sábado, 7 de agosto de 2010

O orgulho

Há por aí muitos indígenas que, frequentemente, afirmam o orgulho que sentem pelos inúmeros aspectos positivos que descobrem nesta nossa freguesia de Nespereira, do território cinfanense e pelas incontáveis virtudes que também ousam descortinar em alguns conterrâneos, virtudes inexistentes ou altamente inflacionadas. Só inconfessáveis desígnios, que os mais atentos facilmente percebem, justificam semelhante verborreia. São pessoas que não encontrando em si muito de que se orgulhar, encontram nisso a forma de revelar, ilegitimamente, embora, o seu orgulho. E cai sempre bem dizer o melhor possível da nossa terra e das suas gentes e dá alguns votos a quem já não conseguir sobreviver com vaidosa visibilidade, “à tona”, digamos assim, sem eles.
O que os meus sentidos me mostram, salvo raras excepções, são, quando muito, virtualidades, mais do que realidades, que parece nunca, ou só muito tarde, se concretizarem.
Tenho aqui um terreno fértil para espraiar as minhas ideias, mas não quero fugir muito daquilo que me motivou a fazer esta reflexão: exactamente a expressão orgulho, que já no início do texto colocara em itálico.
Quando as pessoas exaltam, por exemplo, o orgulho bairrista, estão a deturpar o significado da expressão que é um sentimento que tem a ver exclusivamente com o próprio indivíduo. O orgulho é “o elevado conceito que alguém tem de si próprio”. Quando alguém se agarra ao orgulho bairrista ou mesmo nacional, das duas uma: ou não encontra em si próprio méritos que o faça sentir orgulho, como já referi atrás, ou, por vaidade aliada ao orgulho, considera que ele próprio é dotado de méritos que contribuem para que a terra ou a nação sejam reconhecidos. É a vaidade a sobressair do orgulho. Sentir orgulho pelos outros pode ser uma atitude muito bem vista, até altruísta, mas atenta contra o verdadeiro significado da palavra. Não tenho que sentir orgulho pelos méritos, pelas qualidades, pelos sucessos dos outros, devo, isso sim, comungar da sua felicidade.
Infelizmente, o que se vê muito, é a exaltação externa, pública, do orgulho, pelos feitos de outros, quando isso transporta benefício pessoal ou político, mas, mesmo assim, internamente, a inveja rói sem cessar.
Sem menosprezar o que de bom existe, nem aqueles que para isso tenham contribuído, antes pelo contrário, eu interrogo-me se, a chegar ao final do segundo lustro do século XXI, existe motivo para eu mostrar satisfação – se preferir leia para me sentir orgulhoso – se a nossa terra (a colocação dos diversos itens é aleatória, não reflecte qualquer índice de valor ou prioridade):
- não tem uma estrada nacional que nos leve e traga com segurança e com alguma rapidez;
- não tem saneamento básico, não obstante algumas infra-estruturas de razoáveis dimensões;
- não tem abastecimento de água domiciliária;
- não tem um Complexo Escolar e Desportivo;
- não tem uma Unidade de Saúde verdadeiramente digna desse nome;
- não tem um Posto de Correios;
- não tem um Posto de Autoridade Policial;
- não tem qualquer instalação hoteleira, uma simples residencial com meia dúzia de quartos, com quartos de banho privativos, como é óbvio que hoje aconteça;
- não tem uma verdadeira estrada que sirva Lourosa e Paradela;
- tem o Largo da Feira, requalificado vergonhosamente, complicando o acesso à parte norte e nascente, nomeadamente Bacelo e Granja, deixando lá um mamarracho inútil que é o coreto e colocando lá outro mamarracho que são as instalações sanitárias, ainda por cima sem funcionarem;
- tem o Rancho Folclórico a construir a sua sede e um museu, na Granja, sendo que não vai lá um autocarro e, na maior parte do percurso, nem dois carros ligeiros se cruzam;
- tem algumas associações que não têm um espaço, ainda que mínimo que seja, propriedade sua;
- tem os campos por cultivar e os montes e caminhos por limpar;
- tem imensa gente sem trabalhar, ao que se diz, a viver à custa dos impostos dos que trabalham ou já trabalharam;
- tem outra gente que recebe subsídio de desemprego ou Rendimento Social de Inserção e trabalham, não pagando impostos, nem ela nem aqueles para quem trabalha, obviamente;
- ninguém fiscaliza, porque é desagradável, incómodo;
- no lugar da Vista Alegre, desde há algumas dezenas de anos que as diversas Juntas de Freguesia têm dado terrenos (com que legitimidade?) para construção ( em reserva ecológica), em muitos casos para segunda habitação, que alguns vendem (ou casa ou terreno), sem que nenhum autarca tenha tido a ousadia de acabar com esse negócio. Como se isso fosse pouco, nem sequer nunca se preocuparam em fazer pelo menos um projecto de loteamento, feitas as diligências que tivessem de ser feitas, de modo a que as casas ficassem devidamente alinhadas e com acessos largos e fáceis. É ver a vergonha que lá está, num lugar em que a maioria das casas (algumas parecem mansões, pouco compatíveis com o facto de estarem construídas em terreno cedido gratuitamente) tem menos de quarenta anos, altura em que eu já alertava os autarcas de então.
Se alguns afirmassem publicamente as afirmações que autarcas lhes fizeram!... A quanto obrigam os votos!!! Pelo menos, à falta de independência, de coragem e, em alguns casos, até à falta de vergonha!
Já agora, festas e mais festas é que não faltam. E peditórios também. Com tanta festa, chego a não perceber onde está a crise.
Cá por mim, que quis ficar nesta terra por amor, que mantenho, e fazer algo por ela, ainda que em prejuízo de uma outra carreira para a qual sentia maior vocação, não sinto qualquer satisfação com isto. Se você acha que é nisto que deve ter orgulho, faça bom proveito.

2 comentários:

  1. Caro companheiro. Para além do incomodar diariamente com uma chuva de emails, também sou leitor frequente das suas Bombeirices. E a de hoje levou-me a alinhavar algumas palavras. Como sabe, não tenho por enquanto, o privilégio de conhecer a Nespereira, aldeia a que tem amor, mas a que não deixa de apontar as insuficiências da mesma que não lhe dão orgulho. Com a sua descrição fiquei de certo modo triste com as realidades apontadas, mas pior do que isso, sou obrigado a concluir, tendo em conta o que conheço de outras muitas aldeias deste país, que afinal o mal não estará só aí. Esta constatação não aliviará o seu pensamento acerca da sua aldeia. Mas de facto, por essas e por outras é que o interior está cada vez mais deserto, mais abandonado. E é pena. Perdeu-se tempo, desbaratou-se dinheiro, quando o havia com fartura, sempre a favor dos mesmos sendo que alguns até conseguem construir mansões em terrenos considerados Reserva Ecológica, que lhes foram dados, sabe-se lá porquê. É este o País que temos. Não foi para isto que nos foi dado pelos nossos antepassados, mas é assim que o vamos deixar aos nossos netos.
    Que nunca lhe falte a coragem para dizer a verdade, por mais dura que ela possa ser e por muito que lhe custe dar nota pública da mesma.
    Um abraço
    Carlos Pinheiro
    07.08.10

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  2. Temos aquilo que alguns pensam que nós merecemos

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