domingo, 9 de dezembro de 2012

Morte à palhaçada

Guterres e Barroso têm algo em comum: ambos fugiram da responsabilidade governativa. Têm também algo que os distingue e que abona bem mais em favor do primeiro do que do segundo. Enquanto que Guterres assume a sua quota-parte de responsabilidade no estado a que o país chegou, revelando humildade, Barroso afirma que nada tem a ver com tal situação, manifestando arrogância, provavelmente convencido que todos os portugueses são de memória curta. Aliás, o primeiro que deveria assumir responsabilidades nesse campo seria exactamente Cavaco Silva, pelo seu desempenho enquanto primeiro-ministro. Mas como ele, “nunca erro e raramente me egano”…


Barroso, que, como todos já percebemos, não pesa nada na Europa, atreve-se a opinar que espera que Portugal não reclame o princípio de igualdade de tratamento feito à Grécia. Grande patriota e enorme visão…pensará ele.

Portugal não pretende - por enquanto, mas por este andar não sei se chegará lá – que lhe perdoem dívida. Deve querer, isso sim, que lhe apliquem os mesmos juros e lhe dêem mais tempo, que poderá nem ser, necessariamente, o mesmo que dão à Grécia. Isso sim, é ajudar Portugal e é contribuir para que, efectivamente, nós não venhamos a sentir necessidade de ter de pedir perdão de dívida. Antes que isso possa a vir a acontecer, seria bom que nos preveníssemos.

Barroso e os nossos governantes são umas marionetas nas mãos da senhora Merckel e companhia. Se, pelo menos fossem coerentes, não dissessem hoje uma coisa e amanhã o seu contrário, ainda poderíamos achar o seu discurso mais ou menos aceitável. É mais sensato ser “cassete” do que “cata-vento”.

Vivam os palhaços autênticos, os que nos fazem sorrir, mesmo que o seu coração esteja de luto, morte à palhaçada que nos proporcionam governantes e acólitos.



sábado, 1 de dezembro de 2012

Haja bom-senso

Desde que tenho verdadeira noção dos meus actos, sempre entendi que as regras, as leis, são para cumprir. E procuro fazê-lo tanto quanto é possível. Há, todavia, uma coisa que a Instituição Escola não me ensinou, mas aprendi na universidade da vida, a quem muito devo, que há alturas em que é necessário que o bom- senso se sobreponha às regras. Confesso que, por diversas vezes, consciente de alguns riscos que corria, não hesitei em fazer aquilo que no momento se impunha, privilegiando aquilo que para mim era o bom-senso, ignorando aquilo que a lei estipulava. Felizmente, nunca em benefício próprio, mas muitas pessoas beneficiaram de tais procedimentos.


De vários, em que fui protagonista, vou contar, de forma sucinta, apenas dois. Nos meados da década de setenta, era Presidente da Casa do Povo de Nespereira. No Distrito de Viseu, por deliberação dos responsáveis distritais, não se pagavam pensões de velhice a mulheres casadas. Em Nespereira pagavam, porque eu não compreendia como é que uma mulher, pelo simples facto de ser casada, não haveria de receber pensão. Devo dizer que nenhuma mulher da minha esfera familiar foi beneficiada com isso. Apesar de muitas ameaças, inclusive de vir a repor o dinheiro que lhes era entregue, com toda a justiça, as mulheres casadas de Nespereira sempre receberam, até que um dia se iluminaram as cabecinhas dos senhores do distrito e um pouco acabrunhados, deram-me razão e todas as mulheres casadas do distrito com direito à respectiva pensão, - a que as de Nespereira sempre tinham recebido - passaram a recebê-la.

O segundo passou-se no grande incêndio de Tabuaço, onde morreram alguns bombeiros. Eu era Inspector Regional Adjunto de Bombeiros do Norte e estava, de madrugada a coordenar as operações no quartel, onde se encontravam estacionadas todas as viaturas dos bombeiros locais, pois eles encontravam-se em estado de choque. De repente cai a informação que há uma vacaria que dentro de poucos minutos arderia se não fosse enviada uma viatura pesada de combate a incêndios. Tinha ali a viatura desejada no quartel, mas nenhum dos bombeiros que me acompanhavam conseguia conduzi-la. Era preciso agir rapidamente. Encontrei à porta do quartel um motorista de uma empresa de transporte de passageiros da terra. Disse-lhe o que era preciso. Ele e alguns bombeiros para trabalharem com a bomba e mangueiras partiram. E não deixaram que ardesse um milímetro das instalações nem morresse uma vaca. Infringi a lei? Infringi. Ainda hoje me sinto feliz por isso. Talvez o “crime” ainda não tenha prescrito. Se alguém me quiser condenar, que o faça, mas eu vou continuar feliz.

Atrevo-me, mesmo, a afirmar, e não terei dificuldades em comprová-lo, que, em muitos incêndios florestais, muito tem sido consumido por excesso de rigor no cumprimento do que está legislado, ignorando, pura e simplesmente, o que o bom-senso imporia que se fizesse no momento.

Bom, mas isto vem a propósito de situações, que eu acho de todo intoleráveis, que se vêm verificando nos transportes de emergência com ambulâncias do INEM e bombeiros, evitando transportar um acompanhante, mesmo que a vítima seja um bebé ou uma pessoa sem autonomia, sem falar, etc. Deixar um ou outro abandonado na Urgência de um Hospital, no pressuposto que um familiar vai atrás de carro é uma manifesta demonstração de não conhecer o país real, em que há inúmeros familiares que não têm carro, nem amigos ou vizinhos com carro, não têm táxi ou nem dinheiro para ele. Imaginem o estado de aflição em que fica o familiar que fica em casa! Imaginem o bebé que se vê no meio de um ambiente hospitalar sem uma cara conhecida! Cumpram-se as leis, mas sem palas que nos coarctem de ver a verdadeira realidade em que vivemos, tendo sempre em mente que, frequentemente, é mais assisado usar o bom-senso do que cumprir a lei, que não poucas vezes é cega.