quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Desabafos

Por mais que me esforce, tenho uma dificuldade enorme em desligar-me do discurso da traição, da agressão, do assalto aos nossos bolsos por parte de quem tinha obrigação de fazer exactamente o contrário. Com um nível de vida dos mais baixos da Europa, vínhamos, desde há alguns anos a esta parte, esperando – sempre a esperança – uma aproximação aos salários de outros europeus. Com salários a subirem abaixo da inflação ou mesmo a ficarem congelados, nunca lá chegámos, mas o que este governo está a fazer é pôr-nos a milhas deles. Falo novamente nesta matéria, porque num tempo em que se costuma falar de esperança num novo ano, aquela janela de esperança que Passos Coelho afirmou que se abrira, quando conquistara o poder à custa de uma mentira colossal, nem nunca se abrira, antes se fecharam janelas, portas e nem uma simples frincha deixara aberta.
Cada vez mais os políticos deixam de merecer a confiança dos eleitores e, por isso, qualquer dia nem sei se haverá eleitores e se valerá a pena realizar eleições. Se isso acontecer, será por culpa de quem? Obviamente, dos políticos e teremos, infelizmente, o fim da democracia, que acredito, agradaria imenso a muitos que se autoproclamam de democratas e até vingam e bem – ao contrário de muitos seus concidadãos bem mais democratas – à custa dessa mesma democracia, apesar de todos os seus defeitos, o melhor de todos os regimes.
Gosto muito de putos. Putos, crianças. A profissão que abracei levou-me a lidar diariamente, e por mais de três décadas, com putos. Liderei ainda, no futebol, como treinador, impúberes rapazinhos. Agora, inebrio-me com cinco netos. São giros os putos. Eu amo-os. São putos, mas são gente.
Mas há outros putos, os pulhas, os devassos. São esses putos, muitos dos nossos políticos. Eu disse putos, não me referi às mães deles, como muitos outros fazem, que porventura até terão enorme desgosto por terem parido semelhantes crias. Putos, pulhas destes, há-os por aí aos milhares e não apenas nos políticos, infelizmente.
Aos putos, crianças, eu respeito; os outros putos, os pulhas, indignam-me, revoltam-me, provocam-me náuseas.
Dão-se alvíssaras a quem inventar um veneno eficaz, para a sua extinção, já que, ao contrário dos putos crianças que tendem a decrescer, os pulhas tendem a expandir-se.
Eram os meus filhos pequenos e um familiar meu, em minha casa, questionou, referindo-se a eles: - A canalha já chegou?
A minha filha, com dez anos, na altura, que se encontrava num compartimento ao lado, ripostou de imediato e num tom de muito ofendida: - Olha que eu não sou canalha!
Tinha razão. Canalha é outra coisa, é muita gente crescida que anda por aí.
Tu, homem verme, que te julgas gente só porque és grande e às crianças chamas canalha só porque são pequenas, repara que elas se riem de ti e te acham grande…canalha.
Por isso, meu amigo, esperança nos políticos, para um bom ano de 2012, esqueça. Se tiver oportunidade veja o “mérito”, se preferir, o currículo, de alguns deles que ocupam lugares de relevo, mesmo de muito relevo.
Mantenhamos, isso sim, a esperança em cada um de nós, na nossa força, na nossa coragem, na nossa capacidade de sobreviver. Em nós e nos verdadeiros amigos: aqueles que nos olham olhos nos olhos, que nos sabem dizer sim e dizer não, que não dizem nas costas o que não sejam capazes de dizer de frente, que sofrem com as nossas dores, os nossos insucessos, que se emprenham de júbilo com as nossas conquistas, os nossos méritos, as nossas alegrias.
Como disse Benjamin Franklin “quem vive de esperanças - nos políticos, digo eu – corre o risco de morrer de fome”.
Com uma confiança acrescida em cada um de nós e em comunhão com os verdadeiros amigos – não se esqueçam de irradiar a hipocrisia – imbuídos de autêntico espírito solidário, haveremos de sobreviver, ainda que seja com uma mão atrás e outra à frente, mas com dignidade, para podermos contemplar, um dia destes, os nossos algozes derrotados, de cócoras, na base do pedestal de onde atiraram para a miséria muitos dos seus concidadãos.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Desabafos

Numa altura destas, os votos que se costumam fazer, com maior ou menor dose de hipocrisia, são os de bom Natal e bom Ano Novo. Ser-me-ia muito fácil usar esse lugar-comum, gasto de séculos, se eu não estivesse habituado a reflectir sobre as palavras, as expressões e o seu verdadeiro alcance. Não obstante eu não poder garantir peremptoriamente que nunca utilizo banalidades naquilo que procuro transmitir, pelo menos esforço-me por sair delas tanto quanto posso. Não me sinto bem, pois, a vomitar tais expressões, quando sei que pelo que já sofrem, pela desesperança quanto ao futuro, nem as festas, nem o novo ano serão necessariamente bons, de acordo com o conceito genérico de festas felizes. Antes pelo contrário. Temos que medir a nossa felicidade por outros padrões, que não sejam a capacidade de dar e receber presentes, a capacidade de ter a mesa mais do que farta, a capacidade de termos quase tudo o que queremos ainda que uma grande parte seja absolutamente supérflua.
Sem esquecermos o direito à indignação e à revolta por nos roubarem aquilo que por direito nos pertence, mas ao mesmo tempo nos lembrarmos que há sempre alguém em pior situação que a nossa e Natal é sobretudo ser genuinamente solidário, se o formos, então será Natal. Deixe-me reflectir em voz alta: se porventura vive na minha cabeça e no meu coração o verdadeiro espírito de Natal, se eu visto todas aquelas virtudes que se associam normalmente ao Natal, mas que devem ser de todos os dias, como é que eu posso, ainda que com uma mesa farta, com a família à volta, presentes talvez em quantidade exagerada, como é que eu posso, dizia eu, ter umas Boas Festas, se tanta gente está em sofrimento profundo? É que, para além do sofrimento pelo estado actual, as pessoas não conseguem desligar-se do bem pior que será o próximo ano. Aliás, os governantes, fazem questão de não os deixar esquecer.
“Não se podem pedir mais sacrifícios aos portugueses”. Foi com esta frase de esperança, que se veio a reconhecer não corresponder às verdadeiras intenções, que Passos Coelho ganhou as últimas eleições legislativas, conquistando o “poder” de nos – vejam o paradoxo – matar a esperança, derrubando sonhos atrás de sonhos. Cada vez que abre a boca é para derrubar mais um alicerce, dos poucos que ainda restam, da esperança dos portugueses. E mata-a de tal forma cínica que não encontra melhores alternativas que não seja mandar emigrar.
Por isso, meu amigo, com esta crise em que a maioria de nós já vive e na certeza anunciada - parece até com laivos de sadismo - de que piores dias se aproximam, por políticos que entendem que não podem afectar aquilo que julgam ser a sua credibilidade junto de países e instituições usurárias, ainda que para tanto tenham de esmagar, espremer até ao tutano, os seus compatriotas, exprimir desejos de bom Natal ou bom ano de 2012, parece-me um banal exercício de retórica, direi mesmo de cinismo, que não fica nada bem a quem se tem por amigo. Não o farei. Nestes tempos difíceis que vivemos, sobretudo atormentados – os mais velhos, como eu - pelo futuro que estará reservado para os nossos filhos, os nossos netos, terei, mais do que nunca, os meus amigos, os conhecidos, os indiferentes, presentes no meu pensamento, numa união espiritual muito forte, muito sentida, que eu espero que se expanda, que a todos toque, para que nos sintamos juntos, encontremo-nos em que parte do mundo for.
Espero que sobrevivamos com a força que a míngua nos permita para não calarmos a nossa voz e denunciarmos e repudiarmos sem tibiezas as agressões que gente insensível ao sofrimento sobretudo dos mais desprotegidos, dos mais vulneráveis, não consegue manifestar uma palavra de esperança, antes pelo contrário, cada vez que debita afirmações é de que amanhã será pior. Poderiam, pelo menos, ter a humildade de aceitar que não são capazes de fazer melhor. Não, do alto da sua arrogância, sempre exalam essa frase já bolorenta: “Não há alternativa”.
Sejamos mais solidários, não apenas no dar e receber, mas também na defesa do que são os nossos legítimos direitos, para que todos possamos sobreviver às investidas ferozes, ilegítimas.
JUNTOS, na defesa não da minha causa, da sua causa, mas das causas que nos são comuns, como o direito a que não nos explorem, não nos roubem, só assim poderemos dizer que é Natal.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Desabafos

Muito provavelmente porque já estou numa idade em que se recordam mais facilmente os factos longínquos – no tempo – do que os mais recentes, numa idade em que ainda é bem forte a vontade, mas bem mais fraca a força, apetece-me a recuar uns bons anos atrás. Também um pouco para tentar esquecer as agressões constantes de que são vítimas polícias e idosos, passando pelos membros da família e todos os que se cruzarem com gente criminosa, aos molhos, que anda por aí, à solta, muita dela com a bênção de juízes indignos desse nome e ainda as agressões que nos são infligidas – a quase todos - sem dó nem piedade, pela dupla merkliana Coelho-Gaspar.
Já por diversas vezes me tenho referido ao assédio sexual. Vou fazê-lo uma vez mais e vai ver como já há meio século estes pobrezinhos indefesos que são os homens eram vítimas de assédio sexual por parte das mulheres.
Era eu já professor efectivo, quando fui chamado a cumprir serviço militar obrigatório. Depois de ter passado por outros quartéis, estava no Regimento de Artilharia de Costa, em Oeiras, onde me mantive cerca de três longos anos. Habitualmente tomava a “bica”, como por lá se chamava ao nosso “café”, após o almoço, num pequeno bar subterrâneo, na estação de caminho-de-ferro. À mesma hora fazia o mesmo uma garota linda, escultural, aquilo a que nós chamávamos um “monumento”. Como apreciador do belo que ainda me prezo de ser ( e nada há de mais belo do que uma mulher), percorria-a, com o meu olhar, de alto a baixo. Ia olhando…apenas olhando.
Um dia, passados não muitos dias, a garota aproxima-se de mim e, numa voz angelical, questiona-me:
- É professor, não é?!
Militar era fácil saber que eu era, pois via-me fardado, mas onde dianho teria ela ido descobrir que eu era professor?!
Bom, como diria a Teresa Guilherme “isso agora não importa nada”, respondi-lhe:
-Sou, sou, pode sentar-se se quiser.
Anuiu e, ao mesmo tempo que se sentava, dizia:
- Tenho umas dúvidas que gostaria que mas tirasse.
- Com certeza, desde que isso esteja ao meu alcance – retorqui, eufórico, confesso.
Cá está um assédio de que eu não me queixaria à polícia.
Era uma ribatejana universitária e vivia num quarto alugado, ali a dois passos da estação e do quartel.
Combinámos um jantar para esse mesmo dia, num simpático restaurante, em Carcavelos. Ambiente acolhedor, mais propício a encontros românticos do que para dar qualquer explicação sobre matéria escolar. Quando saímos, mais parecíamos dois jovens a arder de paixão do que duas pessoas que mal se conheciam ainda. Ela tinha uma voz melíflua, uma ternura indescritível. Chegados a casa, os senhorios, um casal de reformados, dormiam.
Sem necessitar de muita persuasão, mas imensa cautela, pé ante pé, não fossem os velhos ouvir, entrei no quarto dela. E com ela dormi (creio que nessa não dormi) a primeira de muitas noites. Jamais dormi no quartel, a não ser quando as escalas de serviço a isso me obrigavam. Passei a ter uma doce e terna companheira, tão terna e tão meiga que de quando em vez me recordava que deveria ir ao Porto visitar a namorada a sério que ela sabia que eu tinha. Ou será que o que ela queria era uma folgazinha?! Nunca acreditei nisso.
Passei a ter sempre roupa bem lavada e impecavelmente passada a ferro. Boa Lili. Que será feito de ti? Tinha todos os dotes para fazer um homem feliz. Obrigado, Lili, onde quer que estejas, na Terra, ou, sei lá, no céu, pelos bons momentos que passámos. Foi-se a tropa, foi-se a Lili. Ambos sabíamos que o fogo que nos incendiava os corpos só durava enquanto durasse a minha guerra, isto é, a minha permanência naquele quartel. Faço votos para que ela, se for viva e casada, seja feliz com seu marido como eu sou com minha mulher, minha namorada de então, a sério, embora traída, reconheço. Era uma mera traição física e com tempo determinado.
Nessa época, as namoradas e as próprias esposas perdoavam tudo. Os homens, por força da guerra e da emigração eram tão poucos que qualquer traste era considerado “artigo de luxo”. Lembro-me que, por assim ser, um colega meu, bem mais velho e engraçado dizia que as mulheres que conseguissem arranjar namorado e casar deveriam pagar imposto. Bom, o melhor é falar baixinho, porque se o Coelho ou o Gaspar se lembram disso, lá vem mais um imposto.
Resta referir que nunca cheguei a saber, nem disso fiz questão, quais as dúvidas que queria que lhe tirasse. Provavelmente dissipou-as mesmo sem perguntar.
Agora diga-me se entre nós os dois não fui eu quem foi vítima de assédio sexual!
“Ce que femme veut, Dieu le veut” , que numa tradução livre se pode dizer que a mulher consegue sempre aquilo que quer.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Desabafos

Somos de tal forma e permanentemente bombardeados e massacrados com o vocábulo “crise” e, pior do que isso, com os seus efeitos, que, por mais que tentemos, é-nos extremamente difícil conduzir os nossos desabafos noutro sentido. Espoliados por um governo prenhe de imbecis, incompetentes, cobardes, de gente sem coluna vertebral, subserviente, que obedece cegamente, sem um reparo, uma tentativa de negociação ou a apresentação de uma proposta que revele, ainda que minimamente, que não pretendemos entregar a nossa independência sem luta, para além de espoliados, seríamos tratados como lixo se não desabafássemos, se não manifestássemos o nosso repúdio por tudo o que de mal nos estão fazendo. A nossa revolta tem tanto mais justificação porquanto sabemos que ainda estamos a ter uma pequena amostra do que aí vem e que esses falsos – sobretudo porque mentirosos – governantes apregoam, ao contrário daquela ministra italiana que deixou cair as lágrimas ao anunciar medidas de austeridade para os seus compatriotas, com o ar de quem está a anunciar um feito heróico, de quem se acha que um dia, ainda que ninguém o faça, se hão-de considerar salvadores da pátria.
Para além do aumento de receita e não diminuição de despesa que conseguiram através do roubo que já fizeram nos salários e nas pensões de muitos de nós e do que vão continuar a fazer, apresentam-nos, com o ar mais patético do mundo, medidas com aumentos de mais de cem por cento. É intolerável, é insuportável, é necessário arranjar forma de mandar esta gente para o olho da rua o mais depressa possível antes que fiquemos todos, não de tanga, mas nus, numa espécie de Biafra.
Esta obsessão do défice é absolutamente doentia. Todos nós concordaremos que é salutar que os Estados, como as famílias e os indivíduos devam controlar as suas finanças, gastando apenas aquilo que tenham capacidade de saldar. Aquilo que eu digo não é alicerçado em quaisquer conhecimentos académicos de economia, mas tão só aquilo a que a necessidade de gerir a minha economia familiar me ensinou. E aprendi à minha custa que se não me fosse dada a possibilidade de dever dinheiro, muito provavelmente nunca teria tido um automóvel, nunca teria a minha casa e, possivelmente nunca teria usufruído, ou tê-lo-ia muito mais tarde, de variados equipamentos. Quer dizer que a minha qualidade de vida teria sido bem pior. Hoje tenho a minha casa, o meu carro e muitas outras coisas que me foram possibilitadas por me ter sido possível gerir um défice e não devo nada.
Antes de outro comentário, eu pergunto: se há um ou dois anos eu tivesse adquirido um qualquer bem, a crédito, na expectativa legítima de que continuaria a receber 14 meses de pensão e que ninguém ousaria usurpar parte dela, como é que eu ficaria na situação actual e na que aí vem? É para pôr na penúria quem sempre trabalhou, sempre fez religiosamente os seus descontos, que temos um governo? – Será que merece esse nome?
Sem dinheiro para gastarmos, o que conduz ao encerramento do mais variado tipo de empresas e consequente aumento do número de desempregados, para que serve um défice que agrade à hitleriana Merkel, aos desbotados senhores da troika ou aos mercados? Fazem-nos algum favor?! São assim tão nossos amigos?! Emprestam-nos a juros baixos?!
Está à vista: estes iníquos governantes estão obcecados pelo défice, com receio de levarem umas palmadas da senhora. Doa a quem doer, que vá para a miséria quem tiver de ir, eles só não retiram aos funcionários públicos e pensionistas vinte, trinta, quarenta por cento do salário e pensões para chegarem ao défice zero e se colocarem triunfalmente em cima dos cadáveres, sucumbidos pela fome, porque, sabem que antes disso, teriam sido corridos, se não com cravos nos canos das espingardas, com a força do povo nas ruas.
Deixe-me aliviar um pouco a tensão: aqui há muitos anos uma prima minha, moçoila de dezoito anos, de linhas bem definidas e uma carita bonita, no consultório do dentista, “tremendo como varas verdes”, sentada naquilo que para ela deveria parecer a cadeira eléctrica, à voz do médico, de instrumentos na mão: “abra a boca, menina!”, reagiu assim: Abriu a boca e bem, mas foi para gritar o mais alto que os seus pulmões lhe permitiram: “ó da guarda, acudam, ó da guarda”.
Imagine a atrapalhação do médico, com clientes na sala de espera a ouvir estes gritos.
Ó da guarda, acudam, ó da guarda é o que nos apetece gritar perante as medidas tomadas por este troiko-franco-germano-dependente governo. Há quem o defenda, quem o admire?! Há. Sobretudo aqueles para quem não existe crise que os afecte.
“Un sot trouve toujours un plus sot qui l’admire” – um tolo encontra sempre outro mais tolo que o admira.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Desabafos

Com o hábito que os portugueses, sobretudo os nortenhos, têm de falar alto na rua, nos transportes públicos, nos cafés, nas salas de espera de hospitais, centros de saúde ou de outras instituições, é fácil apercebermo-nos do que dizem e do estado de espírito dessas pessoas. Uma das expressões que tenho ouvido com muita frequência é “ladrões”. Pelo decorrer da conversa que involuntariamente oiço, rapidamente me apercebo que a dita expressão se refere a quem tem a responsabilidade de nos governar. Ponho-me a meditar sobre o assunto. E se por um lado verifico que a democracia vai “sofrendo tratos de polé”, com o povo a ser desrespeitado constantemente, a ponto de entender que todos devemos estar em alerta, por outro, constato que por enquanto ainda se pode usar uma linguagem que há quarenta anos nos levaria facilmente aos calabouços da PIDE/DGS. Mas não há que fiar.
Meditando depois sobre a expressão propriamente dita ou seja “ladrões”, muito embora ela possa parecer exagerada, é a que vulgarmente as pessoas utilizam para referenciar quem rouba. De facto, muita gente se sente roubada por um governo que tem um primeiro-ministro de direito – o primeiro-ministro de facto é o Relvas, o que disse que o corte dos subsídios de Natal e de Férias eram para sempre – que, depois de afirmar, enquanto líder da oposição, que não se poderiam pedir mais sacrifícios aos portugueses, agora não tem feito outra coisa senão espoliar despudoradamente os bolsos dos nossos compatriotas. Que outra coisa se deve chamar para não parecer tão feio? Gatuno?! Larápio?! Trapaceiro?!
Eu, enquanto funcionário público, fiz uma carreira contributiva completa. Nem lhe poderia fugir. Fi-la, na expectativa legítima que teria até ao final dos meus dias catorze meses de pensão. Assim tem sido desde há uns anos. Eu ainda não morri e as regras não devem ser alteradas a meio do jogo, por isso também eu me sinto roubado. E que devo eu chamar a quem me rouba? Ladrão, obviamente.
Um outro aspecto relacionado com este que eu quero abordar é o seguinte: diz o governo que quer acertar as contas públicas, sobretudo através da despesa. Concordo que assim deva ser, mas não é exactamente esse o caminho que está a seguir. Dizer que o Estado vai reduzir a despesa à custa do corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos pensionistas é uma falsa questão. Como os referidos cortes se tratam de um assalto aos bolsos dos ditos, como se os pobres coitados tivessem, eles e só eles, cometido o crime de empobrecer o país, trata-se de uma receita que o governo desavergonhadamente arrecada e não de uma redução de despesa.
E já agora essa de os funcionários públicos ganharem mais do que os das empresas privadas é uma balela. Porque será que ouvimos tantos ministros e outros políticos dizerem que ganhavam mais nas empresas privadas do que enquanto no exercício de cargos políticos?!
Tenho um filho e uma filha: ele tem uma licenciatura de cinco anos e trabalha numa empresa privada; ela tem um mestrado daqueles que se fizeram depois de uma licenciatura de cinco anos e trabalha numa instituição pública. Ele ganha muito mais do que ela, tem carro e mais uma série de regalias. Ele vai continuar a receber, felizmente, o subsídio de férias e de Natal. Ela nem um nem outro. Onde está a justiça?
Por falar em justiça, cada vez que lemos ou ouvimos um órgão de comunicação social, entram-nos pelos olhos ou pelos ouvidos factos que nos levam a crer cada vez menos nela. Não acreditarmos nela, que é o que cada vez acontece mais, pode levar as pessoas a procurar fazer justiça pelas suas próprias mãos. Se já vivemos num clima de grande insegurança, se chegarmos a esse ponto a situação piorará.
Quando tomamos conhecimento que desembargadores – não foram juízes principiantes – absolvem um médico que violara uma mulher a quem puxou a cabeça para lhe fazer sexo oral e ainda a atirou para cima da marquesa, que confiança poderemos ter em quem julga?!
Culpa de quem? Provavelmente dos operadores e das leis. Leis, muitas delas que terão sido propositadamente feitas para os poderosos, os que têm dinheiro para recursos e mais recursos e beneficiar das entrelinhas dessas mesmas leis a que só eles têm acesso.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Grandes salteadores

Não há adjectivos suficientes para qualificar o que esta cambada que, tendo ganho com legitimidade, - embora até pudéssemos encontrar argumentos para a chamar de duvidosa - o direito de governar, mas que está no poder, abusando dele, tomando decisões para as quais os portugueses nunca a mandataria, numa actuação bem próxima da ditadura, levando milhares de cidadãos ao desespero, à miséria, sem que se vislumbre que os enormes sacrifícios possam valer a pena. Ainda se valessem… Atacam-nos, roubam-nos, sem oportunidade de defesa, que não seja manifestarmo-nos, indignarmo-nos e, quem sabe, um dia destes, termos uma nova revolução, talvez não dos cravos, mas dos crisântemos. Cambada de salteadores é o que são.
Entre o rol de mentiras que poderíamos apontar a Passos Coelho, que fazem dele um exemplar de Pinóquio, ao pé de quem, outros a quem já deram esse epíteto, ficariam muitos graus abaixo, não posso deixar de me recordar, perante tudo o que de mau já nos impôs e prometeu, da sua justificação para chumbar o PEC IV e que foi a de que não se podia pedir mais sacrifícios aos portugueses. Bom, ele realmente não pede. Impõe.
A minha revolta é tamanha e é alicerçada em vários aspectos sobre os quais poderia dissertar que necessitaria de horas e ninguém leria o meu desabafo. Há, todavia, dois ou três aspectos que não quero deixar de tocar, ainda que seja superficialmente.
Embora seja obrigado a reconhecer que é difícil, mesmo impossível, criar medidas perfeitas, em todos estes pacotes de austeridade, a justiça e a equidade, por mais que o afirmem que existe, isso é uma mentira. Se até Cavaco Silva, que se tem comportado como anjo protector deste governo o reconhece… De tão debatido que está o caso dos funcionários e aposentados da função pública, que são tratados como se fossem eles os grandes responsáveis pelo descalabro das finanças públicas, não vale a pena gastar muita saliva nem muita tinta, embora se deva dizer, em abono da verdade, que há muitos funcionários públicos, no activo ou aposentados, que deram milhares de horas a mais sem nunca receberem qualquer compensação por isso. Como no sector privado há bons e maus. Afirmar muito simplisticamente que os públicos trabalham menos horas do que os privados é uma falsa questão. Por isso, não se justifica que os trabalhadores do sector privado, ao contrário daqueles que o foram e agora estão aposentados, não contribuam com os cortes adequados nos respectivos subsídios, não para ficarem em poder dos patrões, mas para reverter a favor do saneamento das finanças do país. Bom, isto é o que eu penso que deveria ser feito, em nome da equidade, porque, de resto, o que deveria acontecer era não haver cortes dessa monta.
Deixe-me só fazer aqui mais uma reflexão. Diz-se que todas estas medidas de austeridade são para pagar as dívidas do Estado. Quem contrai as dívidas ou a quem elas beneficiam é que as deve pagar. Vivo com mais de dois mil conterrâneos numa terra – Nespereira, Cinfães – que, relativamente ao Estado, ao invés de contribuirmos para o pagamento da referida dívida, deveríamos ser indemnizados, tais são as carências que temos. De uma terra que é atravessada por uma estrada nacional miserável, estreita, com curvas atrás de curvas, de segurança reduzida, quando outras têm auto-estrada, às vezes mais do que uma, ou IP´s ou IC´s, que não tem saneamento básico nem água ao domicílio, longe dos estabelecimentos de ensino, de saúde, será que é justo que os seus cidadãos tenham de pagar a crise como outros que têm tudo à porta de casa? Não deveriam, antes, os meus conterrâneos ser indemnizados pelo ostracismo a que os votaram? Assim estaríamos mais perto da justiça.
É bom que toda esta gente e tanta outra em circunstâncias idênticas não deixem de exercer não apenas o seu direito de indignação, mas o direito de revolta.
A mim apetece-me usar a expressão que se usa por aqui: grandes sacanas.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Falando de assédio sexual

Há cerca de duas décadas, já eu, numa crónica que fazia todos os dias úteis para uma estação de rádio do Vale do Sousa, me questionava por que razão se mantinha a tentação de condenar apenas os homens por assédio sexual. Digo mantinha porque, à época, já as mulheres tinham adquirido muitos direitos que as equiparavam aos homens e elas próprias, e muito bem, se arrogavam dos mesmos direitos, mas também não gostavam de privilégios, que seriam sempre uma forma de discriminação. Isto acontecia sobretudo no seio das mulheres mais informadas.
Embora o assédio sexual seja tema frequente nos nossos órgãos de comunicação social, está agora um pouco mais mediatizado pela acusação que recai sobre o francês, ex-director do FMI, Dominique Strauss-Kahn e, embora com atraso relativamente aos presumíveis actos, por influência do primeiro, a acusação sobre outro francês, presidente da Câmara de Draveil e secretário de estado da função pública, Georges Tron.
Bom, eu não quero comentar estes casos em concreto, até porque conhecendo apenas o que os media informam, não poderia fazer nada mais do que especular. Interessa-me retomar a ideia que me conduziu à minha crónica supracitada.
Desde que o assédio seja feito com alguma elevação – talvez estranhe a expressão quem facilmente levanta o dedo acusatório – sem intervenção de força ou violência, não me parece que seja acto assim tão condenável. E antes de continuar, deixe-me afirmar que considero que não pôr o assédio sexual masculino em pé de igualdade com o feminino é continuar a conceder à mulher o estatuto de menoridade, que ela rejeita, apesar dos avanços que se têm registado relativamente ao reconhecimento dos seus direitos.
É provável que seja mais frequente o assédio sexual por parte do homem em relação à mulher, mas o contrário também se verifica e não é apenas nos tempos que correm. Recordo-me perfeitamente, e deixe-me confidenciar-lhe que com alguma nostalgia, que, ainda jovem estudante ou já professor e militar, era frequentemente assediado por bonitas (umas mais do que outras) mulheres, algumas ainda adolescentes. Fui solucionando caso a caso sem nunca me ter passado pela cabeça fazer queixa à justiça. Tive, todavia algumas preocupações, que não passaram disso mesmo, a nível militar, porque de assediado pretendiam fazer de mim o assediador. Estávamos na década de sessenta e a convicção reinante era de que o assédio partia sempre do homem. Em termos de convicção isto não mudou muito, pelos vistos. Tenho que confessar que o assédio, salvo raras excepções, me provocava excitantes momentos de prazer. Desafio o homem que se preze de o ser a dizer que não se derrete todo se sentir assediado por uma graciosa e curvilínea mulher.
Também sei que muitas virtuosas mulheres não desdenham um assédio que não ultrapasse determinados limites. E até vão confidenciar, orgulhosas, às suas amigas. Cada uma cede ou rejeita, nem sempre de acordo com os apetites, mas com receios e preconceitos. Não poucas vezes, o assédio sexual funciona como um excelente afrodisíaco. Pena é que quando homens e mulheres mais precisam dele, raramente aconteça.
Hoje, mais do que nunca, já não é correcto falar exclusivamente de assédio de homem para com mulher ou vice-versa. Ele verifica-se, começa a ser com alguma naturalidade, entre indivíduos do mesmo sexo. Devo dizer que não tenho qualquer preconceito em relação a gays e lésbicas. Convivi, aquando do cumprimento do serviço militar com um camarada homossexual – paneleiro, como se chamava em português corrente – e com duas simpáticas lésbicas assumidas que viviam juntas e gostavam muito de conversar comigo e mais 3 ou 4 militares que todos os dias nos juntávamos num café de Oeiras. Preconceitos, de facto não tinha, mas ser assediado por um homossexual não suportava. Quando isso acontecia era como um furacão entrasse dentro de mim.
Vá lá, se você é heterossexual, um assédio feito por alguém que não lhe repugne, pode dar-lhe uma nova vitalidade. Não vá à polícia. Rejeite ou ceda, conforme as circunstâncias. Se for assediado(a) é sinónimo de que ainda tem alguns “atributos”.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Falta de memória ou desconhecimento da história

Quem não tiver memória e não respeitar a história não merece qualquer pingo de glória. É incrível como em Nespereira muitos se vangloriam da memória e da história das suas gentes, das suas instituições, dos seus costumes, das suas tradições, mas, na prática, muitas vezes agem como se só conhecessem o que os não perturbe.
Recebi um convite informal, através do Facebook, igual a dezenas ou centenas deles para participar na tertúlia que hoje se realiza, subordinada ao tema “Associativismo…que sustentabilidade…”
Ninguém tinha qualquer obrigação de me convidar para participar do painel, por isso não tenho que ficar aborrecido, zangado, mas como pensador franco e frontal não tenho qualquer pejo em dizer que é estranho e em tecer algumas considerações para que todos os andem de boa-fé também reflictam e tirem as suas conclusões. Para discutir o associativismo não é absolutamente necessário ter experiência associativa. Qualquer bom pensador o pode fazer. Quem, todavia, alia o gosto de pensar e discutir à experiência tem mais probabilidades de que a sua participação seja fecunda.
Quase sem qualquer receio de errar atrevo-me a afirmar que sou o nespereirense com mais experiência associativa, aliada a outra grande experiência de reflectir sobre os mais diversos temas que interessam à sociedade, através da imprensa, de blogues e da rádio. Fui o primeiro presidente da Casa do Povo (que não tem nada a ver com a actual), fui fundador e, durante vários mandatos, presidente da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Nespereira, em alguns deles acumulando com a função de comandante; Fui, durante várias épocas, presidente da direcção do Nespereira Futebol Clube, acumulando, em algumas, com a função de treinador, tendo, ainda, sido presidente da assembleia-geral; Fui presidente da direcção do Rancho Folclórico de Nespereira; Fui fundador e primeiro presidente da direcção eleito da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Secundária de Cinfães; Fui vice-presidente do Clube Desportivo de Cinfães e desempenhei também as funções de treinador, em cuja actividade fui galardoado pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol. Fui presidente do Conselho Fiscal da Federação de Bombeiros do Distrito de Viseu e actualmente presidente do Conselho Consultivo; Fui secretário técnico da Liga dos Bombeiros Portugueses, tendo prometido e concretizado a criação, com a colaboração imprescindível do Maestro Pereira Pinto, do Hino dos Bombeiros Portugueses. Por este trabalho, recebi, da Câmara Municipal de Cinfães, a Medalha de Prata do Município.
Perante isto – e chamem-me o que quiserem – alguns deverão sentir-se envergonhados de se considerarem associativistas.
Bom, estranho será, de facto, para alguns. Eu estranharia se não conhecesse bem esta terra e uma grande parte da sua gente, nomeadamente aqueles que não perdem uma oportunidade para se porem em “bicos de pés”, à frente, em concordância com o filósofo que diz que “a ignorância se põe à frente para ser vista, enquanto a inteligência se põe atrás para ver”, fingindo ignorar todos quantos lhes possam fazer sombra.
E assim vai a “feira de vaidades” e hipocrisia, sempre na mira de mais um “tacho” ou, pelo menos, “penacho”.

Provocam-me náuseas

Por força de algumas funções que desempenhei, nomeadamente no cumprimento de serviço militar em tempo de guerra colonial e como bombeiro, passei por muitas situações daquelas, que mesmo os mais fortes têm dificuldade em suportar sem que isso lhes provoque algumas náuseas. Pessoas gravemente feridas, quase desfeitas, mortas ou a agonizar, carbonizadas, etc., não proporcionam um espectáculo que não mexa com a sensibilidade ou o estômago do mais frio e duro dos humanos. Com maior ou menor dificuldade sempre ultrapassei as mais diversas situações com que me deparei sem sucumbir. Ultrapassei sempre as dificuldades com a enorme tristeza que me provocava a infelicidade, a tragédia que batera à porta de gente como eu, mas terminando sempre com o sentimento reconfortante do dever cumprido.
Acontece agora, como tem acontecido noutros períodos eleitorais, que o que vejo, ao vivo, ou através dos media me provoca muito mais náuseas do que todas as situações referidas que já vivi. Assistir a este espectáculo degradante de ver, por feiras e mercados, pelas ruas de aldeias, vilas e cidades, indivíduos normalmente sisudos, não reconhecendo mais ninguém do que aqueles que habitualmente se sentam à mesma mesa e comem do mesmo tacho, aos beijinhos e abraços, às palmadinhas nas costas, a pegar na enxada sem qualquer jeito, a apanhar cerejas e bonés, numa simpatia de partir corações, a dizer uma coisa num local e o seu inverso no outro, conforme os interesses daqueles que ainda têm pachorra para os ouvir, enoja-me, dá-me vontade de vomitar. Se nós não os conhecêssemos, ainda lhes poderíamos dar o benefício da dúvida. Mas não, conhecemo-los de ginjeira.
Quantos reclamam hoje por coisas que ontem tiveram oportunidade de fazer e não fizeram.
Não me apetecia falar em nenhum líder em particular, mas não posso deixar de me referir a Passos Coelho. Mesmo que não estivesse totalmente de acordo com os que reconhecem nele falta de experiência para liderar um Partido que seja da envergadura do PSD, muito menos o governo, a sua caminhada, desde a queda do governo que ele patrocinou, e com muito mais veemência, na pré-campanha e campanha eleitoral, veio desfazer qualquer dúvida. Ele, de facto, não está minimamente preparado para liderar um governo tais são os ziguezagues que tem feito, as mudanças de opinião e a falta de pulso, que não tem nada a ver com autoritarismo.
“A política é o local de trabalho de certos cérebros medíocres”.
Só ouvindo, posso tomar consciência do que será melhor ou pior para o meu país, por isso, apesar do nojo, apesar do que isso me custa, vou ouvindo, se bem que estou consciente que nenhum governo que não aposte verdadeiramente na restauração dos valores que não são de ontem nem de hoje, mas de sempre, que não aposte numa verdadeira educação cívica, num autêntico exercício da cidadania, numa justiça oportuna e séria que trate os poderosos e os frágeis de igual forma, que não aposte numa verdadeira democracia e num correcto conceito de liberdade, conseguirá levar este país a bom porto.
Tenho a mais séria convicção de que, infelizmente, vou continuar a ter náuseas.
“Em política está-se em contacto com a sujidade e é preciso muita higiene para não se cheirar mal”.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Que o domingo passe a ser ao sábado

Os dirigentes políticos já nos habituaram a mandar pela boca fora algumas tiradas, umas sem pés nem cabeça, mas porque lhes parece que poderão produzir o aconchego de mais uns votos, aí vão elas; outras que até teriam algum sentido e seria bom que se concretizassem, mas porque implicam audácia, algum risco, acabam por ficar para as calendas. Poderíamos aqui enumerar várias destas últimas que chegam a andar décadas nas bocas dos políticos, em épocas de eleições e nunca passam disso mesmo: promessas. Como já não tenho muita pachorra para perder muito tempo com esta gentalha de beijinhos, abraços e palmadinhas nas costas sazonais, quero apenas referir-me à ideia, que também não é inédita, de alterar os feriados, encostando-os aos domingos. Isto em nome da produtividade, dizem os “sábios”. Parece que não sabem que não é por aí que passa a produtividade. Não é por falta de dias suficientes de trabalho. Ela passa essencialmente por dois aspectos: salários baixos e falta de empenho de muitos dos nossos trabalhadores que agem como se a empresa ou a instituição onde operam, não lhes digam mais respeito que não seja a obrigação de lhes pagar ao fim do mês, aquilo que produziram muito abaixo do que deveriam. Vejamos como os mesmos trabalhadores que cá não produzem, são apontados como exemplo no estrangeiro. Sobre isso é que os políticos se devem debruçar.
Bom, mas o que eu queria dizer é que não concordo minimamente que se alterem os dias de comemoração dos feriados. Não acho graça nenhuma comemorar o 25 de Abril no dia 23, 24, 26 ou 27,o 5 de Outubro, o primeiro de Maio, etc., em qualquer outro dia que não seja o real. Se alguém entende que alterar é que está certo, em nome da produtividade, então eu dou uma sugestão que rende muito mais: passem o domingo para o sábado. Ao actual domingo chamem-lhe primeira feira e vejam só que teremos mais 52 dias de trabalho no ano. Que tal? Gostam da ideia. Tenham juízo e pensem em coisas mais sérias que as há e muitas e deixem-se de entreter o Zé.
“A política é a arte de se servir dos homens fazendo-os crer que os serve a eles”.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Justiça

A forma como funciona a nossa Justiça, e digo nossa, porque se não sei muito dela, sei menos da de outros países e é realmente a que me interessa, na simples condição de cidadão comum que procura estar a par do que se passa à sua volta, ainda que de forma pouco técnica, pouco científica.
Todos os actos que manifestamente tenham a ver com os cidadãos, em geral, sejam políticos, administrativos ou outros, na medida em que têm direitos e deveres, devem ser de fácil compreensão para qualquer um desses mesmos cidadãos, independentemente do seu grau de literacia. Quando me refiro a compreensão, quero dizer que os actos ou decisões não choquem com a inteligência, com o raciocínio, com o pensamento.
Poderia aqui falar da incomensurável legislação que existe, alguma que se contradiz, muita outra de difícil interpretação, mesmo para aqueles que são da área legislativa, de tal modo que, frequentemente, encontramos discrepâncias enormes na interpretação de leis, por parte de legisladores, aqueles que têm por obrigação de aplicá-las e os que têm obrigação de as cumprir.
Poderia apresentar aqui milhentos exemplos. Quem estiver atento ao que os órgãos de comunicação social veiculam todos os dias, dá-se conta disso mesmo. Curiosamente, no que diz respeito à Justiça, as diferenças de interpretação normalmente beneficiam os poderosos, seja através de sentenças proferidas com base na interpretação mais favorável aos presumíveis criminosos (alguns mais autênticos do que presumíveis) ou do arrastar da sentença até à prescrição.
Poderia falar aqui de inúmeros casos concretos passados com a justiça, que chocam todos aqueles que não compreendem tantos actos que, por omissão, por interpretação facciosa de leis, por incompetência, por arrastar do tempo até à prescrição, por existência de leis construídas à medida dos interesses dos poderosos, mas não vale a pena referi-los porque toda a gente conhece, senão mais, pelo menos aqueles que despertam maior interesse dos media.
Enoja-me ver e ouvir alguns, cujos crimes estão mais do que comprovados, através de escutas e de outros meios de prova, comportarem-se, quando a justiça, embora os não absolva, por qualquer impedimento da lei, por negligência, por incompetência dos seus actores, também os não pode condenar, dizia eu, enoja-me ouvi-los e terem um comportamento de vitória, quase de heróis, quase a transformarem-se em vítimas, chegando um ou outro mesmo à falta de pudor de declararem que a justiça não falhou. Pois falhou e rotundamente. Não falha normalmente é para punir os mais frágeis da sociedade. Pune facilmente o que rouba fruta, batatas ou hortaliça para matar a fome, mas manda em paz ou arrasta até à dita prescrição o que desvia milhões. Ou então há-de encontrar alguma alínea na lei que permita interpretar que o julgamento ou a sentença são nulas.
Não, por mais politicamente incorrecto que seja, a verdade nua e crua é esta: não podemos confiar na nossa justiça.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O estado da Nação

Meu amigo, é indesmentível que, em Portugal, infelizmente, à semelhança de muitos outros países no mundo, vivemos tempos complicados, diria mesmo, que vivemos dias negros. Claro, que há por esse mundo fora, situações altamente dramáticas em que milhões de pessoas morrem de fome e sem qualquer acesso à saúde. Poderíamos dizer que, comparados com esses, somos uns felizardos. Obviamente que não pretendemos tais comparações, porque muitos de nós merecem muito mais e melhor do que o que têm. Atrevo-me a sublinhar muitos de nós porque, efectivamente, há muitos portugueses que não merecem minimamente aquilo que têm, que é fruto dos impostos de quem trabalha e que não fazem qualquer esforço para trabalhar – a muitos, o trabalho não faltaria, quisessem eles – e ainda se dão ao luxo de gastar o dinheiro sem estabelecer quaisquer prioridades aceitáveis, gastando-o onde menos seria expectável que o fizessem. Quem conhece o país real, não apenas através das leituras ou qualquer outro tipo de informação que chega aos gabinetes, mas pela sua presença na rua, nos estabelecimentos comerciais, nos transportes e observa atentamente, através dos olhos e dos ouvidos, com verdadeiro espírito de conhecer em que mundo se encontra, sabe que é enorme o número de parasitas, de mandriões, de vigaristas, de criminosos que andam por aí a consumir as nossas depauperadas finanças, sem produzirem algo, nem sequer cultivar os seus quintais, que alguns possuem.
Por muitas culpas que os sucessivos governos e os políticos que se exibem pelos parlamentos tenham relativamente a esta crise e têm, com tanto cidadão a não produzir, a arranjar as mais diversas vigarices, entre as quais socorrer-se do divórcio, continuando embora a viver juntos como sempre viveram e até a fazer filhos, para receber subsídio de desemprego, o rendimento social de inserção, para fugir ao fisco, para beneficiar de taxas moderadoras, etc., etc. como pode este país progredir, desenvolver.
É, normalmente, esta gente que não quer fazer nada, que mais protesta, que mais se queixa. É óbvio que o que recebem não dá para muito, mas eles preferem o pouco e nada fazerem, do que um pouco mais, produzindo algo.
Há ainda aqueles que trabalham e recebem por isso, mas fazem-no clandestinamente – embora à vista de toda a gente, parece que menos dos que têm obrigação de fiscalizar e não o fazem devidamente, o que também nos pode levar a inclui-los no rol dos parasitas – para obterem apoios da Segurança Social e de outras entidades.
Se juntarmos a toda esta gente a viver da fraude, os que têm reformas milionárias, algumas duplas e triplas, os que se alimentam da corrupção, da exploração dos aflitos, através da agiotagem, temos dificuldade em acreditar que este nosso país, acabado de se submeter às ordens do FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu, para se financiar e procurar sair da crise, tenha sucesso.
Temos que, urgentemente, apostar forte na educação, que quase já se não faz nem nos lares nem nas escolas, para criarmos novas gerações que saibam o que é a cidadania, que privilegiem a honestidade, a verdade, o trabalho, que combata o chicoespertismo, mas que também tenham alguma capacidade de sacrifício, que não esperem que tudo lhes é devido, sem esforço. Só assim poderemos aspirar ao sucesso.

terça-feira, 22 de março de 2011

De Portugal para o Brasil...com afecto

O texto de hoje foge um pouco dos temas a que, habitualmente me reporto. A vida, em cada momento que vivemos, se os vivermos atentamente, é uma autêntica escola que nos proporciona constantemente novas aprendizagens, nos leva a mudar de opinião, – só os burros é que não mudam – a alterar comportamentos, a ver as pessoas e o mundo de forma diferente, a conhecer melhor os humanos. Tal conhecimento permite-nos observar com mais acerto onde está a hipocrisia ou a franqueza, a gratidão ou a ingratidão, a lealdade ou a deslealdade, a verdade ou a mentira, a justiça ou a injustiça, a bondade ou a maldade, a humildade ou a arrogância, a competência ou a incompetência, a vaidade ou a simplicidade, o mérito ou o demérito, a valentia ou a cobardia, o altruísmo ou o egoísmo. Concluímos, assim, sem qualquer espécie de dificuldade e sem necessidade de uma inteligência acima da média, que vivemos num mundo de tal forma desinteressante, de pernas para o ar, onde sai vitorioso tudo o que é negação daqueles valores que deveriam ser universais e pelos quais, infelizmente, poucos se regem.
Entre muitas outras coisas que os nossos sentidos recolhem e o nosso cérebro descodifica, a minha sensibilidade, a minha inteligência ficam feridas com determinadas homenagens, mais abrilhantadas umas, mais singelas outras, expressas apenas em mais ou menos elaboradas, mais ou menos extensas, peças literárias.
Porque me dou conta de tudo isto, porque não gosto de reprimir os meus sentimentos, porque me repugna a mediocridade em que tantos se encontram situados, mas tudo fazem por aparecerem num qualquer periclitante pedestal; ainda porque é melhor não deixarmos para mais tarde o que é nosso dever ou gosto fazer, porque podemos correr o risco de amanhã ser tarde demais, propus-me trazer à estampa uma singela homenagem a quem merece muito mais do que umas humildes, mas bem sinceras palavras. Ainda assim, corro o risco, dada a sua modéstia, a sua simplicidade, a sua humildade, de lhe provocar algum mal-estar na hora de ter de publicar este texto no seu “Pelourinho”, que ele se apraz publicar assiduamente e onde não se cansa de homenagear os seus “torrões” predilectos, Nespereira, Vilar de Arca e Guisande, bem como seus familiares, seus inúmeros amigos e diversas instituições da sua – e nossa – sempre saudosa pátria.
Já percebeu que se trata do Nelson Valente. Em nome daquilo que acertámos quando me convidou a colaborar com o “Pelourinho”, que foi publicar os meus textos, fosse qual fosse o conteúdo e não lhes alterar a ortografia, sei que ele vai cumprir.
Algumas homenagens são mais uma espécie de vassalagem ao poder económico do que homenagem ao mérito e às virtudes. São mais um exercício de hipocrisia do que a demonstração sincera de reconhecimento, até porque muitas vezes nem existe nada ou quase nada para reconhecer. Quando se potenciam exageradamente os ínfimos méritos de uns e se ignoram os méritos de outros, trata-se, no fundo, de apostar na mediocridade e praticar a injustiça.
Desde 1968, estava eu no final do terceiro ano de cumprimento do serviço militar, que comecei a conviver, com a assiduidade que a separação por um oceano permite, com o Nelson Valente. Logo nesse ano ele me demonstrou o seu altruísmo, quando, vítima de um acidente de automóvel, fracturei uma clavícula e, não havendo as condições de hoje, ele, incansavelmente, estando de férias em Nespereira, me levou em busca de socorro. Daí para cá foram inúmeras as provas de carinho que me proporcionou, seja em Portugal, seja no Brasil, transportando-me, recebendo-me em sua casa, etc. Seria injusto olvidar também, aqui e agora, o carinho que ele manifestara, pelas mais diversas formas, pelo meu pai.
Todavia, meu amigo que porventura me lê, se eu referisse aqui apenas a gratidão que lhe devo, isto poderia parecer não mais do que o mero pagamento de favores. Não, para mim, o Nelson Valente vale muitíssimo mais do que o carinho, a amizade que me tem dispensado ao longo de estas mais de quatro décadas. Quem com ele tem tido a felicidade de conviver sabe das imensas virtudes que o exornam: altruísmo, benemerência, lealdade, frontalidade e muitas outras. Aqueles que com ele não têm tido a felicidade de privar, mas têm tido a oportunidade de ler o jornalzinho que ele carinhosamente publica e generosa e prodigamente distribui, verificam, sem grande esforço intelectual, o amor que ele dedica aos familiares, a sã amizade que distribui, o carinho e a saudade com que fala das suas terras de eleição já referidas: Nespereira, Vilar de Arca, Guisande; o carinho e a benemerência para com várias das associações nespereirenses; a motivação que procura estimular para que outros lhe sigam o exemplo. Tudo feito com a maior discrição, como é próprio das almas de eleição.
Observando tanta “parra”, tanta propaganda, relativamente a outros compatriotas, na terrinha ou na diáspora, apetece-me mandar calar as trombetas que festejam por feitos nulos e mandar seguir o exemplo de Nelson Valente.
Haveria muito que dizer sobre o que sei do seu currículo e de muito mais que não sei, mas aí sim, o meu amigo poderia arrogar o direito de não publicar por falta de espaço.
Por aqui me fico, com a consciência de que isto não é nada para o muito que ele merece.
Obrigado, grande amigo, pelo seu exemplo, pela sua amizade.


Texto escrito para o jornal "Pelourinho"

sexta-feira, 11 de março de 2011

Cavaco Silva...Chefe de Estado, do Governo ou líder da oposição

Não gosto de Cavaco Silva. Ainda há pouco tempo o escrevi. Apesar de estar já a entrar – se é que não entrei - na chamada provecta idade, sou possuidor de boa memória, de forma que recordo perfeitamente o que foi o consulado de Cavaco, enquanto primeiro-ministro, como me lembro, obviamente, de algumas trapalhadas feitas lá por Belém, no seu primeiro mandato e da sua arrogância e falta de respeito pelos eleitores, reveladas através da negação de esclarecimentos nos debates da última pugna eleitoral. A memória, de facto, impede-me de simpatizar com ele, mas poderia, eventualmente, esperar-se que um dia se corrigisse e me levasse a mudar de opinião. Antes pelo contrário. Cada vez se acentua mais a minha antipatia por aquele que, mesmo não se gostando dele, deveria ser considerado o presidente de todos os portugueses. Na sua tomada de posse, ele revelou à saciedade que não o é.
Cavaco Silva gostaria de ser um Presidente da República que fosse ao mesmo tempo chefe do governo. Gostaria do poder total. Os que têm memória lembram-se do seu autoritarismo. Aliás, aqui não difere muito de José Sócrates. O seu discurso pareceu, ao mesmo tempo, o de alguém que vai ser empossado como primeiro-ministro, pois, como sempre, ele entende que o seu diagnóstico é o acertado e conhece as respostas adequadas e, por outro lado, o discurso de um líder da oposição. Um Presidente da República que se coloca nesta posição facciosa não é, seguramente, o Presidente de todos os portugueses.
Porque não acredito que Cavaco Silva sofra de amnésia – quando lhe convém, talvez faça parecer – lembra-se do seu passado mais longínquo de primeiro-ministro e do mais recente, o seu primeiro mandato como Chefe de Estado. E porque eu tenho essa memória, o seu discurso só me pode levar a concluir que se trata de uma pessoa sem pudor, hipócrita, demagogo, faccioso, cobarde. No fundo, Cavaco Silva é um político, como a maioria dos políticos: em primeiro lugar o seu interesse pessoal. Se assim não fosse, porque razão não disse o que agora disse, antes das eleições?! Por cobardia, porque temia perder votos. E esqueceu - facciosamente? - que a nossa crise se deve, em grande medida, à crise internacional, embora todos o saibamos que não apenas graças a ela?!
O Chefe de Estado quase roçou o apelo à insurreição: esqueceu-se da sua manifesta hostilidade a manifestações, reprimindo-as, patrocinando cargas policiais.
Falou de aposta nos sectores de bens e serviços. Que fez Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro? Com o dinheiro que vinha às “carradas” da então CEE, construiu estradas como o IP3, o IP5 e outras vias, que, de mal construídas, foram, e algumas ainda são, autênticos cemitérios e outras obras que consumiram vultuosas verbas, algumas em parcerias público-privadas, que ele agora contesta, privilegiando o alcatrão e o betão.
Que fez Cavaco Silva, pela Educação, pela Saúde, pela Cultura – recordem o(s) episódio(s) relacionados com Saramago?
Anda a pregar um melhor aproveitamento do mar e dos campos. Quem subsidiou o abate de barcos e o abandono da agricultura? Cavaco, pois claro.
Se a manifestação da “geração à rasca” tiver incidentes graves, em certa medida se poderá imputar alguma responsabilidade às palavras de quem, outrora, não hesitaria em reprimir violentamente.
Por esta análise e pelo muito mais que poderia dizer, entendo que o discurso de Cavaco Silva foi muito pouco sério.
Fico-me com este provérbio persa: “Duas coisas indicam fraqueza: calar-se quando é preciso falar e falar quando é preciso calar-se!”