendiários andam mais calmos ou menos interessados que arda. Se os resultados se devessem a qualquer estratégia de prevenção e combate, o normal seria que se melhorasse de ano para ano. O ano passado não foi mau, mas veja-se a tragédia que já vai este ano, com muito Verão pela frente, ainda.
E não se esqueça de reflectir no facto de há vinte, vinte e cinco anos termos em combate, meia ou uma dúzia de helicópteros ligeiros, com horas contadas. Os bombeiros fizeram -e continuam a fazer, no fundo, apesar de só terem louvores de circunstância, o resto são punhaladas e desprezo – autênticos milagres. Para se fazerem comparações é necessário jogar com todos os dados.
Há ainda outro problema: é que apesar de toda a abnegação dos bombeiros, que sacrificam a própria vida, falta-lhes, em muitos casos, material de combate em número e em boas condições de operacionalidade. Os últimos governantes, em vez de entregarem as viaturas de combate aos incêndios a quem deviam, isto é, aos bombeiros, entregam-nas à GNR, que pelos vistos, não zela, como devia, pela segurança dos cidadãos, prevenindo e combatendo o crime, mas está a transformar-se na força, por excelência, de combate a incêndios. Isto é uma aberração inconcebível.
- Enquanto não alterarem essa “criminosa” ideia de ter de se solicitar a presença de um técnico, a léguas de distância, ou pedir autorização para usar um contra-fogo, vão continuar a arder grandes áreas de floresta, por essa única razão. A experiência, feita de muitos combates em terrenos de declives acentuados, inóspitos, diz-me e diz a muitos bombeiros que um contra-fogo, imensas vezes, ou é feito naquele momento ou já não resulta. Conceber uma legislação dessas é de quem não tem “miolos”. Só muita incompetência pode permitir tal monstruosidade. Já o afirmei por diversas vezes: se estivesse a comandar as operações num incêndio, se entendesse que em determinado momento a melhor solução, talvez a única, era um contra-fogo, executava-o imediatamente. Depois punissem-me.
- O meu amigo Jaime Soares, Comandante de Bombeiros de Vila Nova de Poiares, Presidente da Câmara do mesmo concelho, Vice-presidente da Associação Nacional de Municípios, Presidente da Mesa de Congressos da Liga dos Bombeiros Portugueses, quando se trata de matéria de bombeiros vê-se aflito para saber exactamente de que lado há-de estar. Tanta experiência, aliada à inteligência, dão-lhe, todavia, a capacidade de saber, como ninguém, quando é preciso, “dar uma no cravo e outra na ferradura” e muitos nem se apercebem.
Ele sabe que muitas Câmaras não dão o apoio necessário, sobretudo em situações de incêndios florestais, aos bombeiros. Isso é uma verdade que facilmente se comprova. Jaime Soares sabe, eu sei, você sabe que muitos bombeiros teriam já morrido à míngua, se estivessem à espera do apoio logístico das autarquias. O que lhes vale, muitas vezes, é o apoio das suas próprias estruturas, dos populares, de estabelecimentos de restauração, de pequenas e grandes superfícies, que lhes fornecem água, leite, pão e outros produtos alimentares.
Poderia aqui lembrar também as inúmeras Câmaras que não estão disponíveis para criar as Equipas de Intervenção Permanente, o que revela a pouca importância que dão ao socorro e o pouco respeito pelos Corpos de Bombeiros
Quanto aos Comandantes Municipais estou com ele. As leis são para cumprir e nesse aspecto há muitas Câmaras em infracção, mas não são necessários. Para conflituar, para arranjar mais confusões na coordenação, para ser mais um problema do que uma solução, já bastam os GIPS da GNR, em má hora criados, retirando homens aonde eles deveriam estar e dando-lhes meios que deveriam estar nos Corpos de Bombeiros.
- Não consegui deixar de esboçar um sorriso, embora o assunto seja demasiado sério para poder dar vontade de rir, ao ouvir o Ministro da Agricultura sugerir que os terrenos abandonados deveriam passar para a posse do Estado. Para quê? Para continuarem abandonados?! Alguém reconhece ao Estado um bom exemplo nessa matéria?
- Ontem, 14 de Agosto, vi, no “sítio” da ANPC, na descrição de um incêndio em Cabril – Lindoso – PNPG, com 53 bombeiros, entre outras forças, ter como comandante das operações de socorro o Cabo Torres do GIPS da GNR. Ao que isto chegou!
- Os responsáveis pelas mortes dos nossos heróis bombeiros, que hão-de certamente estar num sítio mais justo, não são apenas aqueles que incendeiam as matas, mas também muitos dos que se sentam nas diversas cadeiras dos diversos poderes.

sábado, 7 de agosto de 2010

O orgulho

Há por aí muitos indígenas que, frequentemente, afirmam o orgulho que sentem pelos inúmeros aspectos positivos que descobrem nesta nossa freguesia de Nespereira, do território cinfanense e pelas incontáveis virtudes que também ousam descortinar em alguns conterrâneos, virtudes inexistentes ou altamente inflacionadas. Só inconfessáveis desígnios, que os mais atentos facilmente percebem, justificam semelhante verborreia. São pessoas que não encontrando em si muito de que se orgulhar, encontram nisso a forma de revelar, ilegitimamente, embora, o seu orgulho. E cai sempre bem dizer o melhor possível da nossa terra e das suas gentes e dá alguns votos a quem já não conseguir sobreviver com vaidosa visibilidade, “à tona”, digamos assim, sem eles.
O que os meus sentidos me mostram, salvo raras excepções, são, quando muito, virtualidades, mais do que realidades, que parece nunca, ou só muito tarde, se concretizarem.
Tenho aqui um terreno fértil para espraiar as minhas ideias, mas não quero fugir muito daquilo que me motivou a fazer esta reflexão: exactamente a expressão orgulho, que já no início do texto colocara em itálico.
Quando as pessoas exaltam, por exemplo, o orgulho bairrista, estão a deturpar o significado da expressão que é um sentimento que tem a ver exclusivamente com o próprio indivíduo. O orgulho é “o elevado conceito que alguém tem de si próprio”. Quando alguém se agarra ao orgulho bairrista ou mesmo nacional, das duas uma: ou não encontra em si próprio méritos que o faça sentir orgulho, como já referi atrás, ou, por vaidade aliada ao orgulho, considera que ele próprio é dotado de méritos que contribuem para que a terra ou a nação sejam reconhecidos. É a vaidade a sobressair do orgulho. Sentir orgulho pelos outros pode ser uma atitude muito bem vista, até altruísta, mas atenta contra o verdadeiro significado da palavra. Não tenho que sentir orgulho pelos méritos, pelas qualidades, pelos sucessos dos outros, devo, isso sim, comungar da sua felicidade.
Infelizmente, o que se vê muito, é a exaltação externa, pública, do orgulho, pelos feitos de outros, quando isso transporta benefício pessoal ou político, mas, mesmo assim, internamente, a inveja rói sem cessar.
Sem menosprezar o que de bom existe, nem aqueles que para isso tenham contribuído, antes pelo contrário, eu interrogo-me se, a chegar ao final do segundo lustro do século XXI, existe motivo para eu mostrar satisfação – se preferir leia para me sentir orgulhoso – se a nossa terra (a colocação dos diversos itens é aleatória, não reflecte qualquer índice de valor ou prioridade):
- não tem uma estrada nacional que nos leve e traga com segurança e com alguma rapidez;
- não tem saneamento básico, não obstante algumas infra-estruturas de razoáveis dimensões;
- não tem abastecimento de água domiciliária;
- não tem um Complexo Escolar e Desportivo;
- não tem uma Unidade de Saúde verdadeiramente digna desse nome;
- não tem um Posto de Correios;
- não tem um Posto de Autoridade Policial;
- não tem qualquer instalação hoteleira, uma simples residencial com meia dúzia de quartos, com quartos de banho privativos, como é óbvio que hoje aconteça;
- não tem uma verdadeira estrada que sirva Lourosa e Paradela;
- tem o Largo da Feira, requalificado vergonhosamente, complicando o acesso à parte norte e nascente, nomeadamente Bacelo e Granja, deixando lá um mamarracho inútil que é o coreto e colocando lá outro mamarracho que são as instalações sanitárias, ainda por cima sem funcionarem;
- tem o Rancho Folclórico a construir a sua sede e um museu, na Granja, sendo que não vai lá um autocarro e, na maior parte do percurso, nem dois carros ligeiros se cruzam;
- tem algumas associações que não têm um espaço, ainda que mínimo que seja, propriedade sua;
- tem os campos por cultivar e os montes e caminhos por limpar;
- tem imensa gente sem trabalhar, ao que se diz, a viver à custa dos impostos dos que trabalham ou já trabalharam;
- tem outra gente que recebe subsídio de desemprego ou Rendimento Social de Inserção e trabalham, não pagando impostos, nem ela nem aqueles para quem trabalha, obviamente;
- ninguém fiscaliza, porque é desagradável, incómodo;
- no lugar da Vista Alegre, desde há algumas dezenas de anos que as diversas Juntas de Freguesia têm dado terrenos (com que legitimidade?) para construção ( em reserva ecológica), em muitos casos para segunda habitação, que alguns vendem (ou casa ou terreno), sem que nenhum autarca tenha tido a ousadia de acabar com esse negócio. Como se isso fosse pouco, nem sequer nunca se preocuparam em fazer pelo menos um projecto de loteamento, feitas as diligências que tivessem de ser feitas, de modo a que as casas ficassem devidamente alinhadas e com acessos largos e fáceis. É ver a vergonha que lá está, num lugar em que a maioria das casas (algumas parecem mansões, pouco compatíveis com o facto de estarem construídas em terreno cedido gratuitamente) tem menos de quarenta anos, altura em que eu já alertava os autarcas de então.
Se alguns afirmassem publicamente as afirmações que autarcas lhes fizeram!... A quanto obrigam os votos!!! Pelo menos, à falta de independência, de coragem e, em alguns casos, até à falta de vergonha!
Já agora, festas e mais festas é que não faltam. E peditórios também. Com tanta festa, chego a não perceber onde está a crise.
Cá por mim, que quis ficar nesta terra por amor, que mantenho, e fazer algo por ela, ainda que em prejuízo de uma outra carreira para a qual sentia maior vocação, não sinto qualquer satisfação com isto. Se você acha que é nisto que deve ter orgulho, faça bom proveito.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Que Deus nos proteja!

Alguns dos temas que mais têm ocupado os meus momentos de reflexão, são a segurança – um grave problema cultural português – a hipocrisia, a ingratidão, a mediocridade.
Quanto à segurança, aquilo a que todos os dias assistimos, com perdas de vidas absolutamente injustificadas, perfeitamente evitáveis, demonstram plenamente que há um trabalho árduo a desenvolver nessa área, que terá de passar, forçosamente, pelas famílias, pelas escolas, pelas autarquias, pelas forças de protecção e socorro, pelas forças de segurança, enfim, por todos e cada um de nós. Cá por mim, tenho feito o que posso, nomeadamente através da escrita, mas sei que poderei fazer mais, desde que o desejem, proporcionando-me oportunidades para tal. Bom…”para bom entendedor…”. Fica-me a expectativa se haverá “bons entendedores”.
Através da proliferação e do fácil acesso aos mais variados órgãos de comunicação, de que não excluo a internet, chega-se à conclusão de que este “sítio” está cada vez mais hipócrita, mais ingrato, mais atrasado. Há por aí gente a emitir opiniões que se sustentam sobretudo no dizer o que a pode favorecer pessoalmente, bajulando, louvando o que não merece minimamente ser louvado, antes pelo contrário, fingindo ignorar acções de maior relevo. É a hipocrisia sem escrúpulos, é a sabujice nojenta, que provoca repulsa.
Fazem-se afirmações que nada têm a ver com a realidade. Temos a certeza, inclusive, que não dizem o que pensam, mas o que lhes convém, para agradar ou mesmo para dar satisfação ao “ amor com amor se paga”. É a bajulação recíproca. É preciso muito cuidado, pois, segundo George Chapman “os aduladores são tão parecidos com os amigos como os lobos com os cães”.
É óbvio que eu respeito inteiramente a diversidade de opiniões. Nem me imagino a ser de outra forma, mas uma coisa é a diferença de opiniões que cada um emite, outra é alguém afirmar coisas indefensáveis e, pior do que isso, em que ele próprio não acredita, mas que só a conveniência o leva a isso. É a hipocrisia com todo o seu esplendor. A hipocrisia é uma enfermidade extremamente vulgar que normalmente traz a si associada outra repugnante maleita que é a ingratidão.
Todos nós, uns mais do que outros, temos muito de ignorantes. Eu não me sinto nada mal por constatar a minha ignorância relativamente a uma imensidão de temas, mas procuro, sobretudo quando escrevo, porque é uma marca que ali fica, não o fazer sobre coisas de que não estou minimamente à-vontade. O que não significa que o não possa já ter feito, involuntariamente. Agora, há assuntos que, pura e simplesmente, não dependem de qualquer opinião. São o que são. Estou a lembrar-me, por exemplo, do que, pelos vistos se falou, e também escreveu, relativamente à possibilidade de uma federação das associações de Nespereira. Pura e simplesmente é um erro crasso, porque só podem existir federações de associações, clubes, sindicatos, etc., idênticos, que tenham os mesmos objectivos, como federação de bandas de música, de grupos folclóricos, de associações de bombeiros e por aí fora.
Isto não significa que não se possa discutir qualquer outra espécie de ligação entre as várias associações indígenas, só que federação não. Discutir sobre algo irrealizável é perda de tempo, ou, se preferir, tolice.
Já por diversas vezes referi, que, em determinados aspectos, muitos, aliás, se assiste à vitória da mediocridade. Na política, por exemplo, uma grande parte das pessoas que aí ocupam posições, de maior ou menor relevo, como são medíocres, oportunistas, ambiciosas, receiam as pessoas inteligentes, que pensam e dizem o que pensam, não olharam a meios para conquistar tais posições, como não olham para as defender, ainda que tenham que pisar quem quer que seja.
Porque os inteligentes, os pensadores que não vergam a espinha a troco de qualquer privilégio, que adoptam a verdade, a frontalidade como forma de relacionamento com os outros, sejam amigos ou não, não se permitem a essas “patifarias”, quem vence é a mediocridade. Talvez por isso, Ruy Barbosa escreveu: “Há tantos burros a mandar em homens inteligentes que, às vezes, penso que a burrice é um ciência”.

Os medíocres ficam com tal receio com a simples aparição de alguém com capacidade superior, de alguém com verticalidade que os possa ameaçar, que tudo fazem para não o deixar entrar no seu mundo e, se possível, mesmo abatê-lo. No fundo é o reconhecimento das suas limitações, de que o mais capaz faria facilmente aquilo que ele não consegue ou só o consegue com imensas dificuldades. Ao reconhecimento que as pessoas normais demonstram pelos mais capazes, opõe-se o silêncio ou a repulsa por parte dos medíocres.
Churchil disse: “A inteligência conquista inimigos, o talento assusta”.
Que Deus nos proteja!

António Salazar

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Pinceladas

No rescaldo da maratona mediática que envolveu a visita do Papa Bento XVI ao nosso país, entre outras conclusões a que cheguei, algumas pouco abonatórias quanto à qualidade da fé de muitos dos nossos compatriotas e da sua capacidade de interpretação das mensagens, uma delas foi a de que milagreiros, pelos vistos, foram os portugueses que conseguiram o feito de transformar um cardeal frio, carrancudo, pouco dado a enfrentar e a sorrir às multidões, num Papa afável, quase à semelhança de João Paulo II. Isto segundo nos levava a crer a quase generalidade, quanto a mim, demagógica, Comunicação Social.
Deve-se receber bem os que nos visitam, mas para uma Igreja que exalta a pobreza dos seus servidores e num tempo de pobreza real, numa enorme franja da população mundial, será necessária Tanta pompa?!
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Belmiro de Azevedo, o patrão da SONAE, afirmou que “Quando o povo tem fome tem o direito de roubar”. Eu não me atreveria a falar em direito, mas creio que é compreensível que quem se veja a definhar a si e aos seus familiares, sobretudo crianças, por motivo de fome, roube para comer. Compreensível, admissível, não é o mesmo que direito. De qualquer forma, já que Belmiro lhes concede esse direito, eu sugiro aos esfomeados que, a roubar para comer, o façam nas lojas Modelo e hipermercados Continente. Lá encontrarão, passe a publicidade, comida para todos os paladares.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Que bom!

Não sei se é apenas mais um boato, ou uma verdadeira intenção. Tomo conhecimento que mulheres nespereirenses tencionam reunir-se em jantar todos os fins-de-semana. Que bom! Pensava eu que andava por aí tudo deprimido por causa da mais do que propalada crise. Pelos vistos, nem as mulheres nespereirenses andam deprimidas, nem sentem qualquer efeito da crise, ou, se preferir, a crise terá passado ao largo de Nespereira. Bom, devo confessar que pelo ambiente que dia a dia, vislumbra por cá, quem de facto andar devidamente atento, tem a sensação de que não vive qualquer crise. Ainda bem. Para além de tudo, se as mulheres não andarem deprimidas, os homens também disso beneficiarão. E como pelos vistos a entrada a tais jantares está interdita a homens, os maridos, companheiros ou namorados ficam resguardados de quaisquer eventuais ciúmes.
Feliz por ver as mulheres da minha terra felizes, há, todavia, dois aspectos que não posso deixar de referir. O primeiro é que apesar de tão frequentes eventos denunciarem ausência de crise, ao que se diz, são inúmeras as pessoas subsídio dependentes. Como “não condiz a letra com a careta”, não será despiciendo um estudo do fenómeno por parte de autoridades responsáveis. O segundo é que me parece que se está a passar de um extremo ao outro. Se alguém pensa que é dessa forma que se contribui para a emancipação da mulher, está profundamente errado. Homens e mulheres, juntos, fazendo as mesmas coisas, participando nos mesmos eventos é que retratam a verdadeira igualdade entre sexos diferentes.
De qualquer forma, viva a alegria, viva a festa, vivam todas as mulheres…e os homens.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Bandeiras

Quando iniciei o cumprimento do serviço militar, a meio da década de sessen-ta, portanto nos primeiros anos da inútil, inglória e cruel guerra colonial, já eu era professor efectivo, como na altura se dizia, e sabia que o boato era uma arma poderosíssima, letal, muitas vezes, utilizada tanto para destruir o carácter de muitos cidadãos, como para, através dele, pessoas ou grupos, colherem benefícios. Não obstante os muros que se erigiam em nosso redor, mantendo-nos no maior obscurantismo possível, tinha, de facto, alguma noção da impor-tância do boato. Foi, no entanto, enquanto militar que fiquei a conhecer o seu real valor e como ele era utilizado pelas chefias militares, com resultados posi-tivos. A sua eficácia, sobretudo no limiar da guerra, em que as tropas indígenas eram possuídas de muita ingenuidade, chegava a ser maior do que as Mauser, as G3, as minas, os tanques, etc. O fenómeno do boato era de tal forma importante que era seriamente estudado.
Militarmente, continua hoje a ser amplamente utilizado, não só durante o período em que ocorrem as intervenções, mas antes mesmo, para as justificar. A intervenção no Iraque, por exemplo, a que infelizmente o nosso país está ligado, foi justificada através daquilo que terá sido um boato hábil e conscien-temente forjado. É assim no campo militar, na política, infelizmente, também na vida social e profissional. Quando se quer derrotar alguém ou colher determi-nados benefícios, nada melhor do que criar engenhosamente e fazer espalhar – há sempre gente sequiosa por o fazer – um boato. Os políticos que o digam.
Tirando esses boatos que pretendem derrotar, abater ou colher benefícios, surgem outros, de quando em vez, que nem é fácil adivinhar-se-lhes a intenção nem a origem. Alguns deles só servem para desestabilizar um determinado grupo ou população, mas são de tal forma destituídos de credibilidade que não merecem que quem quer que seja lhes dê qualquer publicidade. Em nome da tranquilidade pública é de bom senso que os que os ouvem, ao invés de os propagar, os encerrem dentro de si, e/ou, antes de tudo, procurem confirmar se existe alguma réstia de veracidade, porque também não devemos esquecer o adágio que diz que “não há fumo sem fogo”, nem que seja o de uma ténue e extenuada lamparina.
Curioso. Muito curioso. O PSD, anda, de uns tempos a esta parte, a desfral-dar a bandeira da liberdade de expressão, de modo a que até já protagonizou a criação no Parlamento, de uma comissão de ética e, posteriormente, de uma comissão de inquérito. Como praticamente todos os políticos, também os do PSD têm fraca memória. Não vale a pena recordar aqui alguns factos, mas valerá certamente lembrar o que Granadeiro disse relativamente a Morais Sar-mento, que este pretendia que fossem demitidos três directores de órgãos de comunicação social. Quem tem telhados de vidro deveria ser mais prudente. Bom, mas como o PSD não estava ciente se os portugueses teriam a certeza de que ele não é melhor ou diferente daqueles a quem acusa, resolveu, no final do último congresso, garantir-lhes isso mesmo com a aprovação da já denominada lei da rolha. Triste figura. Muitos acharão que não estamos bem, mas cada vez mais também terão a certeza de que não vislumbram qualquer alternativa credível.
Os três principais candidatos a líder estiveram lá, mas foi interessante ouvi-los, no fim, dizer que não concordavam com tal lei e que, sendo eleitos, a pro-curariam alterar em próximo congresso. Veremos. Estando lá, no “poleiro”, tal despropositada lei dar-lhes-á um jeitão, como daria a qualquer outro líder.
De Alberto João Jardim tudo se pode esperar. Pedro Passos Coelho não terá sido muito feliz com aquela do perdoa-me que eu já te perdoei, pretendendo fazer passar uma imagem de humildade, que, a existir, mais importante do que isso tratava-se de “piscar o olho” a votos madeirenses. Mesmo assim, nem ele, nem os portugueses, que estão a dar um exemplo extraordinário de solida-riedade para com a Madeira e os seus irmãos madeirenses, esquecendo as ofensas do seu “chefe”, mereciam aquela grosseria de, como resposta ao can-didato a líder, se ausentar do seu lugar e ir sentar ao lado de outro candidato, o Paulo Rangel. É esta gente que fala de ética?! São estas as suas bandeiras?!

sábado, 6 de março de 2010

Ensina-o a pescar

Liberto de compromissos profissionais e de outros a que durante muitos anos me devotei, hoje, o reflectir consome-me muito mais tempo do que o agir. Há um período da vida em que a acção se sobrepõe claramente à reflexão. Talvez, por isso mesmo, por não termos o tempo suficiente para pensar, nem sempre tomaremos as medidas adequadas, quando temos que agir. Se algumas vezes é verdade que poderíamos ser um pouco mais prudentes, poderíamos gastar alguns momentos para equacionar, outras vezes, não há lugar a qualquer tipo de espera, tem de se tomar uma resolução de imediato, muitas vezes indo ao arrepio de leis ou regulamentos. Vivi algumas situações do género e nunca hesitei em reagir de imediato, independentemente de estar ou não a cometer alguma infracção. Situações destas acontecem com alguma frequência quando se trata de operações de socorro. Nunca tive de me arrepender de nada e sempre transmiti aos meus subordinados a ideia de que em situações de emergência, não se pode esperar que o superior hierárquico seja contactado para se tomar uma decisão. Primeiro decide-se em favor da vida, depois dá-se conhecimento ao superior. Há uma coisa que, sobretudo quando se trata de vidas humanas ou património em risco, é mais importante do que qualquer lei ou regulamento. É o bom senso.
Feito este intróito, a minha reflexão de agora está virada para a expressão ajuda. Tínhamos aqui “pano para mangas”, se quiséssemos debater o tema até à exaustão. Bom, mas aqui não se trata de um debate, mas tão-só de uma reflexão para um blogue. Em questão está o conceito de ajuda, quem ajuda, quem é ajudado.
A ajuda de que muitos necessitam não é exactamente igual para todos. Às vezes as necessidades são opostas. Há quem necessite de uma palavra de carinho, de estímulo, de solidariedade, como há quem precise mais de uma palavra de recriminação, de apontar um caminho. Há quem necessite de ouvir dizer um sim, como há quem necessite de ouvir um não. Há quem apenas necessite de silêncio.
Quando se fala em ajuda, normalmente, o nosso pensamento conduz-nos logo para ajuda material, que não se traduz apenas no apoio pecuniário – pode sê-lo de muitas outras formas, como alimentos, roupas, equipamentos, etc. Sobretudo aqui é que eu entendo que se cometem muitos erros, desde logo porque o vil metal é extremamente sedutor. Nem sempre a oferta de dinheiro é a forma mais correcta de ajudar. Muitas vezes é extremamente perniciosa, porque alimenta a preguiça, a ociosidade, trava a criatividade, o engenho, o esforço. A sociedade, no entanto, aplaude quem dá, ainda que seja mal empregue e a pior forma de ajudar. Por sua vez, quem dá, ufano pelo gesto e pelos aplausos da turba, eleva a sua auto-estima, o que não é mau, e julga-se o mais importante à superfície da terra, o que é péssimo.
Poderia alongar-me bem mais sobre este aspecto da ajuda, mas fico-me por aqui. Vamos a outro aspecto, o da perspectiva de quem é ajudado. Ora bom, porque sabem que há sempre alguém que não tendo outros atributos, a começar pela inteligência e seriedade intelectual para alimentar o seu ego, estarão disponíveis para dar uns trocados ou uns objectos, alguns dedicam-se à madracice, não fazendo “a ponta de um corno” em termos de trabalho rentável. Se vivessem apenas à custa dos beneméritos-fautores-de-malandros, vá que não vá, o pior é que alguns deles ainda se dão ao luxo de comer à mesa dos nossos impostos. Este tipo de ajuda, que não é a que eu defendo, salvo algumas excepções, obviamente, faz felizes e contentes as duas partes: os madraços, que não “vergam a espinha” e os seus “beneméritos” por tantas e tamanhas “virtudes” ostentarem.
Inspirado nos chineses – daí o título – eu entendo que se quisermos ajudar alguém, em vez de lhe darmos o peixe é ensiná-lo a pescar, ainda que tenhamos que lhe dar também a cana, o anzol e mesmo a minhoca.
Alguns não quererão, mas abandonem os esmoleres a caridadezinha e talvez os encontremos um dia por aí à pesca, para seu bem e de todos nós.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Falta cultura de segurança

Por diversas vezes me tenho referido à fraca cultura de segurança que o comportamento da maioria dos portugueses evidencia. Eles são generosos, altruístas, abnegados e simultaneamente simplórios, negligentes, atrevidos, combativos, excessivamente confiantes em si próprios e em pessoas de falas mansas, pouco conscientes dos riscos, que no seu entender só acontecem aos outros. Estas virtudes e/ou defeitos, aliados à referida falta de cultura e sensibilidade para as questões de segurança, fazem com que demasiadas pessoas corram sérios riscos, perfeitamente evitáveis, que, em muitos casos, imensos casos, os levam à perda de vida ou a situações graves de saúde e de dependência ou a serem vítimas de burlas e de perda de bens. Infelizmente, constatamos isso, todos os dias, seja por observação pessoal, seja através dos órgãos de comunicação social.
Repare, meu amigo, na facilidade com que muitas pessoas abrem a porta a desconhecidos, fazendo-se passar, algumas vezes por filhos ou parentes de familiares ausentes há muitos anos, por amigos de familiares que vivem longinquamente, ex-alunos, etc., deixando-se enrolar em “novelas”, vezes sem conta denunciadas pela comunicação social, entregando-lhes dinheiro, objectos de valor ou sujeitando-se a serem roubados e mesmo agredidos ou mortos.
Repare na facilidade com que muitas pessoas se deixam abordar na rua por desconhecidos que, com dois dedos de conversa, logo conseguem a sua confiança e se deixam espoliar, das mais engenhosas formas.
Já vimos que não basta o relato de casos pela comunicação social, não basta a acção meritória, mas em pequena escala, que a GNR vai fazendo junto da população mais idosa, sobretudo em aldeias do interior. É necessário ir mais longe nas acções, é preciso fazer muito mais, inclusive, nas grandes vilas e cidades, porque também lá há muita gente a ser vigarizada.
Continuando nesta reflexão sobre segurança, veja como se conduz nas nossas estradas, em velocidades altíssimas, sem qualquer alteração de comportamento quer esteja bom tempo, chova, haja neve ou gelo. Como consequência disso, temos a alta sinistralidade rodoviária, donde resulta o número de mortos e deficientes que se conhecem. Veja ainda o comportamento de muitos condutores quando há um acidente, provocando, muitas vezes, outros acidentes.
Veja o comportamento de muitos, junto aos rios, junto ao mar, em presença de incêndios florestais.
Veja as condições em que muitos trabalhadores operam, nomeadamente na construção civil.
Por último, embora muito pudesse dizer em relação a esta temática da segurança, nomeadamente no que diz respeito às crianças, atente na quantidade de vídeos feitos por amadores, sobre a tragédia da Madeira que mostram à saciedade os riscos desnecessários a que muitos se sujeitaram e que alguns terão mesmo pago com a vida.
A partir da família, passando pela escola, autarquias, forças policiais, protecção civil, muito há a fazer no sentido de inverter tal situação.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Tragédia sobre tragédia

Estamos num país que se debate com várias tragédias. Desde logo aquela da crise económico-financeira, fruto da conjuntura internacional, mas também da incapacidade dos nossos políticos, dos nossos empresários, da irresponsabilidade e inaptidão de muitos dos nossos trabalhadores, marionetas nas mãos de sindicalistas sem escrúpulos, muito mais interessados na manutenção dos seus privilégios do que na sobrevivência das empresas e no bom funcionamento das instituições públicas.
Vivemos a tragédia da falta de valores que grassa pela sociedade a todos os níveis, a impunidade que faz com que os crimes dos mais diversos tipos pululem e alguns, ao invés de serem condenados, são aplaudidos ou incentivados por quem mais tinha o dever de os condenar. Veja-se, como exemplo, a divulgação desenfreada, doentia de escutas telefónicas em segredo de justiça, a serem defendidas por um ex-ministro da justiça, candidato a líder de um partido, logo, hipotético candidato a primeiro-ministro.
Que dizer da tragédia de termos uma mistura explosiva de políticos, jornalistas, empresários, gestores, juízes, que fazem com que, por tudo quanto se faz ou diz, venha de que parte vier, nos deixa necessariamente desiludidos, desconfiados e, pior do que tudo, sem quaisquer certezas, porque não sabemos de que lado está a verdade, se é que ela está, efectivamente, de algum dos lados?
Temos connosco a tragédia de verificar que jornalistas, dentro das quatro paredes do Parlamento, exibem os seus dotes oratórios, revelando total desrespeito por esse órgão de soberania, perante sorrisos idiotas – o que alguns de facto são - de deputados; a tragédia de ver e ouvir, no mesmo Parlamento, sem que alguém a chamasse à atenção, uma jornalista, que se deveria limitar a falar de eventuais pressões e manipulações da comunicação social, a afirmar que o Procurador Geral da República sai sempre em defesa de José Sócrates, como se estivesse ali a fazer comentário político que lhe advém da sua investigação de duvidosa independência.
E temos a tragédia de verificar que, pese embora a desconfiança, a descrença que tenhamos em relação ao governo, a oposição, sobretudo aquela que pode ser alternativa, pelas mais diversas razões, pela debilidade, pelas fraquezas, pelas mentiras, pelo manifesto interesse pessoal que se sobrepõe a qualquer outro, não merece mais crédito. Já dei o exemplo de Aguiar Branco. De Rangel, bastará lembrar a traição ao mesmo Aguiar Branco, a vergonhosa actuação no Parlamento Europeu, denegrindo o seu país e, pasme-se, com seis anos de idade, viveu o “25 de Abril com intensa paixão”. Imensas qualidades para ser um farsante, nunca um líder. Apresenta como trunfo a vitória nas eleições europeias, quando não ignora que não ganhou nada, apenas os eleitores quiseram fazer um aviso a Sócrates. A prova é que logo de seguida, naquelas eleições que são verdadeiramente importantes para o país, Sócrates as ganhou. Agora mesmo, apesar de todas as embrulhadas, verdadeiras ou fabricadas, de todo os ataques, as sondagens, valendo o que valem, dão a vitória a Sócrates. Será necessário algo mais para mostrar que os portugueses se têm dúvidas em relação aos governantes actuais, ainda confiam menos nos que se aprontam para o ser? No meio da miséria, talvez Passos Coelho ainda represente uma réstia de esperança.
Quer mais tragédias? A tragédia de termos uma justiça perra, desigual, que traz à solta os criminosos, que condena um desgraçado esfomeado que rouba um pacote de amêndoas e não condena o que rouba, ou como é mais vulgar dizer-se, desvia milhões.
Que dizer se tivéssemos sindicatos de ministros, de deputados? Parece-lhe bem que órgãos de soberania tenham sindicatos? A mim, não. Os tribunais são um órgão de soberania. Porquê, então, sindicatos, ou associações sindicais de juízes? É apenas mais uma tragédia, talvez uma pequena tragédia, se comparada com outras, mas não deixa de o ser, porque por tudo o que nos tem sido dado observar, se defendem os interesses da classe, também têm contribuído para aumentar a confusão e o nosso descrédito na justiça. Um povo que não confia na justiça, tende a fazê-la pelas suas próprias mãos e todos adivinhamos o quanto isso pode ser perigoso.
Metidos neste lamaçal em que este país se transformou, uma outra grande tragédia se abateu sobre nós, mais propriamente sobre a Madeira, espalhando a morte, a destruição por aquela linda ilha. É tempo de homenagear os mortos, de mostrar a nossa solidariedade, de trabalhar de mãos dadas, para levar a normalidade à ilha, para alojar os desalojados, para dar todo apoio consoante as necessidades que se forem identificando. Os portugueses, normalmente tão generosos em campanhas de solidariedade mesmo para com populações de outros países, não deixarão de o ser para com os seus irmãos ilhéus.
Mesmo que agora seja muito mais hora de homenagear os mortos e cuidar dos vivos, não podemos deixar de nos questionar porque é que estas tragédias acontecem. Seria uma hipocrisia acreditar ou fazer acreditar que tal tragédia é apenas fruto de condições climáticas adversas e anormais. É verdade que choveu intensamente, de forma anormal, mas se não houvesse erros no ordenamento do território, se os terrenos não estivessem tão impermeabilizados quanto o estão, se não se construísse em cima de linhas de água, as tragédias seriam por certo minimizadas. O que acontece é que tragédia após tragédia se fala no mesmo e os comportamentos repetem-se. Quem tem por hábito observar os locais onde se executam muitas das nossas obras, como eu, fruto de ter participado no socorro em diversas tragédias do género, desde logo, a primeira nas grandes inundações de Lisboa, em 1967, enquanto militar, em que perderam a vida centenas de pessoas, não apenas por culpa da chuva copiosa que caiu ininterruptamente durante 24 horas, verifica que diversos locais do nosso país, a começar pela minha própria freguesia, têm construções em ou muito próximas de leitos de cheia, o que, numa situação de anormalidade climática, pode provocar graves danos. Mas quem se importa com isso? Nem os que constroem, que muitas vezes nem se apercebem dos riscos que correm, outras vezes é o único local de que dispõem, nem as entidades responsáveis pelo licenciamento. E que dizer, ainda, de toda a espécie de lixos e espólios de árvores que deitam ou deixam nas linhas de água e pequenos riachos, junto às estradas, vedando a passagem das águas em situação de chuva intensa e prolongada, pondo em risco pontes, aquedutos ou outras obras de arte? Quem fiscaliza, quem toma as medidas adequadas? Ninguém. Depois as tragédias acontecem, todos lamentam, fazem-se promessas, a culpa morre solteira e…continua tudo na mesma.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Censura...com ou sem moção

Foi-se o carnaval do calendário, ficou e parece que pegou de estaca, o carnaval político. Neste mundo a tornar-se nauseabundo onde foçam muitos dos nossos políticos e outras espécies conhecidas, quase todos pigmeus, exactamente no que diz respeito à estatura política, moral, ética, vemo-los constantemente mascarados, sobretudo através do seu discurso, de forma que nunca sabemos quando é que temos o político verdadeiro à nossa frente, se é que alguma vez o chegaremos a ter. É como se vivêssemos num carnaval permanente.
Pegando em alguns dos temas que estão na berra e sobre os quais já me debrucei, deixe-me fazer ainda mais alguns comentários. Sem qualquer critério de prioridade, quero começar pela repugnante imbecilidade de Paulo Rangel ao afirmar no Parlamento Europeu – repugnante sobretudo por serem afirmações fora de portas – que Portugal tinha a sua liberdade amordaçada. Só quem não viveu antes da revolução libertadora de Abril e não quer conhecer, ou finge não conhecer, por conveniências políticas e pessoais, a história desse período, e lhe dá jeito distorcer o presente, pode fazer tal afirmação. Certamente falou mais alto a pressa em exibir algo que ele julga de importante para justificar a sua também apressada, segundo os seus correligionários, apresentação da candidatura à liderança do PSD. Não começa bem. Como é que alguém que se coloca na posição de hipotético primeiro-ministro de um país, o anda a denegrir pela estranja?! Como é que alguém pode falar em país amordaçado, em censura, se toda a gente diz e escreve o que lhe apetece, mesmo incorrendo em crimes e não acontece nada?! Só por isso, Paulo Rangel não merece, segundo o meu ponto de vista, ser líder de um partido que inevitavelmente o catapultaria a candidato a primeiro-ministro. Num país com censura, sem liberdade de expressão, leríamos e ouviríamos todos os dias o que lemos e ouvimos?! Como é que alguém que utiliza a comunicação social para fazer as mais graves afirmações, verdadeiras ou falsas, a respeito das mais altas figuras do estado, não lhe acontece nada e proclama à boca cheia que temos aí a censura. Ah! Se eles de facto soubessem o que ela foi?!
Já afirmei que não há liberdade a mais nem liberdade a menos. Se em Portugal há algo que em termos de liberdade pode chocar é não se respeitar a justiça, é difamar, caluniar, não se respeitarem muitas vezes os direitos humanos, no que toca à informação e ninguém ser responsabilizado por isso. Se eu tivesse outra mentalidade, outra formação, se não tivesse vivido no tempo em que vivi, teria a tentação de dizer, como muitos, que o que existe em Portugal é liberdade a mais. Mas não, não digo. O que existe, sim, é uma enorme falta de respeito pela pessoa humana, uma enorme falta de respeito pelas leis, cujo exemplo vem de cima, e uma enorme incapacidade de exercer a justiça em tempo oportuno.
Já que tenho estado a falar de censura, vem a talho de foice falar de moções de censura. A moção de censura é um instrumento de controlo político do governo, à disposição da oposição na Assembleia da República. A aprovação de uma moção de censura, por maioria absoluta – 116 deputados no mínimo – implica a queda do governo. Tudo o que Portugal não precisa neste momento é da queda do governo. Não por ser este governo. Fosse ele qual fosse. Assim sendo, embora reconheça legitimidade ao partido do governo para desafiar a oposição, por tão mal dizer do mesmo governo, a apresentar uma moção de censura, acho, para além de leviandade, uma grande hipocrisia fazê-lo. Leviandade, porque não é o momento de, através de uma crise política, agravar ainda mais a situação económica e baixar a credibilidade do país, internacionalmente. Hipocrisia, porque o partido do poder só faz tal desafio na confiança de que dá à oposição um sinal de força e de que ela não se atreverá a apresentar tal moção. E se porventura viesse a apresentar, não seria porventura o PS a perder mais.
Por seu lado, a oposição, nomeadamente o PSD, quando se refugia no interesse nacional para negar a oportunidade de uma moção de censura, também o que revela é uma grande hipocrisia. Acreditasse o PSD que poderia tirar dividendos, isto é, vencer as eleições legislativas que se sucederiam à queda do governo e não hesitaria em servir-se de tal instrumento, na esperança de que tivesse o apoio das outras forças. Primeiro há que os “galos” lutem pelo poleiro e um o conquiste e se afirme para, quando e se achar oportuno, mande às malvas o interesse nacional e provoque eleições. É assim que todos procedem.
Já nem me lembro se li ou ouvi que andam por aí uns sms a convocar para uma manifestação de apoio a Sócrates. Se é verdade, não auguro nada de bom e lamento. Tanto mais porque são cobertos pelo anonimato. Anonimato que sempre abominei. Vêm-me à memória as grandiosas manifestações de apoio a Salazar e Caetano, com autocarros e autocarros a desembocarem no Terreiro do Paço cheios de pessoas, a maioria delas, obviamente, não convocadas, por sms, mas obrigadas pelos caciques, nem sequer sabendo o que iam fazer. Num regime democrático, manifestações desse jaez não se justificam e podem ser mau prenúncio. Espero que não passe de uma brincadeira carnavalesca.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Sem um momento para sorrir

Hoje é um daqueles dias em que parece que o Sol se esqueceu de aparecer, é um daqueles dias em que tudo se conjuga para não gozarmos de um só momento para sorrir. A vestir a minha alma gélida, o corpo se sente alquebrado e frio por esta temperatura que está longe dos dois dígitos.
Logo pela manhã, abrindo o Jornal Miradouro, tomo conhecimento da morte de um dos cinfanenses, ilustre cinfanense, por quem nutro – digo nutro, porque vou continuar a nutrir - mais respeito, consideração, amizade: Manuel Caetano de Oliveira. Manuel Caetano de Oliveira, que conheci e com quem comecei a contactar antes do 25 de Abril com que sonhávamos, desde logo me cativou pela sua simpatia, pela sua sabedoria, pela sua simplicidade. Infelizmente, a vida não me proporcionou contactar com ele tanto quanto eu desejaria. Que bem me teria feito! Quanto eu teria aprendido! Quanto prazer me teria dado!
Para mim, Caetano de Oliveira é uma das maiores e poucas referências cinfanenses como democrata. E que magnífica pena a dele!
Sei que ele tinha uma admiração por mim que eu não merecia. Mesmo que a não tivesse, a minha admiração por ele não seria afectada minimamente, porque as suas qualidades se impunham.
Tolhido por esta triste notícia, recebo outra: a morte repentina, inesperada, prematura de outro grande e bom amigo, amigo incondicional, outra alma boa, generosa, altruísta, trabalhador incansável: o comandante dos Bombeiros de Armamar.
Fiquei mais pobre, ficamos todos mais pobres com a partida de gente desta estatura, sobretudo quando nós verificamos que dos que vão ficando, cada vez são menos aqueles em quem podemos confiar, tal é a podridão que por aí grassa.
Como se tudo isto não chegasse, tomo conhecimento que meu pai, lá longe, no Brasil para onde partiu quase há 64 anos, agoniza penosamente, consumindo, sei lá, os últimos dias, as últimas horas.
Bom, mas eu quero sobreviver, porque ainda há quem precise de mim. A tristeza é muita, mas a coragem não é menor.
A melhor forma de homenagearmos a bondade dos que partiram é procurar seguir-lhes o exemplo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O poder e os media

Dizia eu há dias que o poder sabe tão bem da importância, da força dos órgãos de comunicação social, que tudo faz para os controlar, para os ter do seu lado, para os ter ao seu serviço, se puder. Parece-me que poucos, dos que detêm qualquer espécie de poder, seja político, económico, religioso, corporativo, associativo, podem atirar a primeira pedra. Em termos políticos, começando pelas autarquias, passando pelas mais importantes instituições da administração pública, pelos partidos políticos, chegando ao governo, não me parece que haja grande legitimidade de qualquer desses órgãos ou instituições para acusar quem quer que seja. De uma forma ou de outra, às vezes de forma muitíssimo bem dissimulada, quase todos são vítimas dessa tentação. Mesmo em autarquias relativamente pequenas ou de fracos recursos económicos há a tentativa de controlo, através de subsídios mais ou menos avantajados ou outras artimanhas pouco transparentes, de jornais ou rádios locais. Sabendo-se das dificuldades económicas que a maioria destes órgãos tem para sobreviver, é relativamente fácil tê-los na mão. Quem luta pelo poder, já há muito chegou à conclusão de que para o conquistar ou manter, neste tipo de sociedade em que vivemos, só é possível com a ajuda da comunicação social. Esta promove, glorifica, entroniza, mas também destrói, derruba. Depende do lado em que estiver. Já disse isso antes, que Napoleão tinha essa consciência quando afirmava que “quatro jornais adversos podem fazer mais mal do que um exército de cem mil homens”.
Não devemos esquecer, todavia, que essa capacidade de glorificar, tanto como de destruir, faz da comunicação social, também um poder, exactamente o quarto. E como poder, com características bem diferentes de todos os outros, também tem necessidade de controlar, manipular, chantagear os outros poderes. Criam-se, então, ora lutas, ora alianças, entre os vários poderes, conforme as conveniências de uns e outros. É óbvio que há excepções, quer por parte de quem detém qualquer espécie de poder, quer por parte dos jornalistas. Dos que o detêm, aqueles que resistem à tentação de controlar a comunicação social, por mais e melhores qualidades que se lhes reconheçam, o que se espera é um poder efémero. Nos jornalistas, felizmente, ainda há alguns que, de acordo com Lord Byron embora fiquem sozinhos, não trocariam o seu pensamento livre por um trono. Correm, no entanto, o risco de não sobreviverem e, por isso, alguns acomodam-se ou vendem-se.
Quando leio ou oiço falar em liberdade de expressão ou na falta dela, há muitas afirmações que me fazem muita confusão, ou antes, parece-me que se faz muita confusão à volta do assunto, segundo o meu ponto de vista. No regime em que vivemos, uma democracia, embora com inúmeras deficiências e fragilidades, muitas devidas ao desconhecimento do que é a verdadeira democracia e as suas regras, por parte de muitos cidadãos, parece-me que a vontade, embora nunca expressa nem admitida, obviamente, de controlar a comunicação social, só por si, não significa que a liberdade de expressão não exista. A busca de controlo não é exactamente a proibição de dizer isto e a obrigação de dizer aquilo. O controlo só é efectivo, só resulta quando os directores dos diversos media e/ou jornalistas se deixam controlar. E digo isto com toda a convicção, porque, mesmo em ditadura, sempre houve homens e mulheres livres que “não temeram ir até ao fim do seu pensamento”.
Com este meu raciocínio não pretendo “passar uma borracha”, branquear a acção de todos aqueles que manipulam, chantageiam, procuram ter a comunicação social nas suas mãos. Não, antes pelo contrário, eles merecem-me toda a repulsa, até porque já sofri isso na pele, antes do 25 de Abril.
Não alinho no coro daqueles que gritam que já não temos liberdade ou estamos a um passo de a perder, quando muitos desses sempre tiveram e continuam a ter, pelas políticas que praticam e como as defendem, comportamentos antidemocráticos, atentatórios da liberdade, nem alinho ao lado dos que não se cansam de suspirar por Salazar e afirmar que temos liberdade a mais. Não há liberdade a mais nem liberdade a menos. O que há é um grande desconhecimento, por parte de muitos, do que significa liberdade e um mau uso dela, porque ela tem fronteiras que não devem ser ultrapassadas. Quando, em nome da liberdade, se infringem as leis, está-se exactamente a atentar contra essa mesma liberdade.
A publicação de escutas telefónicas, verdadeiras ou mesmo fabricadas, está na berra. Há diversas opiniões a respeito de tal publicação. Desde logo, algumas são produzidas de acordo com o interesse dos visados. Mas também há muitas, e diversificadas, de pessoas que nelas não estão envolvidas. Eu também tenho o meu ponto de vista. Mesmo que porventura seja uma opinião singular, isolada, não interessa: é a minha, sem qualquer condicionamento. Choca-me, causa-me uma repulsa enorme ver transcrições de escutas, que, ao que se sabe, estariam em segredo de justiça. Isto é que não me parece que tenha nada a ver com liberdade e democracia, pelo menos segundo o meu conceito. Acho que é muito grave haver operadores judiciais, provavelmente mesmo a nível de juízes, que põem essas ditas peças nas mãos de jornalistas que as aceitam, certamente pediram, e publicam. Se isso para mim já é incompreensível e altamente condenável, ainda o é, possivelmente mais, verificar que toda essa escumalha fica completamente impune. Aliás, parece-me que mesmo os tribunais não se preocupam em averiguar quem, no seu interior, praticou tais crimes. Sim, não sei se o serão em termos legais, mas para mim são crimes. Fico completamente espantado com semelhantes procedimentos, verdadeiros atentados à democracia e destruidores, como tantas outras coisas, da confiança que se deveria ter na justiça.
Deixe-me dizer isto ainda: atentado à liberdade de expressão é publicar uma conversa privada que eu tenho com um amigo, porque me escutaram no telefone ou na mesa do café ao lado. Todos nós dizemos coisas em privado, muitas vezes falando de amigos até, que não o diríamos em público. Di-lo-íamos mais depressa ao amigo cara a cara. Isso pode trazer consequências muito graves. E depois, mesmo que não tenha outras, tem o inevitável julgamento na rua. Daqui a pouco, por este andar, cada um de nós tem toda a sua vida exibida na praça pública. Permitir todas estas coisas é o mesmo que admitir e mesmo patrocinar o assassínio de carácter, a acção dos bufos, as milícias, a justiça popular.
Entretanto, e como diria o “rei” da Madeira e do entrudo, bom carnaval.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Informar e concluir com acerto

Tenho o maior respeito pelos jornalistas, de uma forma geral. Há alguns, todavia, que não me merecem a mínima consideração, antes repulsa. Pelo que lemos, pelo que vemos e ouvimos, não é difícil constatar que, nessa classe, como em qualquer outra, há autênticos escroques. Mesmo não sendo propriamente escroques, alguns, por deficiente formação, sei lá, por pressão das redacções, porque a concorrência é demasiada e obriga a chegar primeiro, sabendo-se que a pressa é inimiga da perfeição, não tratam a informação com o cuidado que se deve exigir. O cuidado que se deve ter na recolha, tratamento e difusão das notícias é tão mais importante, porquanto nós sabemos da sua enorme importância na formação da consciência dos cidadãos. Quanto mais e sobretudo melhor informadas estiverem as pessoas, melhor será a qualidade da democracia. Os diversos órgãos de comunicação social, têm um papel importantíssimo e insubstituível na democracia, tanto podendo contribuir para o seu desenvolvimento, para o seu aperfeiçoamento, como para a sua decadência e mesmo extinção.
Os órgãos de comunicação social, sobretudo através da sua parte noticiosa, são tão importantes que quem detém o poder e nele quer permanecer, como quem o aspira, faz tudo, mesmo atentando contra as regras democráticas para os controlar. Ninguém, de facto, ignora a força da comunicação social. Já Napoleão tinha essa consciência quando afirmava que “quatro jornais adversos podem fazer mais mal do que um exército de cem mil homens”.
Não vou falar aqui de direitos, deveres, qualidades dos jornalistas, até porque estaria a “meter a foice em seara alheia”, mas não me abstenho, todavia de reflectir e dizer o que penso relativamente a alguns trabalhos jornalísticos. Acompanho com natural interesse os blocos noticiosos e algumas reportagens sobre temas com que estou mais familiarizado ou que me despertem mais interesse. Provavelmente, algumas reportagens apresentarão deficiências que eu não descortino porque não estou devidamente identificado com o tema. Há outras, todavia, que conhecendo razoavelmente o assunto, é fácil verificar que, sobretudo ao nível das conclusões, são incorrectas e, ao invés de informarem, desinformam. Não prestam, pois um bom serviço. Acredito, no entanto, que a culpa não caberá por inteiro ao jornalista, mas também, algumas vezes, a um ou mais dos seus interlocutores.
Vou dar um exemplo de como os cidadãos ficam mal informados, fazendo muitas vezes exigências indevidas, através de um trabalho jornalístico de um dos nossos canais televisivos.
Era um caso igual a muitas outras maleitas que ainda infestam este nosso Portugal. No caso concreto era uma reportagem feita numa aldeia, algures por aí, que, tendo o médico do Posto de Saúde metido férias, os doentes, a maioria das pessoas, de fracos recursos, sem transporte próprio e talvez sem o transporte publico adequado, se queixava de ter de ir à urgência ao Centro de Saúde da Vila, se adoecesse repentinamente. Isto é o que se passa em todas as aldeias e muitas vilas. O médico falta por doença ou por férias, os utentes têm de esperar. Normalmente as consultas são programadas, marcadas e, sobretudo quando se trata de férias, não há grande problema. De qualquer forma, entendo que sempre que um médico falta, seja pelo motivo que for, deveria ser substituido.
Bom, mas o meu reparo tem a ver com o seguinte, que faz com que eu entenda que a reportagem não foi até onde deveria ir: quem ouve a reportagem, fica com a ideia, e é isso que a jornalista e alguns interlocutores concluem, que esses Postos de Saúde atendem emergências. Ora isso não é verdade. Mesmo em períodos em que o ou os médicos estejam em serviço na unidade de saúde local, qualquer pessoa vítima de acidente ou doença súbita tem de se deslocar aos serviços de urgência mais próximos. Portanto, isto acontece todos os dias, com ou sem médico, acontece todas as noites, acontece todos os sábados, domingos e feriados. É, pois, um erro concluir-se e levar-se a concluir que as pessoas de determinada freguesia ou vila ficam mais desprotegidas quando o médico do Posto está doente ou de férias, porque, em qualquer das circunstâncias, em emergência, têm de recorrer sempre aos Serviços de Urgência.
O mal, portanto, não vem por aí. Não se deve confundir emergência médica com cuidados de saúde continuada. Mas que há ainda muitos problemas ao nível da saúde por resolver, lá isso há. E que quem mais sofre com isso são as classes mais desfavorecidas, também é verdade.
Parece-me, também, que há médicos que por inépcia ou outra qualquer razão se escusam a esclarecer o que seria fácil. Há outros, mesmo, que ignorando as regras pelas quis se devem reger, porque as não conhecem, que é grave, tomam decisões desajustadas com manifesto prejuízo para os doentes, que é o mais importante, mas até para os seus próprios colegas. Sabendo eles, ou pelo menos devendo saber, que nos Postos de Saúde, não existe a tal urgência, que as consultas são por marcação, não poucas vezes, enviam doentes com alguma gravidade para o seu médico de família, sem lhes dar a adequada assistência no momento.
Dos jornalistas espero que quando abordarem estes assuntos ligados à saúde, sejam mais objectivos, investiguem com mais profundidade o funcionamento das instituições. Veremos que nem sempre a culpa está do lado dos médicos, mas também há muitos que vão vivendo impunes, enquanto alguns de nós se vão crucificando nas suas mãos. Para bem de todos nós.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Maravilhas naturais

Ouvem-se por aí, abundantemente, afirmações louvando as belas maravilhas naturais do concelho de Cinfães, que de facto existem e não são assim tão poucas. Ouvem-se e lêem-se, saídas do cidadão comum, mais culto ou menos culto, mas que tem a noção do belo, ou saídas daqueles que, tendo responsabilidades políticas, têm o dever de ir mais longe do que a mera constatação da existência de tais maravilhas. Até há quem veja na exploração – exploração com sentido positivo – de tais maravilhas, associadas à gastronomia cinfanense, uma hipótese de enriquecimento do concelho, através do turismo, proporcionando empregos, consequência da dinamização de diversificados sectores económicos, que ele faz crescer ou mesmo nascer. Só que das palavras aos actos vai uma enorme distância. Parece-me que nem os políticos nem os empresários cinfanenses estão suficientemente motivados para avançar em tal matéria. Um sector que anda quase sempre associado ao turismo é o da gastronomia. Não obstante Cinfães possuir uma boa Escola Profissional dedicada a essa área, não encontramos na restauração concelhia benefícios evidentes dessa existência. A recepção, o ambiente, o serviço de mesas, as ementas com produtos regionais de qualidade, na grande maioria dos restaurantes, ainda deixam muito a desejar. Quem, de fora, vem a uma região deste tipo, presume que se comer um bife ou vitela assada será de raça arouquesa; se comer um cozido à portuguesa será de carnes criadas na região; se comer um cabrito ou um cordeiro será dos criados nas nossas montanhas, se comer uma simples omeleta ou um ovo estrelado será de galinha caseira e não comprado num qualquer supermercado. Deveria ser, mas normalmente não é. Para meu desgosto, devo confessar que já comi cozido à portuguesa e cabrito assado com melhores carnes, na cidade de Lisboa do que em alguns restaurantes do meu concelho. O desgosto não é por comer bem em Lisboa, obviamente, mas porque seria legítimo esperar que esses pratos, os encontrasse melhores nos restaurantes da minha terra. Assim não vamos lá.
Bom, mas o que eu queria agora falar era das tais maravilhas naturais. Apesar do reconhecimento generalizado da sua existência no concelho, nenhuma candidatura, seja com apoio de organismo oficial, seja espontânea, apareceu a candidatar-se às sete maravilhas naturais de Portugal. Porquê, por vezes tanto arrebatamento, tanto bairrismo desenfreado, se na altura de se poder tirar algum proveito, se não toma qualquer atitude? A ou as candidaturas de determinados trechos do património natural de Cinfães, só por si, independentemente do resultado final, já seria um bom elemento de propaganda, que contribuiria para trazer outras gentes até eles. Poderia apontar aqui outras motivações para esta reflexão, mas agora quero referir apenas estas: Castro Daire candidatou a Serra do Montemuro, Castelo de Paiva candidatou o Rio Paiva. Curiosamente, a Serra ocupa um grande espaço de Cinfães e Castro Daire; o Rio Paiva não corre exclusivamente, num pequenino trecho que seja, em território de Cinfães ou de Castelo de Paiva. Ele separa os dois concelhos, desfila entre eles. A propósito deixe-me fazer aqui um parêntesis para dizer que é tão errado afirmar que ele desagua na freguesia de Fornos, como dizer que desagua na freguesia de Souselo. Mais correcto é afirmar que desagua no Rio Douro, entre as referidas freguesias. Voltemos atrás, porém. Apesar do que afirmei sobre a Serra do Montemuro e do Rio Paiva, Castro Daire candidatou aquela, Castelo de Paiva candidatou este. Cinfães “esteve-se nas tintas” para as suas maravilhas, que vai continuar a enaltecer mas sem a divulgação que uma candidatura proporcionaria. E temos o Douro, o Bestança, o Ardena, com as suas quedas, etc.
O simples processo de candidatura, até pelo que a internet pode proporcionar, aguçaria o apetite de alguns a visitar-nos. Aliás, o principal objectivo de tais candidaturas é divulgar para poder preservar. Bem sei que muitas vezes a divulgação é inimiga da preservação, mas tomando as medidas adequadas é possível compatibilizar as duas coisas. Mesmo correndo alguns riscos, é necessário que as maravilhas naturais, sejam do grupo das sete, das setenta e sete ou das setecentas e setenta e sete sejam divulgadas para poderem ser apreciadas por todos e não apenas por alguns. Nesse sentido, em alguns casos, é necessário criar condições para que as pessoas cheguem até às ditas maravilhas. No caso concreto do Rio Paiva, eu que o conheço praticamente todo, visto de helicóptero, alguns dos trechos mais bonitos são inacessíveis a não ser para aqueles que nele praticam desporto. Com as margens do rio no estado actual, não é possível apreciá-los.
Seja como for, para que as pessoas realmente nos visitem será forçoso criar condições, em vários domínios, como sejam na hotelaria e restauração, principalmente, para que não vão daqui desiludidos e sem vontade de regressar e nem aconselhar familiares e amigos a visitarem-nos também. E se juntarmos a uma boa hotelaria e restauração, a possibilidade de os visitantes adquirirem artesanato e produtos regionais de qualidade, tanto melhor. Numa altura de crise, talvez um pouco de imaginação, de criatividade, de vontade, de risco também, não seria mau. Aos políticos, na parte que lhes toca, aos empresários ou simplesmente aqueles que têm dinheiro ou apenas vontade de trabalhar, de puxar esta região para a frente, cabe-lhes dar passos nesse sentido. A região e os seus habitantes agradecerão.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Mais uma morte no Rio Paiva

Neste fim-de-semana último, o Rio Paiva foi palco de mais uma tragédia, em consequência de um acidente na prática de desportos radicais. Numa altura em que está bem viva dentro de nós a enorme tragédia que se abateu sobre esse paupérrimo país que é o Haiti, quase parece sacrilégio chamar tragédia à morte de um homem apenas. Mas não. As tragédias são-no independentemente da sua extensão e das suas consequências. Umas são maiores, outras são menores. Um homem de um metro e sessenta é um homem como o é outro de dois metros. A tragédia haitiana é de tal modo medonha que não sei se algum dia se conhecerá a sua verdadeira extensão. Nem sei se o empenho, quer das organizações governamentais, quer das não-governamentais, quer dos cidadãos anónimos ou das figuras públicas não será apenas uma reacção momentânea, fugaz, enquanto as feridas nas pessoas e no património estão mais vivas e logo, logo os haitianos não ficarão de novo entregues à sua sorte, má sorte, por sinal, como acontece noutras partes do mundo bem conhecidas.
Dizia eu no início que o Rio Paiva foi palco de mais uma tragédia. Uma tragédia em desportos radicais, porque já houve outras. E disse mais uma, porque, contrariamente àquilo que ouvi, a deste fim-de-semana não foi a primeira. No rafting, talvez, mas já houve pelo menos uma outra morte, de uma professora de Matosinhos, ali entre a ponte de Alvarenga e o Vau, em Canelas, na prática de um outro desporto, cujo nome agora não recordo, mas em que o praticante, o faz sozinho, deitado sobre uma prancha – não sei se é esse o nome – de barriga para baixo e de cabeça para a frente. A senhora terá batido com a testa numa pedra, não obstante estar equipada com capacete e morreu. Morreu sem que alguém, tão pouco, se apercebesse do acidente. Aqueles que com ela partilhavam a aventura, só mais tarde se aperceberam da sua falta. Participei com os bombeiros de Nespereira que comandava à época, conjuntamente com os de Arouca e foi muito difícil localizar o seu corpo. Nessa altura o caudal do rio era relativamente pequeno o que permitiu as buscas através da água, a pé. Encontrada, foi outra dificuldade quase insuperável para a transportar até um veículo todo-o-terreno, que, mesmo assim, teve de ficar bem distante do rio.
É exactamente aqui que eu quero chegar. O Rio Paiva corre em grande parte da sua extensão, pelo menos no que toca à zona onde se praticam os desportos ditos radicais, num leito ladeado de margens com declives muito acentuados, com pouquíssimas vias de acesso e praticamente inexistentes possibilidades de as percorrer, devido aos intensos e intransponíveis matagais que as povoam. As horas que demorou a encontrar o corpo do João e a retirá-lo depois de ser encontrado, confirmam isso mesmo. Para mim, pela sensibilidade que julgo ter para as questões da segurança, protecção e socorro, bastam esses dois factores – a impossibilidade de acesso ao rio através de viatura de socorro em extensões de quilómetros e o trânsito ainda que apeado através das margens, o mais próximo possível da água – para considerar a prática de tais desportos, nessas circunstâncias, como pouco segura. Os acidentes dão-se em milhentas circunstâncias, mesmo em práticas que se considerem sem quaisquer riscos. Uma coisa, todavia, é acontecer o acidente e haver a possibilidade imediata de socorro, outra é ele acontecer e o socorro ser impossível em tempo oportuno. Há muitos trechos do Rio Paiva, onde, se houver um acidente, se pode ter de esperar muitas horas pelo socorro. E, em alguns casos, nessa demora pode estar a diferença entre viver ou morrer.
Numa região em que o seu desenvolvimento pode passar sobretudo pelo aproveitamento que a natureza oferece, embora me pareça que nenhuma das autarquias em cujo solo desfila o Paiva tenha querido ou sabido tirar todo o proveito disso, julgo não ser de desprezar esse movimento desportivo que se verifica nas suas águas límpidas. Antes, será de apoiar. Portanto, julgo que as Câmaras Municipais de Arouca, Cinfães e Castelo de Paiva, operando singularmente ou em projectos conjuntos, devem proporcionar, sem ofender drasticamente a natureza, melhores condições logísticas para a prática desportiva, mas sobretudo que permitam um mais rápido e eficaz socorro. Uma morte como a do jovem João Filipe Borges, que chegava feliz ao fim da aventura, é sempre uma tragédia. Uma vida que se consegue salvar é sempre um momento de felicidade, uma bênção.
Já agora, deixe-me fazer esta reflexão: se bem que eu entenda que as Câmaras Municipais já referidas devem fazer algo no sentido de minimizar os perigos e maximizar as possibilidades de socorro, ninguém tem legitimidade para acusar qualquer uma delas por eventual responsabilidade neste ou em qualquer outro acidente, seja pela falta de infra-estruturas ou de qualquer outra coisa. Nenhuma entidade se terá responsabilizado, autorizado, ou não, tais práticas, julgo eu. A responsabilidade há-de, com certeza, ser encontrada noutro lado.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Superstições, convicções e opiniões

Desde que me reconheço como pessoa, que comecei a ter percepção do meu comportamento, sempre primei por não só não acreditar em qualquer superstição como ter a enorme tentação de as contrariar, nomeadamente provocando aqueles que as têm, desde que tenha confiança e/ou laços familiares ou de amizade que mo permitam. Que me desculpem os supersticiosos, que eu respeito, obviamente, mas acho as superstições de tal modo ridículas que sou incapaz de deixar de as contestar. Às vezes, faço-o de forma tão obsessiva, que chego a pensar se tal obsessão, ela própria, por si mesmo, não será, de certo modo, uma superstição. Trata-se, apenas, de confirmar a mim mesmo e de demonstrar a quem comigo se relaciona e tem alguma das ditas, que elas não têm sentido. Devo confessar que, por tal comportamento, nunca fui vítima de qualquer malefício, o que faz com que me mantenha fiel aos meus princípios. Não acredito em superstições, como não acredito em mezinhas, atalhamentos, pragas, bruxarias, nos sonhos ou outras coisas que tais, apesar de um dia, já lá vão cerca de cinquenta anos, ter sido protagonista de um episódio, que confirmou em absoluto um sonho que minha mãe tivera nessa noite. Mesmo assim, para mim, tal como nessa altura, ainda hoje penso que se tratou de uma mera coincidência. Mantenho-me incrédulo relativamente a todas essas coisas, na certeza de que nada disso me molestará.
Como exemplo de superstições contrariadas, que são muitas, vou referir apenas uma que se relaciona com o meu filho, quando era bebé. Antes mesmo de ele pronunciar qualquer palavra, punha-o frequentemente ao espelho para ele se ver. Um familiar ficava preocupado, afirmando que isso faria com que o menino viesse a não falar. Eu retorquia que isso não tinha qualquer sentido e insistia em colocá-lo em frente ao espelho, sobretudo quando o dito familiar estava presente. Mauzinho, eu, não?! Devo dizer e aqueles que com ele privaram, em pequenino, comprovam, que foi uma criança que falou de forma bastante perfeita, muito cedo. Aliás não conheci uma criança que falasse tão bem, tão novinho, até aparecer meu neto, seu filho que se equiparou e, posteriormente, minha neta, sua filha, que conseguiu ultrapassar o pai e o irmão, ambos tendo estado, muitas vezes, à frente de um espelho.
A par dessa predisposição para contrariar as superstições, sempre fui possuidor de uma outra, que mantenho, que é a de estar mais frequentemente do lado de fora do politicamente correcto, do que do lado de dentro, porquanto o politicamente correcto, é, com frequência, sinónimo de hipocrisia, de defesa de interesses particulares. Habituei-me, desde muito jovem, a dizer o que penso, independentemente das consequências, que algumas vezes, se traduziram em dissabores. Dissabores que, ao invés de me fazerem mudar de atitude, sempre me deram mais força para continuar a ser o que e como era. Sempre soube dizer sim e dizer não, em função daquilo que julgava ser a verdade, a justiça e não em função dos meus interesses. Felizmente, a frontalidade, de que me orgulho, sempre me foi reconhecida nos mais diversos “ofícios” em que estive envolvido. Confesso que algumas vezes, a minha voz foi quase única a defender determinadas ideias. Embora reconhecesse que seria mais fácil, mais cómodo, estar do outro lado da “barricada”, nunca tive receio de expor e defender aquilo que julgava ser o mais correcto. Não obstante, algumas vezes ser quase o único a defender certos pontos de vista, mais tarde viria a verificar-se que a razão estava do meu lado e a aprovar-se aquilo que anteriormente, solitariamente defendia.
Os meus já longos anos de vida e com experiências múltiplas em diversas áreas mostraram-me que há muitas pessoas, embora inteligentes, não se dão ao trabalho de pensar, de reflectir, de intervir. Não o fazem por comodismo e porque adoptam uma situação defensiva, de modo a que quando tiverem de tomar uma posição, ou seja, em último recurso, votar, o façam, não em consciência, mas de acordo com interesses pessoais ou hipocrisia reinante. Participei e continuo a participar em múltiplas reuniões, nomeadamente em assembleias-gerais em que a grande maioria dos participantes não manifesta uma opinião, não tem uma ideia. São quase sempre dois ou três, e sempre os mesmos, que reflectem, apontam caminhos, sugerem. Parece-me que tanta falta de ideias se deve mais a preguiça, do que a qualquer outro factor. Por outro lado, há aqueles que defendem publicamente não aquilo em que acreditam e/ou praticam, mas, hipocritamente, o que mais lhes interessa, de acordo com o meio em que vivem ou se movem. Exemplificando: há mulheres que praticaram abortos, que incentivaram abortos, há homens que incentivaram ou obrigaram mesmo à prática de abortos, para se esquivarem de responsabilidades, de escândalos. Pois bem: ouvido alguns desses personagens, quem os não conhecer fica regalado com deslumbrantes manifestações oratórias contra o aborto, em quaisquer circunstâncias.
Desde sempre houve homens e mulheres homossexuais. Aquando do meu cumprimento do serviço militar, em Lisboa, convivi com duas jovens assumidamente lésbicas, - estávamos em meados da década de sessenta - bonitas, inteligentes, cultas, ambas bem, profissionalmente, que viviam juntas. Nunca tive qualquer preconceito. Aliás, era um prazer falar com elas. Eu disse que viviam juntas. Eram felizes, mas da sua relação, para além da felicidade que sentiam por uma vida em comum, nada mais poderiam esperar. Sei que se estiverem vivas, juntas, hoje terão mais um motivo para estarem felizes. E porque não?! A negação de uma união legal acabaria, porventura, com a homossexualidade?! A ilegalização das casas de prostituição e o consequente impedimento de as prostitutas, enquanto tais, terem acesso a cuidados de saúde, porventura acabou com elas?! Claro que não.
Quantos homens e mulheres hão por aí, fruto de relações incestuosas? Onde estavam os puritanos e onde estão aqueles de cujos costumes se reclamam herdeiros?!
Há por aí muitas pessoas que de acordo com as vozes dos amigos e vizinhos acorrem assiduamente aos chamados bruxos ou curandeiros, contribuindo de forma generosa para o engrossar das contas bancárias destes, acreditando nos seus poderes sobrenaturais para as libertarem de doenças malignas, de feitiços, maus-olhados e outras coisas mais. Quando alguma dessas pessoas fala comigo, sabendo da minha repulsa por tais actividades, fá-lo sempre como nunca tivesse recorrido a tais serviços e fosse, tal como eu, incrédula em relação a tais poderes.
Seria bom que cada um tivesse coragem de defender as suas convicções, as suas crenças, as suas superstições. Basta de tanta hipocrisia.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Manter acesa a esperança

A partir do momento em que atingimos um carro de anos de idade, parece que o tempo voa, como se os anos tivessem apenas a duração de meses, os meses de dias, os dias de horas. Para quem não estiver identificado com esta linguagem tipicamente agrária, devo dizer que um carro de anos, quer dizer quarenta anos. É precisamente a partir dos quarenta anos, ou da entrada nos “entas”, como também se diz, que os aniversários, os Natais, as Páscoas ou quaisquer outras efemérides se sucedem a uma velocidade, que, sendo sempre a mesma, todavia, nos parece estonteante. Quase sem nos darmos conta, temos filhos, que tendo a idade que, no subconsciente, nos parece ter, mas a quem já começam a aparecer as primeiras cãs e já nos deram netos. Sinal de que, afinal, já somos seniores, como agora se diz, ou estamos, apressadamente, a lá chegar. Bom, se de acordo com os rótulos da moda, eu já entrei na terceira idade ou sou sénior, com direito a meio bilhete, benesse de que, por acaso, ainda não usufruí, não obstante já me ressentir de algumas maleitas físicas, mesmo assim, não só física, mas sobretudo mentalmente, não me sinto, de modo nenhum, em estado sénio.
Este arrazoado vem a propósito de termos entrado na segunda década do século XXI, apesar de me parecer que foi ainda há muito pouco tempo. Recordo bem aquela noite de passagem de 1999 para 2000, até porque, pelas funções que desempenhava, tive de me manter toda a noite, desperto e atento, no Centro de Operações que dirigia, uma noite cheia de dúvidas, de incertezas para milhões de pessoas, de enormes receios para muitos outros, que acreditavam, ou, pelo menos, suspeitavam que “a dois mil chegarás, mas de dois mil não passarás”. Não se confirmaram receios, profecias, iniciou-se um novo milénio de forma tranquila. Terminou-se a sua primeira década, com momentos de fortuna para uns, de infortúnio para outros, de sucessos e tragédias, de esperanças e desesperanças.
No início deste terceiro lustro do milénio, “entretidos” com uma grave crise à escala global, mas de que alguns se aproveitam, ao invés de, como é nosso timbre, ficarmos à espera de ver o que é que os outros fazem, nomeadamente aqueles que têm responsabilidades de governação, a qualquer nível, melhor é cada um de nós assumir que deve ser parte da solução e não apenas o problema ou uma parte do problema. Cada um de nós, uns mais, outros menos, através da acção, do comportamento, de uma outra atitude, de um optimismo racional e não um pessimismo doentio, fatalista, pode contribuir para o debelar da crise, para um país mais próspero, mais solidário. É preciso não deixarmos morrer a esperança e fazermos tudo quanto estiver ao nosso alcance para não deixar que a esperança morra, mesmo naqueles mais desafortunados, que quase não têm uma réstia de nada para a fazer sobreviver. É preciso acreditarmos mais em nós próprios, nas nossas capacidades, usá-las; é preciso acreditarmos mais em nós, como povo, que temos uma história que, não obstante alguns fracassos de que soubemos sempre reerguer-nos, construímos êxitos de que poucos povos se podem orgulhar. É preciso acreditarmos que não é invejando, mas congratulando-nos com o sucesso dos outros, que não é fixarmo-nos cegamente nas nossas convicções ou nos nossos interesses, defendê-los sem admitir consensos, beneficiando sempre o interesse particular em prejuízo do geral, que contribuiremos para tempos de melhor justiça, melhor educação, melhor equilíbrio social. É forçoso, é urgente que cada um de nós seja menos egoísta, não deixe desmoronar a esperança, mas, na certeza de que se não fizer nada por isso, ela sucumbirá tão ingloriamente como inglório será o nosso futuro.
Cá por mim, apesar do estatuto sénior, mantenho a esperança, o optimismo, a confiança que sempre me caracterizaram, atributos, graças aos quais foi possível atingir determinados objectivos, uns pessoais, outros colectivos, alguns mesmo em que poucos acreditavam e se comportavam como “Velhos-do-Restelo”. Se a cada um de nós, cidadão comum, para bem de todos, se exige que assim seja, aos políticos de todos os quadrantes, porque nas suas mãos depositamos o nosso futuro, se tem de ser mais exigente ainda. É admissível, é legítimo, é normal que cada partido lute de acordo com as suas convicções – quando as tem, porque às vezes parece que não – mas há momentos, em que, de tão contraditórias que são as opções, tem de haver cedências de parte a parte, em nome do bem comum. A minha grande esperança para 2010 é que isso possa ser uma realidade. Se assim for, para além de podermos ter melhores sonhos, podemos acreditar num futuro melhor. Assim seja.