terça-feira, 4 de agosto de 2009

A linguagem

Stendhal afirmou: “A palavra foi dada ao homem para dissimular o pensamento”. Obviamente, não é sempre exactamente assim. Muitas pessoas usam a linguagem, quase exclusivamente, para exprimir, com exactidão, aquilo que pensam. Mas não há dúvida, de facto, que muitos a usam, pelos mais diversos motivos, para ocultar os seus pensamentos, debitando ideias que não têm nada a ver com as suas. Interesses pessoais, profissionais, políticos, os levam a isso. Aliás, em comunhão com a linguagem, o “modus vivendi” que alguns exibem, servem para dar uma imagem, um retrato completamente diferente da realidade que é verdadeiramente a sua. São hipocrisia da mais pura, a linguagem, os jeitos e trejeitos, o relacionamento com os outros.
A linguagem, que deveria servir unicamente para transmitirmos fielmente as nossas ideias, os nossos pensamentos, para nos comunicarmos, para nos darmos a conhecer, para nos identificarmos, serve, em muitos casos, para mentir, para enganar, para vigarizar, para revelar pessoas que realmente não somos.
Quando ouvimos ou lemos pessoas que não são do nosso meio, que, se conhecemos, é apenas dos livros ou dos “media”, é muito difícil sabermos se o que afirmam tem correspondência com o que pensam ou não. Quando se trata de pessoas que conhecemos minimamente, é mais fácil saber se as suas afirmações correspondem às suas ideias, à sua filosofia de vida. Então, temos oportunidade de verificar que existem dois tipos de pessoas: aquelas que dizem sempre ou quase sempre o que pensam e aquelas que normalmente só dizem aquilo que lhes convém.
É interessante verificar como há pessoas que opinam sobre hábitos, práticas, actos de outros, condenando-os, porque de facto são condenáveis, numa espécie de curadores dos bons costumes, quando eles próprios são detentores de tais atributos. Se é que isso nunca foi feito, creio que tal comportamento merecia um estudo por parte de psicólogos e, quiçá, sociólogos, para que ficássemos a saber se tal comportamento se deve ao facto das pessoas não se reconhecerem, isto é, não reconhecerem em si aquilo que vislumbram nos outros, ou se será porque imaginam que todos os que os ouvem ou lêem são estúpidos. Gostaria realmente de conhecer os resultados de um estudo nesse sentido. Se ele revelasse que as pessoas realmente não se reconhecem, deixaria de sorrir; se revelasse que julgam os outros estúpidos, ria abertamente.
“É melhor que fale por nós a nossa vida, que as nossas palavras” – Mohandas Gandhi.
Sobretudo nos políticos, a prática da manipulação da palavra, de ver no adversário os seus próprios defeitos, é vulgaríssimo. Falam como se todos fossem estúpidos e destituídos de memória.
Sócrates promete 200 euros a cada criança que nascer em Portugal, para serem depositados e levantados aos dezoito anos. No país que somos, no país que temos, não tem sentido. Os pais a quem verdadeiramente essa ínfima importância puder dar algum jeito é logo nos primeiros dias ou meses de vida. Mesmo pequena, a importância terá algum significado para usar livremente e de imediato pelos pais. Não sendo assim, mais do que a sua relativíssima importância será mera propaganda eleitoral.
Ferreira Leite, à semelhança de outros líderes da oposição, tem acusado o governo de Sócrates de despesista. É outra que se não reconhece. Um estudo feito por um catedrático americano conclui que o maior aumento de despesa se deu nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes, logo seguido do de Cavaco Silva. No governo de Durão Barroso era Manuela Ferreira Leite exactamente a ministra de Estado e das Finanças. Ainda de acordo com o mesmo estudo, o governo de Sócrates foi o único, desde 1985, que reduziu a despesa pública. Manuela deveria lembrar-se disso quando abre a boca a falar de despesismo.
Como diria o nosso povo: “chama-lhe antes que te chamem a ti”.
Cá vai mais uma que mostra como alguns políticos pensam que somos estúpidos e a grande hipocrisia que ostentam. Manuela Ferreira Leite – outra vez a Manuela - interrogada sobre as declarações de Marques Mendes acerca dos candidatos com processos em tribunal, com toda a desfaçatez, afirmou que estão disponíveis para fazer tudo o que for possível a favor da transparência na política, mas agora é tempo de proximidade eleitoral, não é oportuno tratar disso, pois significaria demagogia, populismo. Estou de acordo que agora não é o momento certo. Mas, e os anos que já passaram desde que o projecto foi metido na gaveta?! Também não foi oportuno?! Claro que não. Para muitos políticos não vai ser nunca oportuno, porque vai mexer com muita gente com quem não é conveniente mexer.
Claro que as afirmações são de Ferreira Leite, por isso me refiro a ela, mas as culpas terão de ser repartidas, sobretudo, pelos dois maiores partidos.
Isaltino Morais, o autarca de Oeiras e ex-magistrado do Ministério Público, foi condenado a sete anos de prisão. Tem-se fartado de clamar inocência, afirmando que foi condenado sem que qualquer crime de que estava acusado fosse provado. A linguagem, que deveria ser sempre e apenas a expressão da verdade, está tantas vezes conotada com a mentira, o disfarce, o paradoxo, a hipocrisia, a demagogia, a vigarice. Como Isaltino vai recorrer, não há trânsito em julgado ainda, recandidatar-se-á, segundo ele. Dado que é muito típico dos portugueses afirmar “que importa se rouba se faz obra”, não me surpreenderei muito se ele vencer as eleições, provavelmente, para depois perder o mandato, porque, se ele de facto pecou, obra parece que também fez. É esta a política e os políticos que escolhemos, com a linguagem que temos, do povo que somos, no país em que vivemos.

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