segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Mais uma tragédia

Ninguém terá ficado indiferente à tragédia que no final da semana transacta ceifou a vida a cinco pessoas, com a derrocada de uma falésia na praia Maria Luísa, em Albufeira, sendo que quatro eram uma família completa: um casal e suas duas únicas filhas. Como qualquer pessoa normal e apesar de já ter estado envolvido mais directa ou indirectamente em algumas tragédias, não deixo nunca de me chocar, de me entristecer, de reflectir. E reflectia sobre esses temas que parece colher pouco interesse de quase toda a sociedade portuguesa, desde pessoas com responsabilidades várias até ao cidadão comum, que são prevenção e segurança. Não me canso de reflectir sobre isso, não me canso de alertar, mas, infelizmente, parece que continua a ser uma fatalidade dos portugueses pensar que as coisas sempre acontecem aos outros e nunca aconteceriam naquele momento em que estão ou vão a passar. E as pessoas do poder, dos vários poderes, parecem afinar pelo mesmo diapasão. Vão postergando, colocando umas placas, o que nem isso sempre se verifica, e um dia a tragédia acontece. Foi assim em Entre-os-Rios, onde nem só as condições climatéricas adversas poderiam ser responsabilizadas, são viaturas automóveis que caem em ravinas, por falta de barreiras de segurança, foi agora a tragédia do Algarve.
Nem uns nem outros se devem desresponsabilizar. O cidadão que vê uma placa a anunciar perigo e não dá importância ao facto sofre de incúria, que muitas vezes é fatal. E, se nós todos, simples cidadãos até temos a noção de que o poder, seja local ou central é muito mais de pecar por falta de zelo do que por excesso dele, seria natural que pensássemos que uma placa a indicar perigo, poderia significar muito perigo ou perigo iminente. Devíamos, pois, cuidar-nos. Por sua vez, o poder, só porque colocou umas placas de aviso, não deve, não pode ficar com a consciência aliviada. Há situações, como se verificou agora em Albufeira, que mais do que colocar avisos deveria ter-se evitado ou eliminado as causas do risco. Os simples avisos não eliminam as causas. Neste aspecto, meus amigos, quer o poder central, quer o local têm enormes responsabilidades. Ao poder local cabe um papel muito importante na resolução desses problemas. Ainda que, em muitos casos, não lhe compita a ele a solução, compete-lhe, pelo menos, porque conhecem ou devem conhecer melhor do que ninguém os problemas da sua freguesia, do seu concelho, alertar e exigir do poder central a resolução dos problemas. Infelizmente, nem sempre assim acontece. São, muitas vezes, as autarquias, os responsáveis pela criação de condições de insegurança, outras vezes por não eliminar os riscos, ou mesmo permitir que eles se criem, como é, por exemplo, nós assistirmos a construções em cima de linhas de água. Há um défice enorme na cultura da prevenção/segurança.
A talhe de foice, deixe-me dizer-lhe que, depois de vários protestos, a Direcção de Estradas de Aveiro, no primeiro semestre de dois mil e oito, comprometeu-se a colocar barreiras de protecção na estrada nacional número 225, no segundo semestre desse mesmo ano. Estamos no segundo semestre já de 2009. Nem uma barreira foi colocada. Se acontecer um despiste grave, sempre arranjarão uma qualquer desculpa. Oxalá que tal não venha a suceder, mas se vier a verificar um grave desastre, mesmo que nada tenha a ver comigo nem nenhum familiar, se a lei mo permitir, não hesitarei em intentar uma acção criminal.
Deixe-me dizer-lhe outra: Como se fosse pouco, a horrenda reabilitação do largo da Feira, em Nespereira, a segurança também foi “mandada às malvas”. Colocaram umas grades frágeis e, pior do que isso, com um espaço enorme, permitindo que qualquer criança possa cair daqueles muros altíssimos, que bem desnecessários eram. E mais ainda: a meio da curva, logo que termina a rampa que dá acesso à adega do Café Lima, aparece a beira do passeio, cortada na vertical. Pronta a que os automobilistas lá batam com a roda do lado direito da frente, o que, não obstante a sua vida recente, já aconteceu, e possa ter consequências mais ou menos graves. Quando uma Câmara Municipal não revela qualquer sensibilidade para as questões de prevenção e segurança, quando ela própria é a criadora dos riscos, que confiança podem ter os munícipes e como é que ela lhes pode fazer determinadas exigências, nas obras que tem de licenciar?! “Bem prega Frei Tomás…” Parece que estamos condenados a que, quem mais precisava de ter olhos, pelas funções que desempenham, os não tenham. Triste sina. Seria bom que nas campanhas eleitorais que se avizinham, as questões de prevenção e segurança, nas mais diversas áreas, não fossem esquecidas. Por candidatos e eleitores. Há muitas vidas que se perdem só porque se deixam persistir riscos que nem eram tão difíceis, nem onerosos de eliminar. Não eliminar os riscos conhecidos pode ter consequências muito graves, como destruição de bens móveis ou imóveis, ferimentos em pessoas que podem provocar imobilidade, incapacidade para o trabalho, ausências ao trabalho, despesas com tratamentos, morte de pessoas, nomeadamente até de elementos das forças de socorro, alteração do meio ambiente, dispêndio de recursos financeiros elevadíssimos, etc. É só ver o que acontece com os incêndios florestais que destroem, ano após ano, valioso património, alteram o meio ambiente, e gastam-se milhões no combate, só porque, por mais promessas que todos os governos tenham feito, ainda não houve, até hoje uma verdadeira, séria política de eliminação dos riscos.
Voltando à tragédia de Albufeira, dela tendo tomado conhecimento, eu e minha mulher procurámos contactar, de imediato, o meu filho, que com minha nora e netos também se encontravam em Albufeira. Estavam no Zoomarine, felizmente. Então, comentávamos a dor que deveria ser desaparecer de forma tão estúpida uma família. Nem sequer ligámos aos nomes, mas fossem eles quem fossem, mereciam a nossa dor, a nossa solidariedade. Aliás, já tínhamos passado, há pouco mais de trinta anos, por uma situação desse género: Numa sala de sua casa, quatro urnas com os cadáveres do meu padrinho e primeiro professor, sua filha, seu genro e sua neta. É uma situação arrepiante, são momentos de dor enorme.
Ao início de noite de sábado, soube, através do telefonema de uma prima, que afinal quem tinha sido soterrado era a minha também prima Anabela, seu marido António e suas duas filhas, a Ana Rita e a Mariana. No domingo, logo às dez da manhã estava em Britiande, Lamego, terra da naturalidade de meu pai, procurando dar algum alento a alguns familiares mais próximos do que eu, integrado naquela enorme manifestação de dor, aumentada pelo desespero do pai da Anabela, o Zeca da Zulmira, como é conhecido, nos seus 84 anos, já viúvo, que de uma assentada perdeu sua filha única, seus netos e genro, ficando só. As coisas não acontecem só aos outros, temos de nos convencer disso.
Muitos de nós, que tantas vezes nos queixamos por tão pouco, é bom que reflictamos mais sobre o que acontece aos outros e concluamos que a maioria das vezes, as nossas dores, as nossas mágoas, os nossos problemas são coisas ínfimas, se comparados com os deles.
Se estes casos trágicos ao menos servissem para que os diversos elementos do poder político e cada um de nós mudassem o comportamento, talvez se pudesse dizer que as mortes não teriam sido em vão. Infelizmente, a experiência diz-nos que, no imediato, se faz alguma coisa, mas a memória é curta e, quase sempre, rapidamente tudo se esquece e voltam os mesmos problemas.
Já agora, porque falei em mudar o comportamento, parece-me que, no acidente do Algarve, apesar do que disse atrás, os vários elementos intervenientes no socorro e a comunicação social estiveram bem melhor do que em Entre-os-Rios Desta vez, não se ouviram as perguntas disparatadas que se fizeram aquando da queda da ponte. Ainda bem. Até os mirones foram imediatamente impedidos de complicar os trabalhos de quem estava ali apenas para socorrer e informar. Creio que terá sido uma lição que se colheu de Entre-os-Rios, o que faz com que essa tragédia não tenha sido totalmente em vão.

Sem comentários:

Enviar um comentário