terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Desabafos

Numa altura destas, os votos que se costumam fazer, com maior ou menor dose de hipocrisia, são os de bom Natal e bom Ano Novo. Ser-me-ia muito fácil usar esse lugar-comum, gasto de séculos, se eu não estivesse habituado a reflectir sobre as palavras, as expressões e o seu verdadeiro alcance. Não obstante eu não poder garantir peremptoriamente que nunca utilizo banalidades naquilo que procuro transmitir, pelo menos esforço-me por sair delas tanto quanto posso. Não me sinto bem, pois, a vomitar tais expressões, quando sei que pelo que já sofrem, pela desesperança quanto ao futuro, nem as festas, nem o novo ano serão necessariamente bons, de acordo com o conceito genérico de festas felizes. Antes pelo contrário. Temos que medir a nossa felicidade por outros padrões, que não sejam a capacidade de dar e receber presentes, a capacidade de ter a mesa mais do que farta, a capacidade de termos quase tudo o que queremos ainda que uma grande parte seja absolutamente supérflua.
Sem esquecermos o direito à indignação e à revolta por nos roubarem aquilo que por direito nos pertence, mas ao mesmo tempo nos lembrarmos que há sempre alguém em pior situação que a nossa e Natal é sobretudo ser genuinamente solidário, se o formos, então será Natal. Deixe-me reflectir em voz alta: se porventura vive na minha cabeça e no meu coração o verdadeiro espírito de Natal, se eu visto todas aquelas virtudes que se associam normalmente ao Natal, mas que devem ser de todos os dias, como é que eu posso, ainda que com uma mesa farta, com a família à volta, presentes talvez em quantidade exagerada, como é que eu posso, dizia eu, ter umas Boas Festas, se tanta gente está em sofrimento profundo? É que, para além do sofrimento pelo estado actual, as pessoas não conseguem desligar-se do bem pior que será o próximo ano. Aliás, os governantes, fazem questão de não os deixar esquecer.
“Não se podem pedir mais sacrifícios aos portugueses”. Foi com esta frase de esperança, que se veio a reconhecer não corresponder às verdadeiras intenções, que Passos Coelho ganhou as últimas eleições legislativas, conquistando o “poder” de nos – vejam o paradoxo – matar a esperança, derrubando sonhos atrás de sonhos. Cada vez que abre a boca é para derrubar mais um alicerce, dos poucos que ainda restam, da esperança dos portugueses. E mata-a de tal forma cínica que não encontra melhores alternativas que não seja mandar emigrar.
Por isso, meu amigo, com esta crise em que a maioria de nós já vive e na certeza anunciada - parece até com laivos de sadismo - de que piores dias se aproximam, por políticos que entendem que não podem afectar aquilo que julgam ser a sua credibilidade junto de países e instituições usurárias, ainda que para tanto tenham de esmagar, espremer até ao tutano, os seus compatriotas, exprimir desejos de bom Natal ou bom ano de 2012, parece-me um banal exercício de retórica, direi mesmo de cinismo, que não fica nada bem a quem se tem por amigo. Não o farei. Nestes tempos difíceis que vivemos, sobretudo atormentados – os mais velhos, como eu - pelo futuro que estará reservado para os nossos filhos, os nossos netos, terei, mais do que nunca, os meus amigos, os conhecidos, os indiferentes, presentes no meu pensamento, numa união espiritual muito forte, muito sentida, que eu espero que se expanda, que a todos toque, para que nos sintamos juntos, encontremo-nos em que parte do mundo for.
Espero que sobrevivamos com a força que a míngua nos permita para não calarmos a nossa voz e denunciarmos e repudiarmos sem tibiezas as agressões que gente insensível ao sofrimento sobretudo dos mais desprotegidos, dos mais vulneráveis, não consegue manifestar uma palavra de esperança, antes pelo contrário, cada vez que debita afirmações é de que amanhã será pior. Poderiam, pelo menos, ter a humildade de aceitar que não são capazes de fazer melhor. Não, do alto da sua arrogância, sempre exalam essa frase já bolorenta: “Não há alternativa”.
Sejamos mais solidários, não apenas no dar e receber, mas também na defesa do que são os nossos legítimos direitos, para que todos possamos sobreviver às investidas ferozes, ilegítimas.
JUNTOS, na defesa não da minha causa, da sua causa, mas das causas que nos são comuns, como o direito a que não nos explorem, não nos roubem, só assim poderemos dizer que é Natal.

1 comentário:

  1. Caro companheiro e amigo.
    Permita-me que faça minhas as suas palavras. Nesta época que deveria ser de esperança mas que já é de descrença visto que os factos contrariam, todos os dias,as palavras proferidas por esta gente que devia governar,resta-nos resistir, estar alerta e alertar os que nos rodeiam para as desgraças anunciadas.
    Um abraço
    Carlos Pinheiro

    ResponderEliminar