sábado, 27 de fevereiro de 2010

Falta cultura de segurança

Por diversas vezes me tenho referido à fraca cultura de segurança que o comportamento da maioria dos portugueses evidencia. Eles são generosos, altruístas, abnegados e simultaneamente simplórios, negligentes, atrevidos, combativos, excessivamente confiantes em si próprios e em pessoas de falas mansas, pouco conscientes dos riscos, que no seu entender só acontecem aos outros. Estas virtudes e/ou defeitos, aliados à referida falta de cultura e sensibilidade para as questões de segurança, fazem com que demasiadas pessoas corram sérios riscos, perfeitamente evitáveis, que, em muitos casos, imensos casos, os levam à perda de vida ou a situações graves de saúde e de dependência ou a serem vítimas de burlas e de perda de bens. Infelizmente, constatamos isso, todos os dias, seja por observação pessoal, seja através dos órgãos de comunicação social.
Repare, meu amigo, na facilidade com que muitas pessoas abrem a porta a desconhecidos, fazendo-se passar, algumas vezes por filhos ou parentes de familiares ausentes há muitos anos, por amigos de familiares que vivem longinquamente, ex-alunos, etc., deixando-se enrolar em “novelas”, vezes sem conta denunciadas pela comunicação social, entregando-lhes dinheiro, objectos de valor ou sujeitando-se a serem roubados e mesmo agredidos ou mortos.
Repare na facilidade com que muitas pessoas se deixam abordar na rua por desconhecidos que, com dois dedos de conversa, logo conseguem a sua confiança e se deixam espoliar, das mais engenhosas formas.
Já vimos que não basta o relato de casos pela comunicação social, não basta a acção meritória, mas em pequena escala, que a GNR vai fazendo junto da população mais idosa, sobretudo em aldeias do interior. É necessário ir mais longe nas acções, é preciso fazer muito mais, inclusive, nas grandes vilas e cidades, porque também lá há muita gente a ser vigarizada.
Continuando nesta reflexão sobre segurança, veja como se conduz nas nossas estradas, em velocidades altíssimas, sem qualquer alteração de comportamento quer esteja bom tempo, chova, haja neve ou gelo. Como consequência disso, temos a alta sinistralidade rodoviária, donde resulta o número de mortos e deficientes que se conhecem. Veja ainda o comportamento de muitos condutores quando há um acidente, provocando, muitas vezes, outros acidentes.
Veja o comportamento de muitos, junto aos rios, junto ao mar, em presença de incêndios florestais.
Veja as condições em que muitos trabalhadores operam, nomeadamente na construção civil.
Por último, embora muito pudesse dizer em relação a esta temática da segurança, nomeadamente no que diz respeito às crianças, atente na quantidade de vídeos feitos por amadores, sobre a tragédia da Madeira que mostram à saciedade os riscos desnecessários a que muitos se sujeitaram e que alguns terão mesmo pago com a vida.
A partir da família, passando pela escola, autarquias, forças policiais, protecção civil, muito há a fazer no sentido de inverter tal situação.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Tragédia sobre tragédia

Estamos num país que se debate com várias tragédias. Desde logo aquela da crise económico-financeira, fruto da conjuntura internacional, mas também da incapacidade dos nossos políticos, dos nossos empresários, da irresponsabilidade e inaptidão de muitos dos nossos trabalhadores, marionetas nas mãos de sindicalistas sem escrúpulos, muito mais interessados na manutenção dos seus privilégios do que na sobrevivência das empresas e no bom funcionamento das instituições públicas.
Vivemos a tragédia da falta de valores que grassa pela sociedade a todos os níveis, a impunidade que faz com que os crimes dos mais diversos tipos pululem e alguns, ao invés de serem condenados, são aplaudidos ou incentivados por quem mais tinha o dever de os condenar. Veja-se, como exemplo, a divulgação desenfreada, doentia de escutas telefónicas em segredo de justiça, a serem defendidas por um ex-ministro da justiça, candidato a líder de um partido, logo, hipotético candidato a primeiro-ministro.
Que dizer da tragédia de termos uma mistura explosiva de políticos, jornalistas, empresários, gestores, juízes, que fazem com que, por tudo quanto se faz ou diz, venha de que parte vier, nos deixa necessariamente desiludidos, desconfiados e, pior do que tudo, sem quaisquer certezas, porque não sabemos de que lado está a verdade, se é que ela está, efectivamente, de algum dos lados?
Temos connosco a tragédia de verificar que jornalistas, dentro das quatro paredes do Parlamento, exibem os seus dotes oratórios, revelando total desrespeito por esse órgão de soberania, perante sorrisos idiotas – o que alguns de facto são - de deputados; a tragédia de ver e ouvir, no mesmo Parlamento, sem que alguém a chamasse à atenção, uma jornalista, que se deveria limitar a falar de eventuais pressões e manipulações da comunicação social, a afirmar que o Procurador Geral da República sai sempre em defesa de José Sócrates, como se estivesse ali a fazer comentário político que lhe advém da sua investigação de duvidosa independência.
E temos a tragédia de verificar que, pese embora a desconfiança, a descrença que tenhamos em relação ao governo, a oposição, sobretudo aquela que pode ser alternativa, pelas mais diversas razões, pela debilidade, pelas fraquezas, pelas mentiras, pelo manifesto interesse pessoal que se sobrepõe a qualquer outro, não merece mais crédito. Já dei o exemplo de Aguiar Branco. De Rangel, bastará lembrar a traição ao mesmo Aguiar Branco, a vergonhosa actuação no Parlamento Europeu, denegrindo o seu país e, pasme-se, com seis anos de idade, viveu o “25 de Abril com intensa paixão”. Imensas qualidades para ser um farsante, nunca um líder. Apresenta como trunfo a vitória nas eleições europeias, quando não ignora que não ganhou nada, apenas os eleitores quiseram fazer um aviso a Sócrates. A prova é que logo de seguida, naquelas eleições que são verdadeiramente importantes para o país, Sócrates as ganhou. Agora mesmo, apesar de todas as embrulhadas, verdadeiras ou fabricadas, de todo os ataques, as sondagens, valendo o que valem, dão a vitória a Sócrates. Será necessário algo mais para mostrar que os portugueses se têm dúvidas em relação aos governantes actuais, ainda confiam menos nos que se aprontam para o ser? No meio da miséria, talvez Passos Coelho ainda represente uma réstia de esperança.
Quer mais tragédias? A tragédia de termos uma justiça perra, desigual, que traz à solta os criminosos, que condena um desgraçado esfomeado que rouba um pacote de amêndoas e não condena o que rouba, ou como é mais vulgar dizer-se, desvia milhões.
Que dizer se tivéssemos sindicatos de ministros, de deputados? Parece-lhe bem que órgãos de soberania tenham sindicatos? A mim, não. Os tribunais são um órgão de soberania. Porquê, então, sindicatos, ou associações sindicais de juízes? É apenas mais uma tragédia, talvez uma pequena tragédia, se comparada com outras, mas não deixa de o ser, porque por tudo o que nos tem sido dado observar, se defendem os interesses da classe, também têm contribuído para aumentar a confusão e o nosso descrédito na justiça. Um povo que não confia na justiça, tende a fazê-la pelas suas próprias mãos e todos adivinhamos o quanto isso pode ser perigoso.
Metidos neste lamaçal em que este país se transformou, uma outra grande tragédia se abateu sobre nós, mais propriamente sobre a Madeira, espalhando a morte, a destruição por aquela linda ilha. É tempo de homenagear os mortos, de mostrar a nossa solidariedade, de trabalhar de mãos dadas, para levar a normalidade à ilha, para alojar os desalojados, para dar todo apoio consoante as necessidades que se forem identificando. Os portugueses, normalmente tão generosos em campanhas de solidariedade mesmo para com populações de outros países, não deixarão de o ser para com os seus irmãos ilhéus.
Mesmo que agora seja muito mais hora de homenagear os mortos e cuidar dos vivos, não podemos deixar de nos questionar porque é que estas tragédias acontecem. Seria uma hipocrisia acreditar ou fazer acreditar que tal tragédia é apenas fruto de condições climáticas adversas e anormais. É verdade que choveu intensamente, de forma anormal, mas se não houvesse erros no ordenamento do território, se os terrenos não estivessem tão impermeabilizados quanto o estão, se não se construísse em cima de linhas de água, as tragédias seriam por certo minimizadas. O que acontece é que tragédia após tragédia se fala no mesmo e os comportamentos repetem-se. Quem tem por hábito observar os locais onde se executam muitas das nossas obras, como eu, fruto de ter participado no socorro em diversas tragédias do género, desde logo, a primeira nas grandes inundações de Lisboa, em 1967, enquanto militar, em que perderam a vida centenas de pessoas, não apenas por culpa da chuva copiosa que caiu ininterruptamente durante 24 horas, verifica que diversos locais do nosso país, a começar pela minha própria freguesia, têm construções em ou muito próximas de leitos de cheia, o que, numa situação de anormalidade climática, pode provocar graves danos. Mas quem se importa com isso? Nem os que constroem, que muitas vezes nem se apercebem dos riscos que correm, outras vezes é o único local de que dispõem, nem as entidades responsáveis pelo licenciamento. E que dizer, ainda, de toda a espécie de lixos e espólios de árvores que deitam ou deixam nas linhas de água e pequenos riachos, junto às estradas, vedando a passagem das águas em situação de chuva intensa e prolongada, pondo em risco pontes, aquedutos ou outras obras de arte? Quem fiscaliza, quem toma as medidas adequadas? Ninguém. Depois as tragédias acontecem, todos lamentam, fazem-se promessas, a culpa morre solteira e…continua tudo na mesma.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Censura...com ou sem moção

Foi-se o carnaval do calendário, ficou e parece que pegou de estaca, o carnaval político. Neste mundo a tornar-se nauseabundo onde foçam muitos dos nossos políticos e outras espécies conhecidas, quase todos pigmeus, exactamente no que diz respeito à estatura política, moral, ética, vemo-los constantemente mascarados, sobretudo através do seu discurso, de forma que nunca sabemos quando é que temos o político verdadeiro à nossa frente, se é que alguma vez o chegaremos a ter. É como se vivêssemos num carnaval permanente.
Pegando em alguns dos temas que estão na berra e sobre os quais já me debrucei, deixe-me fazer ainda mais alguns comentários. Sem qualquer critério de prioridade, quero começar pela repugnante imbecilidade de Paulo Rangel ao afirmar no Parlamento Europeu – repugnante sobretudo por serem afirmações fora de portas – que Portugal tinha a sua liberdade amordaçada. Só quem não viveu antes da revolução libertadora de Abril e não quer conhecer, ou finge não conhecer, por conveniências políticas e pessoais, a história desse período, e lhe dá jeito distorcer o presente, pode fazer tal afirmação. Certamente falou mais alto a pressa em exibir algo que ele julga de importante para justificar a sua também apressada, segundo os seus correligionários, apresentação da candidatura à liderança do PSD. Não começa bem. Como é que alguém que se coloca na posição de hipotético primeiro-ministro de um país, o anda a denegrir pela estranja?! Como é que alguém pode falar em país amordaçado, em censura, se toda a gente diz e escreve o que lhe apetece, mesmo incorrendo em crimes e não acontece nada?! Só por isso, Paulo Rangel não merece, segundo o meu ponto de vista, ser líder de um partido que inevitavelmente o catapultaria a candidato a primeiro-ministro. Num país com censura, sem liberdade de expressão, leríamos e ouviríamos todos os dias o que lemos e ouvimos?! Como é que alguém que utiliza a comunicação social para fazer as mais graves afirmações, verdadeiras ou falsas, a respeito das mais altas figuras do estado, não lhe acontece nada e proclama à boca cheia que temos aí a censura. Ah! Se eles de facto soubessem o que ela foi?!
Já afirmei que não há liberdade a mais nem liberdade a menos. Se em Portugal há algo que em termos de liberdade pode chocar é não se respeitar a justiça, é difamar, caluniar, não se respeitarem muitas vezes os direitos humanos, no que toca à informação e ninguém ser responsabilizado por isso. Se eu tivesse outra mentalidade, outra formação, se não tivesse vivido no tempo em que vivi, teria a tentação de dizer, como muitos, que o que existe em Portugal é liberdade a mais. Mas não, não digo. O que existe, sim, é uma enorme falta de respeito pela pessoa humana, uma enorme falta de respeito pelas leis, cujo exemplo vem de cima, e uma enorme incapacidade de exercer a justiça em tempo oportuno.
Já que tenho estado a falar de censura, vem a talho de foice falar de moções de censura. A moção de censura é um instrumento de controlo político do governo, à disposição da oposição na Assembleia da República. A aprovação de uma moção de censura, por maioria absoluta – 116 deputados no mínimo – implica a queda do governo. Tudo o que Portugal não precisa neste momento é da queda do governo. Não por ser este governo. Fosse ele qual fosse. Assim sendo, embora reconheça legitimidade ao partido do governo para desafiar a oposição, por tão mal dizer do mesmo governo, a apresentar uma moção de censura, acho, para além de leviandade, uma grande hipocrisia fazê-lo. Leviandade, porque não é o momento de, através de uma crise política, agravar ainda mais a situação económica e baixar a credibilidade do país, internacionalmente. Hipocrisia, porque o partido do poder só faz tal desafio na confiança de que dá à oposição um sinal de força e de que ela não se atreverá a apresentar tal moção. E se porventura viesse a apresentar, não seria porventura o PS a perder mais.
Por seu lado, a oposição, nomeadamente o PSD, quando se refugia no interesse nacional para negar a oportunidade de uma moção de censura, também o que revela é uma grande hipocrisia. Acreditasse o PSD que poderia tirar dividendos, isto é, vencer as eleições legislativas que se sucederiam à queda do governo e não hesitaria em servir-se de tal instrumento, na esperança de que tivesse o apoio das outras forças. Primeiro há que os “galos” lutem pelo poleiro e um o conquiste e se afirme para, quando e se achar oportuno, mande às malvas o interesse nacional e provoque eleições. É assim que todos procedem.
Já nem me lembro se li ou ouvi que andam por aí uns sms a convocar para uma manifestação de apoio a Sócrates. Se é verdade, não auguro nada de bom e lamento. Tanto mais porque são cobertos pelo anonimato. Anonimato que sempre abominei. Vêm-me à memória as grandiosas manifestações de apoio a Salazar e Caetano, com autocarros e autocarros a desembocarem no Terreiro do Paço cheios de pessoas, a maioria delas, obviamente, não convocadas, por sms, mas obrigadas pelos caciques, nem sequer sabendo o que iam fazer. Num regime democrático, manifestações desse jaez não se justificam e podem ser mau prenúncio. Espero que não passe de uma brincadeira carnavalesca.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Sem um momento para sorrir

Hoje é um daqueles dias em que parece que o Sol se esqueceu de aparecer, é um daqueles dias em que tudo se conjuga para não gozarmos de um só momento para sorrir. A vestir a minha alma gélida, o corpo se sente alquebrado e frio por esta temperatura que está longe dos dois dígitos.
Logo pela manhã, abrindo o Jornal Miradouro, tomo conhecimento da morte de um dos cinfanenses, ilustre cinfanense, por quem nutro – digo nutro, porque vou continuar a nutrir - mais respeito, consideração, amizade: Manuel Caetano de Oliveira. Manuel Caetano de Oliveira, que conheci e com quem comecei a contactar antes do 25 de Abril com que sonhávamos, desde logo me cativou pela sua simpatia, pela sua sabedoria, pela sua simplicidade. Infelizmente, a vida não me proporcionou contactar com ele tanto quanto eu desejaria. Que bem me teria feito! Quanto eu teria aprendido! Quanto prazer me teria dado!
Para mim, Caetano de Oliveira é uma das maiores e poucas referências cinfanenses como democrata. E que magnífica pena a dele!
Sei que ele tinha uma admiração por mim que eu não merecia. Mesmo que a não tivesse, a minha admiração por ele não seria afectada minimamente, porque as suas qualidades se impunham.
Tolhido por esta triste notícia, recebo outra: a morte repentina, inesperada, prematura de outro grande e bom amigo, amigo incondicional, outra alma boa, generosa, altruísta, trabalhador incansável: o comandante dos Bombeiros de Armamar.
Fiquei mais pobre, ficamos todos mais pobres com a partida de gente desta estatura, sobretudo quando nós verificamos que dos que vão ficando, cada vez são menos aqueles em quem podemos confiar, tal é a podridão que por aí grassa.
Como se tudo isto não chegasse, tomo conhecimento que meu pai, lá longe, no Brasil para onde partiu quase há 64 anos, agoniza penosamente, consumindo, sei lá, os últimos dias, as últimas horas.
Bom, mas eu quero sobreviver, porque ainda há quem precise de mim. A tristeza é muita, mas a coragem não é menor.
A melhor forma de homenagearmos a bondade dos que partiram é procurar seguir-lhes o exemplo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O poder e os media

Dizia eu há dias que o poder sabe tão bem da importância, da força dos órgãos de comunicação social, que tudo faz para os controlar, para os ter do seu lado, para os ter ao seu serviço, se puder. Parece-me que poucos, dos que detêm qualquer espécie de poder, seja político, económico, religioso, corporativo, associativo, podem atirar a primeira pedra. Em termos políticos, começando pelas autarquias, passando pelas mais importantes instituições da administração pública, pelos partidos políticos, chegando ao governo, não me parece que haja grande legitimidade de qualquer desses órgãos ou instituições para acusar quem quer que seja. De uma forma ou de outra, às vezes de forma muitíssimo bem dissimulada, quase todos são vítimas dessa tentação. Mesmo em autarquias relativamente pequenas ou de fracos recursos económicos há a tentativa de controlo, através de subsídios mais ou menos avantajados ou outras artimanhas pouco transparentes, de jornais ou rádios locais. Sabendo-se das dificuldades económicas que a maioria destes órgãos tem para sobreviver, é relativamente fácil tê-los na mão. Quem luta pelo poder, já há muito chegou à conclusão de que para o conquistar ou manter, neste tipo de sociedade em que vivemos, só é possível com a ajuda da comunicação social. Esta promove, glorifica, entroniza, mas também destrói, derruba. Depende do lado em que estiver. Já disse isso antes, que Napoleão tinha essa consciência quando afirmava que “quatro jornais adversos podem fazer mais mal do que um exército de cem mil homens”.
Não devemos esquecer, todavia, que essa capacidade de glorificar, tanto como de destruir, faz da comunicação social, também um poder, exactamente o quarto. E como poder, com características bem diferentes de todos os outros, também tem necessidade de controlar, manipular, chantagear os outros poderes. Criam-se, então, ora lutas, ora alianças, entre os vários poderes, conforme as conveniências de uns e outros. É óbvio que há excepções, quer por parte de quem detém qualquer espécie de poder, quer por parte dos jornalistas. Dos que o detêm, aqueles que resistem à tentação de controlar a comunicação social, por mais e melhores qualidades que se lhes reconheçam, o que se espera é um poder efémero. Nos jornalistas, felizmente, ainda há alguns que, de acordo com Lord Byron embora fiquem sozinhos, não trocariam o seu pensamento livre por um trono. Correm, no entanto, o risco de não sobreviverem e, por isso, alguns acomodam-se ou vendem-se.
Quando leio ou oiço falar em liberdade de expressão ou na falta dela, há muitas afirmações que me fazem muita confusão, ou antes, parece-me que se faz muita confusão à volta do assunto, segundo o meu ponto de vista. No regime em que vivemos, uma democracia, embora com inúmeras deficiências e fragilidades, muitas devidas ao desconhecimento do que é a verdadeira democracia e as suas regras, por parte de muitos cidadãos, parece-me que a vontade, embora nunca expressa nem admitida, obviamente, de controlar a comunicação social, só por si, não significa que a liberdade de expressão não exista. A busca de controlo não é exactamente a proibição de dizer isto e a obrigação de dizer aquilo. O controlo só é efectivo, só resulta quando os directores dos diversos media e/ou jornalistas se deixam controlar. E digo isto com toda a convicção, porque, mesmo em ditadura, sempre houve homens e mulheres livres que “não temeram ir até ao fim do seu pensamento”.
Com este meu raciocínio não pretendo “passar uma borracha”, branquear a acção de todos aqueles que manipulam, chantageiam, procuram ter a comunicação social nas suas mãos. Não, antes pelo contrário, eles merecem-me toda a repulsa, até porque já sofri isso na pele, antes do 25 de Abril.
Não alinho no coro daqueles que gritam que já não temos liberdade ou estamos a um passo de a perder, quando muitos desses sempre tiveram e continuam a ter, pelas políticas que praticam e como as defendem, comportamentos antidemocráticos, atentatórios da liberdade, nem alinho ao lado dos que não se cansam de suspirar por Salazar e afirmar que temos liberdade a mais. Não há liberdade a mais nem liberdade a menos. O que há é um grande desconhecimento, por parte de muitos, do que significa liberdade e um mau uso dela, porque ela tem fronteiras que não devem ser ultrapassadas. Quando, em nome da liberdade, se infringem as leis, está-se exactamente a atentar contra essa mesma liberdade.
A publicação de escutas telefónicas, verdadeiras ou mesmo fabricadas, está na berra. Há diversas opiniões a respeito de tal publicação. Desde logo, algumas são produzidas de acordo com o interesse dos visados. Mas também há muitas, e diversificadas, de pessoas que nelas não estão envolvidas. Eu também tenho o meu ponto de vista. Mesmo que porventura seja uma opinião singular, isolada, não interessa: é a minha, sem qualquer condicionamento. Choca-me, causa-me uma repulsa enorme ver transcrições de escutas, que, ao que se sabe, estariam em segredo de justiça. Isto é que não me parece que tenha nada a ver com liberdade e democracia, pelo menos segundo o meu conceito. Acho que é muito grave haver operadores judiciais, provavelmente mesmo a nível de juízes, que põem essas ditas peças nas mãos de jornalistas que as aceitam, certamente pediram, e publicam. Se isso para mim já é incompreensível e altamente condenável, ainda o é, possivelmente mais, verificar que toda essa escumalha fica completamente impune. Aliás, parece-me que mesmo os tribunais não se preocupam em averiguar quem, no seu interior, praticou tais crimes. Sim, não sei se o serão em termos legais, mas para mim são crimes. Fico completamente espantado com semelhantes procedimentos, verdadeiros atentados à democracia e destruidores, como tantas outras coisas, da confiança que se deveria ter na justiça.
Deixe-me dizer isto ainda: atentado à liberdade de expressão é publicar uma conversa privada que eu tenho com um amigo, porque me escutaram no telefone ou na mesa do café ao lado. Todos nós dizemos coisas em privado, muitas vezes falando de amigos até, que não o diríamos em público. Di-lo-íamos mais depressa ao amigo cara a cara. Isso pode trazer consequências muito graves. E depois, mesmo que não tenha outras, tem o inevitável julgamento na rua. Daqui a pouco, por este andar, cada um de nós tem toda a sua vida exibida na praça pública. Permitir todas estas coisas é o mesmo que admitir e mesmo patrocinar o assassínio de carácter, a acção dos bufos, as milícias, a justiça popular.
Entretanto, e como diria o “rei” da Madeira e do entrudo, bom carnaval.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Informar e concluir com acerto

Tenho o maior respeito pelos jornalistas, de uma forma geral. Há alguns, todavia, que não me merecem a mínima consideração, antes repulsa. Pelo que lemos, pelo que vemos e ouvimos, não é difícil constatar que, nessa classe, como em qualquer outra, há autênticos escroques. Mesmo não sendo propriamente escroques, alguns, por deficiente formação, sei lá, por pressão das redacções, porque a concorrência é demasiada e obriga a chegar primeiro, sabendo-se que a pressa é inimiga da perfeição, não tratam a informação com o cuidado que se deve exigir. O cuidado que se deve ter na recolha, tratamento e difusão das notícias é tão mais importante, porquanto nós sabemos da sua enorme importância na formação da consciência dos cidadãos. Quanto mais e sobretudo melhor informadas estiverem as pessoas, melhor será a qualidade da democracia. Os diversos órgãos de comunicação social, têm um papel importantíssimo e insubstituível na democracia, tanto podendo contribuir para o seu desenvolvimento, para o seu aperfeiçoamento, como para a sua decadência e mesmo extinção.
Os órgãos de comunicação social, sobretudo através da sua parte noticiosa, são tão importantes que quem detém o poder e nele quer permanecer, como quem o aspira, faz tudo, mesmo atentando contra as regras democráticas para os controlar. Ninguém, de facto, ignora a força da comunicação social. Já Napoleão tinha essa consciência quando afirmava que “quatro jornais adversos podem fazer mais mal do que um exército de cem mil homens”.
Não vou falar aqui de direitos, deveres, qualidades dos jornalistas, até porque estaria a “meter a foice em seara alheia”, mas não me abstenho, todavia de reflectir e dizer o que penso relativamente a alguns trabalhos jornalísticos. Acompanho com natural interesse os blocos noticiosos e algumas reportagens sobre temas com que estou mais familiarizado ou que me despertem mais interesse. Provavelmente, algumas reportagens apresentarão deficiências que eu não descortino porque não estou devidamente identificado com o tema. Há outras, todavia, que conhecendo razoavelmente o assunto, é fácil verificar que, sobretudo ao nível das conclusões, são incorrectas e, ao invés de informarem, desinformam. Não prestam, pois um bom serviço. Acredito, no entanto, que a culpa não caberá por inteiro ao jornalista, mas também, algumas vezes, a um ou mais dos seus interlocutores.
Vou dar um exemplo de como os cidadãos ficam mal informados, fazendo muitas vezes exigências indevidas, através de um trabalho jornalístico de um dos nossos canais televisivos.
Era um caso igual a muitas outras maleitas que ainda infestam este nosso Portugal. No caso concreto era uma reportagem feita numa aldeia, algures por aí, que, tendo o médico do Posto de Saúde metido férias, os doentes, a maioria das pessoas, de fracos recursos, sem transporte próprio e talvez sem o transporte publico adequado, se queixava de ter de ir à urgência ao Centro de Saúde da Vila, se adoecesse repentinamente. Isto é o que se passa em todas as aldeias e muitas vilas. O médico falta por doença ou por férias, os utentes têm de esperar. Normalmente as consultas são programadas, marcadas e, sobretudo quando se trata de férias, não há grande problema. De qualquer forma, entendo que sempre que um médico falta, seja pelo motivo que for, deveria ser substituido.
Bom, mas o meu reparo tem a ver com o seguinte, que faz com que eu entenda que a reportagem não foi até onde deveria ir: quem ouve a reportagem, fica com a ideia, e é isso que a jornalista e alguns interlocutores concluem, que esses Postos de Saúde atendem emergências. Ora isso não é verdade. Mesmo em períodos em que o ou os médicos estejam em serviço na unidade de saúde local, qualquer pessoa vítima de acidente ou doença súbita tem de se deslocar aos serviços de urgência mais próximos. Portanto, isto acontece todos os dias, com ou sem médico, acontece todas as noites, acontece todos os sábados, domingos e feriados. É, pois, um erro concluir-se e levar-se a concluir que as pessoas de determinada freguesia ou vila ficam mais desprotegidas quando o médico do Posto está doente ou de férias, porque, em qualquer das circunstâncias, em emergência, têm de recorrer sempre aos Serviços de Urgência.
O mal, portanto, não vem por aí. Não se deve confundir emergência médica com cuidados de saúde continuada. Mas que há ainda muitos problemas ao nível da saúde por resolver, lá isso há. E que quem mais sofre com isso são as classes mais desfavorecidas, também é verdade.
Parece-me, também, que há médicos que por inépcia ou outra qualquer razão se escusam a esclarecer o que seria fácil. Há outros, mesmo, que ignorando as regras pelas quis se devem reger, porque as não conhecem, que é grave, tomam decisões desajustadas com manifesto prejuízo para os doentes, que é o mais importante, mas até para os seus próprios colegas. Sabendo eles, ou pelo menos devendo saber, que nos Postos de Saúde, não existe a tal urgência, que as consultas são por marcação, não poucas vezes, enviam doentes com alguma gravidade para o seu médico de família, sem lhes dar a adequada assistência no momento.
Dos jornalistas espero que quando abordarem estes assuntos ligados à saúde, sejam mais objectivos, investiguem com mais profundidade o funcionamento das instituições. Veremos que nem sempre a culpa está do lado dos médicos, mas também há muitos que vão vivendo impunes, enquanto alguns de nós se vão crucificando nas suas mãos. Para bem de todos nós.