segunda-feira, 27 de julho de 2009

Padres na política

Aqui há uns anos atrás, não muitos, entrei numa igreja católica de uma cidade satélite do Porto, quando um sacerdote proferia a homilia da missa que celebrava. Mais pela voz do que pelo físico, já que me encontrava relativamente distante e a igreja estava pouco iluminada, como convém, para se tornar mais convidativa à meditação e à atenção da palavra que normalmente afirmam ser a de Deus, reconheci de imediato o sacerdote. Era um amigo de há muitos anos, reconhecido na diocese de Lamego pelos seus dotes oratórios, daí ser frequentemente convidado para pregar os sermões das missas festivas que se realizavam nas diversas igrejas e capelas da região. Já não prega mais porque não está entre nós. Sabia da sua concordância e defesa das ideias de Salazar, aliás à semelhança de uma grande parte dos seus companheiros padres, sobretudo os que paroquiavam os meios rurais mais pobres. Aliás, à época, tinham o exemplo no próprio Cardeal Cerejeira. Padres, que combatessem a doutrina de Salazar, existiam alguns, entre os quais avultava o Bispo D. António Ferreira Gomes. Não devemos esquecer que se deve muito ao clero, ao nível da educação, da instrução, da acção social, mas também se lhe deve muito na ajuda à manutenção do obscurantismo político em que vivemos durante décadas. Alguns padres católicos eram autênticos suportes e propagandistas das ideias do regime vigente. Conheci e tenho e tive amigos – alguns já partiram – uns que defendiam o Estado Novo, outros que o combatiam conforme podiam. Sempre tiveram no púlpito, um palco privilegiado, para difundir as suas ideias, que muitas vezes, pouco tinham a ver com a palavra de Deus e um público crente, cheio de fé, com a certeza que o sacerdote era o representante de Deus na Terra e por isso a sua palavra só poderia ser sábia, só poderia indicar o caminho correcto. Não é por acaso que, ainda hoje, todos os políticos, procuram ter relações amistosas com o clero, ainda que sejam ateus, agnósticos ou perfilhem qualquer outra religião que não a católica.
Bom, voltando ao referido sacerdote que encontrei, ele fazia uma apologia, o mais explícita possível, de toda a doutrina de Salazar, atacando veementemente, com uma virulência inusitada, praticamente todas as ideias que nasceram e se começaram a praticar após a Revolução de Abril, apontando a esta mesma Revolução todas as maleitas que sempre existem, seja qual for o regime político em que vivemos. Estávamos já nos primeiros anos deste século XXI. Uma grande parte das pessoas mostrava cara de espanto, com semelhante oratória, bem construída, o que revelava que ele estava na posse de todos os seus dotes que o fizeram conhecido e reconhecido no seio dos seus pares e dos fiéis, embora outras talvez dessem a sua concordância. De qualquer forma, fiquei impressionado, não pelas suas ideias, das quais discordava, mas respeitava, mas porque ali não era o sítio nem o momento para tamanho despautério político.
Hesitei em esperar pelo fim para cumprimentar o octogenário prelado. Sabia que, dada a minha frontalidade, dificilmente o nosso contacto se faria sem eu me pronunciar relativamente à homilia. Pensei então que mais valeria não proporcionar qualquer conflito que pudesse beliscar as relações amistosas que sempre mantivemos e fui-me embora. Nunca mais o vi. Passados uns meses faleceu.
Lembrei-me deste episódio, a propósito de ver as candidaturas de alguns padres católicos aos dois actos eleitorais que aí vêm. Obviamente que não é nada de inédito nem tais candidaturas me provocam qualquer repulsa, não obstante muitos padres católicos destinarem muitíssimo mais tempo a outras actividades do que àquela que os levou a optar pelo Sacramento da Ordem, que às vezes mal se nota. O que me choca, de facto, é que muitos padres se servem do púlpito para fazerem a sua campanha política. Aliás, isso é notório até em vários que não sendo candidatos, fazem campanha pelos candidatos ou partidos que apoiam. Alguns, a acreditar no que se ouve, se não chegam, dentro da igreja, a indicar de forma explícita, onde hão-de pôr a cruzinha nos boletins de voto, fazem-no de forma implícita ou vão a casa dos paroquianos.
É perfeitamente aceitável que intervenham activamente ou não na política, que tenham as suas preferências, mas que se sirvam do altar para propaganda política é absolutamente condenável, aliás, como a qualquer outro indivíduo, patrão ou chefe, fazê-lo no seu lugar de trabalho, tentando influenciar os seus subordinados, ou a qualquer dirigente na instituição que dirige.
Bem sei que a doutrina religiosa muitas vezes se entrelaça, se confunde com doutrina política. Aí não há nada a fazer. Os clérigos não vão deixar de pregar, de espalhar a doutrina da Igreja, só porque há segmentos políticos que defendem as mesmas ideias. Dou-lhe um exemplo: eu aceito perfeitamente que um sacerdote, mesmo em altura de campanha para descriminalizar o aborto, se pronunciasse, na Igreja, contra o mesmo aborto. Estava a defender a doutrina da Igreja, por mais que concordemos com ela ou não. Mas pregar a doutrina é muito diferente de fazer campanha eleitoral, em proveito próprio ou de outrem. A todos se exige ética, mas – não será injustificado afirmá-lo - com maior razão, a um padre.

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