terça-feira, 22 de março de 2011

De Portugal para o Brasil...com afecto

O texto de hoje foge um pouco dos temas a que, habitualmente me reporto. A vida, em cada momento que vivemos, se os vivermos atentamente, é uma autêntica escola que nos proporciona constantemente novas aprendizagens, nos leva a mudar de opinião, – só os burros é que não mudam – a alterar comportamentos, a ver as pessoas e o mundo de forma diferente, a conhecer melhor os humanos. Tal conhecimento permite-nos observar com mais acerto onde está a hipocrisia ou a franqueza, a gratidão ou a ingratidão, a lealdade ou a deslealdade, a verdade ou a mentira, a justiça ou a injustiça, a bondade ou a maldade, a humildade ou a arrogância, a competência ou a incompetência, a vaidade ou a simplicidade, o mérito ou o demérito, a valentia ou a cobardia, o altruísmo ou o egoísmo. Concluímos, assim, sem qualquer espécie de dificuldade e sem necessidade de uma inteligência acima da média, que vivemos num mundo de tal forma desinteressante, de pernas para o ar, onde sai vitorioso tudo o que é negação daqueles valores que deveriam ser universais e pelos quais, infelizmente, poucos se regem.
Entre muitas outras coisas que os nossos sentidos recolhem e o nosso cérebro descodifica, a minha sensibilidade, a minha inteligência ficam feridas com determinadas homenagens, mais abrilhantadas umas, mais singelas outras, expressas apenas em mais ou menos elaboradas, mais ou menos extensas, peças literárias.
Porque me dou conta de tudo isto, porque não gosto de reprimir os meus sentimentos, porque me repugna a mediocridade em que tantos se encontram situados, mas tudo fazem por aparecerem num qualquer periclitante pedestal; ainda porque é melhor não deixarmos para mais tarde o que é nosso dever ou gosto fazer, porque podemos correr o risco de amanhã ser tarde demais, propus-me trazer à estampa uma singela homenagem a quem merece muito mais do que umas humildes, mas bem sinceras palavras. Ainda assim, corro o risco, dada a sua modéstia, a sua simplicidade, a sua humildade, de lhe provocar algum mal-estar na hora de ter de publicar este texto no seu “Pelourinho”, que ele se apraz publicar assiduamente e onde não se cansa de homenagear os seus “torrões” predilectos, Nespereira, Vilar de Arca e Guisande, bem como seus familiares, seus inúmeros amigos e diversas instituições da sua – e nossa – sempre saudosa pátria.
Já percebeu que se trata do Nelson Valente. Em nome daquilo que acertámos quando me convidou a colaborar com o “Pelourinho”, que foi publicar os meus textos, fosse qual fosse o conteúdo e não lhes alterar a ortografia, sei que ele vai cumprir.
Algumas homenagens são mais uma espécie de vassalagem ao poder económico do que homenagem ao mérito e às virtudes. São mais um exercício de hipocrisia do que a demonstração sincera de reconhecimento, até porque muitas vezes nem existe nada ou quase nada para reconhecer. Quando se potenciam exageradamente os ínfimos méritos de uns e se ignoram os méritos de outros, trata-se, no fundo, de apostar na mediocridade e praticar a injustiça.
Desde 1968, estava eu no final do terceiro ano de cumprimento do serviço militar, que comecei a conviver, com a assiduidade que a separação por um oceano permite, com o Nelson Valente. Logo nesse ano ele me demonstrou o seu altruísmo, quando, vítima de um acidente de automóvel, fracturei uma clavícula e, não havendo as condições de hoje, ele, incansavelmente, estando de férias em Nespereira, me levou em busca de socorro. Daí para cá foram inúmeras as provas de carinho que me proporcionou, seja em Portugal, seja no Brasil, transportando-me, recebendo-me em sua casa, etc. Seria injusto olvidar também, aqui e agora, o carinho que ele manifestara, pelas mais diversas formas, pelo meu pai.
Todavia, meu amigo que porventura me lê, se eu referisse aqui apenas a gratidão que lhe devo, isto poderia parecer não mais do que o mero pagamento de favores. Não, para mim, o Nelson Valente vale muitíssimo mais do que o carinho, a amizade que me tem dispensado ao longo de estas mais de quatro décadas. Quem com ele tem tido a felicidade de conviver sabe das imensas virtudes que o exornam: altruísmo, benemerência, lealdade, frontalidade e muitas outras. Aqueles que com ele não têm tido a felicidade de privar, mas têm tido a oportunidade de ler o jornalzinho que ele carinhosamente publica e generosa e prodigamente distribui, verificam, sem grande esforço intelectual, o amor que ele dedica aos familiares, a sã amizade que distribui, o carinho e a saudade com que fala das suas terras de eleição já referidas: Nespereira, Vilar de Arca, Guisande; o carinho e a benemerência para com várias das associações nespereirenses; a motivação que procura estimular para que outros lhe sigam o exemplo. Tudo feito com a maior discrição, como é próprio das almas de eleição.
Observando tanta “parra”, tanta propaganda, relativamente a outros compatriotas, na terrinha ou na diáspora, apetece-me mandar calar as trombetas que festejam por feitos nulos e mandar seguir o exemplo de Nelson Valente.
Haveria muito que dizer sobre o que sei do seu currículo e de muito mais que não sei, mas aí sim, o meu amigo poderia arrogar o direito de não publicar por falta de espaço.
Por aqui me fico, com a consciência de que isto não é nada para o muito que ele merece.
Obrigado, grande amigo, pelo seu exemplo, pela sua amizade.


Texto escrito para o jornal "Pelourinho"

sexta-feira, 11 de março de 2011

Cavaco Silva...Chefe de Estado, do Governo ou líder da oposição

Não gosto de Cavaco Silva. Ainda há pouco tempo o escrevi. Apesar de estar já a entrar – se é que não entrei - na chamada provecta idade, sou possuidor de boa memória, de forma que recordo perfeitamente o que foi o consulado de Cavaco, enquanto primeiro-ministro, como me lembro, obviamente, de algumas trapalhadas feitas lá por Belém, no seu primeiro mandato e da sua arrogância e falta de respeito pelos eleitores, reveladas através da negação de esclarecimentos nos debates da última pugna eleitoral. A memória, de facto, impede-me de simpatizar com ele, mas poderia, eventualmente, esperar-se que um dia se corrigisse e me levasse a mudar de opinião. Antes pelo contrário. Cada vez se acentua mais a minha antipatia por aquele que, mesmo não se gostando dele, deveria ser considerado o presidente de todos os portugueses. Na sua tomada de posse, ele revelou à saciedade que não o é.
Cavaco Silva gostaria de ser um Presidente da República que fosse ao mesmo tempo chefe do governo. Gostaria do poder total. Os que têm memória lembram-se do seu autoritarismo. Aliás, aqui não difere muito de José Sócrates. O seu discurso pareceu, ao mesmo tempo, o de alguém que vai ser empossado como primeiro-ministro, pois, como sempre, ele entende que o seu diagnóstico é o acertado e conhece as respostas adequadas e, por outro lado, o discurso de um líder da oposição. Um Presidente da República que se coloca nesta posição facciosa não é, seguramente, o Presidente de todos os portugueses.
Porque não acredito que Cavaco Silva sofra de amnésia – quando lhe convém, talvez faça parecer – lembra-se do seu passado mais longínquo de primeiro-ministro e do mais recente, o seu primeiro mandato como Chefe de Estado. E porque eu tenho essa memória, o seu discurso só me pode levar a concluir que se trata de uma pessoa sem pudor, hipócrita, demagogo, faccioso, cobarde. No fundo, Cavaco Silva é um político, como a maioria dos políticos: em primeiro lugar o seu interesse pessoal. Se assim não fosse, porque razão não disse o que agora disse, antes das eleições?! Por cobardia, porque temia perder votos. E esqueceu - facciosamente? - que a nossa crise se deve, em grande medida, à crise internacional, embora todos o saibamos que não apenas graças a ela?!
O Chefe de Estado quase roçou o apelo à insurreição: esqueceu-se da sua manifesta hostilidade a manifestações, reprimindo-as, patrocinando cargas policiais.
Falou de aposta nos sectores de bens e serviços. Que fez Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro? Com o dinheiro que vinha às “carradas” da então CEE, construiu estradas como o IP3, o IP5 e outras vias, que, de mal construídas, foram, e algumas ainda são, autênticos cemitérios e outras obras que consumiram vultuosas verbas, algumas em parcerias público-privadas, que ele agora contesta, privilegiando o alcatrão e o betão.
Que fez Cavaco Silva, pela Educação, pela Saúde, pela Cultura – recordem o(s) episódio(s) relacionados com Saramago?
Anda a pregar um melhor aproveitamento do mar e dos campos. Quem subsidiou o abate de barcos e o abandono da agricultura? Cavaco, pois claro.
Se a manifestação da “geração à rasca” tiver incidentes graves, em certa medida se poderá imputar alguma responsabilidade às palavras de quem, outrora, não hesitaria em reprimir violentamente.
Por esta análise e pelo muito mais que poderia dizer, entendo que o discurso de Cavaco Silva foi muito pouco sério.
Fico-me com este provérbio persa: “Duas coisas indicam fraqueza: calar-se quando é preciso falar e falar quando é preciso calar-se!”