domingo, 15 de agosto de 2010

Algumas ideias soltas...ou talvez não

- Há muitos e muitos anos, desempenhando as funções de Comandante de um Corpo de Bombeiros, afirmava publicamente, nomeadamente para órgãos de comunicação social e à altamente deficitária brigada de fogo posto da PJ do Porto, que a maioria dos incêndios florestais tinha origem criminosa. Alicerçava a minha convicção, tendo em conta os locais e as horas a que os incêndios deflagravam. O politicamente correcto era atribuir tais ignições a outros factores. O poder e mesmo as hierarquias dos bombeiros sempre procuraram contrariar a tese do fogo posto, apesar de todas as evidências.
Enquanto dirigente da Liga dos Bombeiros Portugueses e Inspector, mantive o mesmo discurso do fogo criminoso. Poucos queriam aceitar isso, talvez porque não pretendessem que os portugueses ficassem com o rótulo de incendiários. Eu também não o pretendia, mas enterrar a cabeça na areia, fingir que Portugal é um país só de “bons rapazes” é contribuir para que os criminosos continuem à solta a transformar este país em cinzas.
Bom, onde eu quero chegar é ao seguinte: felizmente, embora “tarde e a más horas”, toda a gente já aceita, a começar pelo Ministro da Administração Interna, que a maioria dos incêndios florestais – até já atiram para o ar com 90% - é de origem criminosa.
- Tal como vem sendo hábito de há muitos anos, quando os incêndios florestais preenchem a agenda mediática, não faltam vozes do poder a defender que agora, sim, é que se vai apostar na verdadeira prevenção. Já conhecemos a música de cor. As promessas repetem-se, sejam quais forem os detentores do poder, e tudo se mantém. Ao contrário da prevenção, com limpeza das matas – anda aí tanta gente a comer os nossos impostos e sem fazer nada – construção de aceiros, pontos de água, etc., aposta-se em mais e mais meios aéreos, isto é no combate. Se as promessas se tivessem vindo a cumprir, o normal seria cada vez ser menos necessários tantos aviões e helicópteros.
Para quem estiver minimamente por dentro da problemática dos incêndios florestais e andar atento ao que se passa, ao que se diz e ao que se escreve, tem de chegar a esta conclusão: se em alguns anos a área ardida é menor do que em outros, é sobretudo devido às condições climatéricas ou porque os incendiários andam mais calmos ou menos interessados que arda. Se os resultados se devessem a qualquer estratégia de prevenção e combate, o normal seria que se melhorasse de ano para ano. O ano passado não foi mau, mas veja-se a tragédia que já vai este ano, com muito Verão pela frente, ainda.
E não se esqueça de reflectir no facto de há vinte, vinte e cinco anos termos em combate, meia ou uma dúzia de helicópteros ligeiros, com horas contadas. Os bombeiros fizeram -e continuam a fazer, no fundo, apesar de só terem louvores de circunstância, o resto são punhaladas e desprezo – autênticos milagres. Para se fazerem comparações é necessário jogar com todos os dados.
Há ainda outro problema: é que apesar de toda a abnegação dos bombeiros, que sacrificam a própria vida, falta-lhes, em muitos casos, material de combate em número e em boas condições de operacionalidade. Os últimos governantes, em vez de entregarem as viaturas de combate aos incêndios a quem deviam, isto é, aos bombeiros, entregam-nas à GNR, que pelos vistos, não zela, como devia, pela segurança dos cidadãos, prevenindo e combatendo o crime, mas está a transformar-se na força, por excelência, de combate a incêndios. Isto é uma aberração inconcebível.
- Enquanto não alterarem essa “criminosa” ideia de ter de se solicitar a presença de um técnico, a léguas de distância, ou pedir autorização para usar um contra-fogo, vão continuar a arder grandes áreas de floresta, por essa única razão. A experiência, feita de muitos combates em terrenos de declives acentuados, inóspitos, diz-me e diz a muitos bombeiros que um contra-fogo, imensas vezes, ou é feito naquele momento ou já não resulta. Conceber uma legislação dessas é de quem não tem “miolos”. Só muita incompetência pode permitir tal monstruosidade. Já o afirmei por diversas vezes: se estivesse a comandar as operações num incêndio, se entendesse que em determinado momento a melhor solução, talvez a única, era um contra-fogo, executava-o imediatamente. Depois punissem-me.
- O meu amigo Jaime Soares, Comandante de Bombeiros de Vila Nova de Poiares, Presidente da Câmara do mesmo concelho, Vice-presidente da Associação Nacional de Municípios, Presidente da Mesa de Congressos da Liga dos Bombeiros Portugueses, quando se trata de matéria de bombeiros vê-se aflito para saber exactamente de que lado há-de estar. Tanta experiência, aliada à inteligência, dão-lhe, todavia, a capacidade de saber, como ninguém, quando é preciso, “dar uma no cravo e outra na ferradura” e muitos nem se apercebem.
Ele sabe que muitas Câmaras não dão o apoio necessário, sobretudo em situações de incêndios florestais, aos bombeiros. Isso é uma verdade que facilmente se comprova. Jaime Soares sabe, eu sei, você sabe que muitos bombeiros teriam já morrido à míngua, se estivessem à espera do apoio logístico das autarquias. O que lhes vale, muitas vezes, é o apoio das suas próprias estruturas, dos populares, de estabelecimentos de restauração, de pequenas e grandes superfícies, que lhes fornecem água, leite, pão e outros produtos alimentares.
Poderia aqui lembrar também as inúmeras Câmaras que não estão disponíveis para criar as Equipas de Intervenção Permanente, o que revela a pouca importância que dão ao socorro e o pouco respeito pelos Corpos de Bombeiros
Quanto aos Comandantes Municipais estou com ele. As leis são para cumprir e nesse aspecto há muitas Câmaras em infracção, mas não são necessários. Para conflituar, para arranjar mais confusões na coordenação, para ser mais um problema do que uma solução, já bastam os GIPS da GNR, em má hora criados, retirando homens aonde eles deveriam estar e dando-lhes meios que deveriam estar nos Corpos de Bombeiros.
- Não consegui deixar de esboçar um sorriso, embora o assunto seja demasiado sério para poder dar vontade de rir, ao ouvir o Ministro da Agricultura sugerir que os terrenos abandonados deveriam passar para a posse do Estado. Para quê? Para continuarem abandonados?! Alguém reconhece ao Estado um bom exemplo nessa matéria?
- Ontem, 14 de Agosto, vi, no “sítio” da ANPC, na descrição de um incêndio em Cabril – Lindoso – PNPG, com 53 bombeiros, entre outras forças, ter como comandante das operações de socorro o Cabo Torres do GIPS da GNR. Ao que isto chegou!
- Os responsáveis pelas mortes dos nossos heróis bombeiros, que hão-de certamente estar num sítio mais justo, não são apenas aqueles que incendeiam as matas, mas também muitos dos que se sentam nas diversas cadeiras dos diversos poderes.

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