sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Desabafos

Muito provavelmente porque já estou numa idade em que se recordam mais facilmente os factos longínquos – no tempo – do que os mais recentes, numa idade em que ainda é bem forte a vontade, mas bem mais fraca a força, apetece-me a recuar uns bons anos atrás. Também um pouco para tentar esquecer as agressões constantes de que são vítimas polícias e idosos, passando pelos membros da família e todos os que se cruzarem com gente criminosa, aos molhos, que anda por aí, à solta, muita dela com a bênção de juízes indignos desse nome e ainda as agressões que nos são infligidas – a quase todos - sem dó nem piedade, pela dupla merkliana Coelho-Gaspar.
Já por diversas vezes me tenho referido ao assédio sexual. Vou fazê-lo uma vez mais e vai ver como já há meio século estes pobrezinhos indefesos que são os homens eram vítimas de assédio sexual por parte das mulheres.
Era eu já professor efectivo, quando fui chamado a cumprir serviço militar obrigatório. Depois de ter passado por outros quartéis, estava no Regimento de Artilharia de Costa, em Oeiras, onde me mantive cerca de três longos anos. Habitualmente tomava a “bica”, como por lá se chamava ao nosso “café”, após o almoço, num pequeno bar subterrâneo, na estação de caminho-de-ferro. À mesma hora fazia o mesmo uma garota linda, escultural, aquilo a que nós chamávamos um “monumento”. Como apreciador do belo que ainda me prezo de ser ( e nada há de mais belo do que uma mulher), percorria-a, com o meu olhar, de alto a baixo. Ia olhando…apenas olhando.
Um dia, passados não muitos dias, a garota aproxima-se de mim e, numa voz angelical, questiona-me:
- É professor, não é?!
Militar era fácil saber que eu era, pois via-me fardado, mas onde dianho teria ela ido descobrir que eu era professor?!
Bom, como diria a Teresa Guilherme “isso agora não importa nada”, respondi-lhe:
-Sou, sou, pode sentar-se se quiser.
Anuiu e, ao mesmo tempo que se sentava, dizia:
- Tenho umas dúvidas que gostaria que mas tirasse.
- Com certeza, desde que isso esteja ao meu alcance – retorqui, eufórico, confesso.
Cá está um assédio de que eu não me queixaria à polícia.
Era uma ribatejana universitária e vivia num quarto alugado, ali a dois passos da estação e do quartel.
Combinámos um jantar para esse mesmo dia, num simpático restaurante, em Carcavelos. Ambiente acolhedor, mais propício a encontros românticos do que para dar qualquer explicação sobre matéria escolar. Quando saímos, mais parecíamos dois jovens a arder de paixão do que duas pessoas que mal se conheciam ainda. Ela tinha uma voz melíflua, uma ternura indescritível. Chegados a casa, os senhorios, um casal de reformados, dormiam.
Sem necessitar de muita persuasão, mas imensa cautela, pé ante pé, não fossem os velhos ouvir, entrei no quarto dela. E com ela dormi (creio que nessa não dormi) a primeira de muitas noites. Jamais dormi no quartel, a não ser quando as escalas de serviço a isso me obrigavam. Passei a ter uma doce e terna companheira, tão terna e tão meiga que de quando em vez me recordava que deveria ir ao Porto visitar a namorada a sério que ela sabia que eu tinha. Ou será que o que ela queria era uma folgazinha?! Nunca acreditei nisso.
Passei a ter sempre roupa bem lavada e impecavelmente passada a ferro. Boa Lili. Que será feito de ti? Tinha todos os dotes para fazer um homem feliz. Obrigado, Lili, onde quer que estejas, na Terra, ou, sei lá, no céu, pelos bons momentos que passámos. Foi-se a tropa, foi-se a Lili. Ambos sabíamos que o fogo que nos incendiava os corpos só durava enquanto durasse a minha guerra, isto é, a minha permanência naquele quartel. Faço votos para que ela, se for viva e casada, seja feliz com seu marido como eu sou com minha mulher, minha namorada de então, a sério, embora traída, reconheço. Era uma mera traição física e com tempo determinado.
Nessa época, as namoradas e as próprias esposas perdoavam tudo. Os homens, por força da guerra e da emigração eram tão poucos que qualquer traste era considerado “artigo de luxo”. Lembro-me que, por assim ser, um colega meu, bem mais velho e engraçado dizia que as mulheres que conseguissem arranjar namorado e casar deveriam pagar imposto. Bom, o melhor é falar baixinho, porque se o Coelho ou o Gaspar se lembram disso, lá vem mais um imposto.
Resta referir que nunca cheguei a saber, nem disso fiz questão, quais as dúvidas que queria que lhe tirasse. Provavelmente dissipou-as mesmo sem perguntar.
Agora diga-me se entre nós os dois não fui eu quem foi vítima de assédio sexual!
“Ce que femme veut, Dieu le veut” , que numa tradução livre se pode dizer que a mulher consegue sempre aquilo que quer.

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