sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Desabafos

Com o hábito que os portugueses, sobretudo os nortenhos, têm de falar alto na rua, nos transportes públicos, nos cafés, nas salas de espera de hospitais, centros de saúde ou de outras instituições, é fácil apercebermo-nos do que dizem e do estado de espírito dessas pessoas. Uma das expressões que tenho ouvido com muita frequência é “ladrões”. Pelo decorrer da conversa que involuntariamente oiço, rapidamente me apercebo que a dita expressão se refere a quem tem a responsabilidade de nos governar. Ponho-me a meditar sobre o assunto. E se por um lado verifico que a democracia vai “sofrendo tratos de polé”, com o povo a ser desrespeitado constantemente, a ponto de entender que todos devemos estar em alerta, por outro, constato que por enquanto ainda se pode usar uma linguagem que há quarenta anos nos levaria facilmente aos calabouços da PIDE/DGS. Mas não há que fiar.
Meditando depois sobre a expressão propriamente dita ou seja “ladrões”, muito embora ela possa parecer exagerada, é a que vulgarmente as pessoas utilizam para referenciar quem rouba. De facto, muita gente se sente roubada por um governo que tem um primeiro-ministro de direito – o primeiro-ministro de facto é o Relvas, o que disse que o corte dos subsídios de Natal e de Férias eram para sempre – que, depois de afirmar, enquanto líder da oposição, que não se poderiam pedir mais sacrifícios aos portugueses, agora não tem feito outra coisa senão espoliar despudoradamente os bolsos dos nossos compatriotas. Que outra coisa se deve chamar para não parecer tão feio? Gatuno?! Larápio?! Trapaceiro?!
Eu, enquanto funcionário público, fiz uma carreira contributiva completa. Nem lhe poderia fugir. Fi-la, na expectativa legítima que teria até ao final dos meus dias catorze meses de pensão. Assim tem sido desde há uns anos. Eu ainda não morri e as regras não devem ser alteradas a meio do jogo, por isso também eu me sinto roubado. E que devo eu chamar a quem me rouba? Ladrão, obviamente.
Um outro aspecto relacionado com este que eu quero abordar é o seguinte: diz o governo que quer acertar as contas públicas, sobretudo através da despesa. Concordo que assim deva ser, mas não é exactamente esse o caminho que está a seguir. Dizer que o Estado vai reduzir a despesa à custa do corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos pensionistas é uma falsa questão. Como os referidos cortes se tratam de um assalto aos bolsos dos ditos, como se os pobres coitados tivessem, eles e só eles, cometido o crime de empobrecer o país, trata-se de uma receita que o governo desavergonhadamente arrecada e não de uma redução de despesa.
E já agora essa de os funcionários públicos ganharem mais do que os das empresas privadas é uma balela. Porque será que ouvimos tantos ministros e outros políticos dizerem que ganhavam mais nas empresas privadas do que enquanto no exercício de cargos políticos?!
Tenho um filho e uma filha: ele tem uma licenciatura de cinco anos e trabalha numa empresa privada; ela tem um mestrado daqueles que se fizeram depois de uma licenciatura de cinco anos e trabalha numa instituição pública. Ele ganha muito mais do que ela, tem carro e mais uma série de regalias. Ele vai continuar a receber, felizmente, o subsídio de férias e de Natal. Ela nem um nem outro. Onde está a justiça?
Por falar em justiça, cada vez que lemos ou ouvimos um órgão de comunicação social, entram-nos pelos olhos ou pelos ouvidos factos que nos levam a crer cada vez menos nela. Não acreditarmos nela, que é o que cada vez acontece mais, pode levar as pessoas a procurar fazer justiça pelas suas próprias mãos. Se já vivemos num clima de grande insegurança, se chegarmos a esse ponto a situação piorará.
Quando tomamos conhecimento que desembargadores – não foram juízes principiantes – absolvem um médico que violara uma mulher a quem puxou a cabeça para lhe fazer sexo oral e ainda a atirou para cima da marquesa, que confiança poderemos ter em quem julga?!
Culpa de quem? Provavelmente dos operadores e das leis. Leis, muitas delas que terão sido propositadamente feitas para os poderosos, os que têm dinheiro para recursos e mais recursos e beneficiar das entrelinhas dessas mesmas leis a que só eles têm acesso.

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