terça-feira, 1 de setembro de 2009

Alimente o sonho

“Pobre não é o homem cujos sonhos se não realizaram, mas aquele que nunca sonha” – Marie von Ebner-Eschenbach.
Sem sonhos, imensos sonhos, a minha vida teria sido completamente diferente. Sonhos que condicionaram a minha vida e que influenciaram a de muitos dos meus conterrâneos, que ainda hoje são beneficiários da concretização de alguns desses sonhos, aparentemente irrealizáveis, e que provocaram reacções do tipo “Velhos do Restelo” a uma grande parte daqueles a quem eu e mais alguns – muito poucos – dávamos conta desses mesmos sonhos e da nossa vontade indomável de os concretizar, pedindo apoio.
Foi assim com o jornal O Nespereirense, que além de ter sido um defensor intransigente dos interesses da freguesia, foi um excelente elo de ligação entre os que cá continuavam lutando para viver ou sobreviver e aqueles que se espalharam pelas quatro partidas do mundo e que só acabou porque alguns tentaram fazer dele trampolim para as suas ambições políticas, defraudando a sua matriz editorial e a intenção que levou à sua criação. Diga-se, em abono da verdade que hoje, com os meios de comunicação modernos, já não teria a justificação de outrora, se bem que, em nome de uma língua portuguesa com um mínimo de correcção, que contrasta com frases e páginas miseráveis que se lêem por aí, quando se navega por esse mar imenso que é a “net”, talvez ainda valesse a pena. Pelo menos, alguns não desaprenderiam o português que sabem e poderiam ainda aprender qualquer coisa mais.
Foi assim com a criação da Casa do Povo, que proporcionou que centenas de idosos recebessem a sua pensão, ainda que pequena, mas que era tão importante para quem se habituara a viver com tão pouco e nunca recebera nada, que os fazia felizes, e muitos deles ainda conseguiam fazer poupanças. Casa do Povo que deu ensejo a que os jovens futebolistas de Nespereira disputassem, pela primeira vez, campeonatos de futebol, no caso concreto, os do INATEL, de que se saíram tão bem e que gerou um tal entusiasmo em praticamente todos os nespereirenses que, em casa ou fora, prestavam um apoio extraordinário. Foram tempos de futebol que os que os viveram jamais esquecem. Casa do Povo que proporcionou que, pela primeira vez, jovens de Nespereira participassem em provas de atletismo. Casa do Povo que organizou eventos de entretenimento e, pela primeira vez, trouxe à terra nomes consagrados da música e da canção.
Foi assim com a construção do campo de futebol do Olival, onde até a ameaça com tribunal não foi sonho, mas que não passou disso mesmo. À época, sem acessos para o campo da Portelinha, não havia hipóteses de competir, não fosse o Olival. Hoje, se os que têm a idade em que nós tivemos os sonhos e não tivemos receio de os transformar em realidade, os tivessem também e vontade de fazer, pressionando o poder, exigindo do poder, como nós o fizemos, talvez se pudesse já ter umas boas instalações desportivas para o futebol e não só, na mesma Portelinha.
Foi assim com a Associação de Bombeiros, algo inacreditável para a maioria. Os que sonharam e acreditaram que o sonho poderia concretizar-se, não esmoreceram e ela aí está viva, pujante, prenhe de prestar inestimáveis serviços à região, ao país.
Foi assim com a criação do Hino dos Bombeiros Portugueses. Era eu dirigente da Liga dos Bombeiros Portugueses, quando, numa reunião, se falou que se andava há muitos, muitos anos a pensar num hino. De imediato sonhei que seria capaz de concretizar essa vontade. Imediatamente também sonhei que seria o meu amigo e parente maestro Pereira Pinto que iria ser a trave mestra dessa realização. Falei com ele, trabalhamos e o Hino aí está, lindo, tocado e cantado em todo o país, nas cerimónias mais importantes dos bombeiros.
Se todas estas coisas não tivessem acontecido, não tenho a menor dúvida de que a minha vida teria sido diferente. Melhor, pior? Diferente. Seja como for, tenho um enorme orgulho em ter sido como fui, em ser o que sou, em ter acreditado nos sonhos. Dos erros que cometi, sempre os assumi, “não chutei para canto” e retirei deles as aprendizagens que poderia ter retirado. O orgulho é tanto maior porquanto tudo o que fui, tudo o que fiz, tudo o que sou, tudo o que faço, não foi utilizado, não utilizo, não utilizarei como trampolim para alcançar qualquer cargo na política.
Pela forma como a minha vida se foi processando, é fácil de adivinhar que não gosto de pessoas que têm medo de arriscar, de avançar, que não têm sonhos e, se os têm, mingua-se-lhes a força ou capacidade para os converter em realidades. Manuela Ferreira Leite, pelo programa que apresentou, pelas afirmações que tem vindo a fazer, revela que é uma mulher gasta, sem sonhos, que não vê mais longe do que aquilo que os seus olhos, possivelmente também já cansados, conseguem ver. Manuela Ferreira Leite não se compromete porque lhe falta rasgo, coragem, capacidade de arrostar com as dificuldades. Uma pessoa assim, não serve para primeiro-ministro, porque fará com que Portugal não avance, mas antes recue em relação aos nossos parceiros europeus. Sem menosprezar o pragmatismo da realidade, sem tirarmos os pés do chão, mesmo assim temos de arriscar, temos não só de sonhar que somos capazes, mas depois, trabalhar para concretizar o sonho.
Se não ousasse sonhar, o homem não teria pisado a lua, os nossos navegadores não dariam a conhecer novos mundos ao mundo, não se inventariam as curas para as graves doenças, não se construiriam os grandes impérios industriais, económicos, a tecnologia não teria chegado onde chegou e sei lá onde pode chegar mais.
Temos necessidade de alguém que nos alimente o sonho de que amanhã será um dia melhor e esse não é certamente Manuela Ferreira Leite.
Porque já não sonha, porque diz não apresentar o programa eleitoral em férias, porque ninguém lê, exactamente a única altura do ano em que alguns podem ler; porque apresenta um programa, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, para apenas dois anos, porque não tem ambição para quatro anos, digo eu; porque afirma que agora temos um “Estado que se transforma numa máquina ao serviço do poder”, quando há pouco tempo atrás falava em suspender a democracia seis meses, aliás concordante com a sua mudez significativa perante os inúmeros atentados à democracia perpetrados pelo seu companheiro de partido, Alberto João Jardim; porque fala em suspender, rasgar, sem se comprometer com o que fará exactamente; porque os professores mais velhos se devem lembrar da sua avaliação, quando Ministra da Educação; porque todos se devem recordar do congelamento de salários, quando Ministra das Finanças, em época que nada tinha a ver com esta, de crise económica e financeira mundial e que não é da responsabilidade do governo; por tudo isso e por várias outras razões que seria fastidioso enumerar, não é desejável que seja ela a liderar um governo. Apesar da minha idade, de quando em vez, já me provocar algumas traições de memória, julgo não a ter curta, ainda. Não sendo um incondicional defensor de Sócrates, antes pelo contrário, e nem sequer ser militante do Partido Socialista nem de qualquer outro, neste momento, segundo o meu ponto de vista, ninguém se apresenta como alternativa credível a Sócrates.
“A existência seria intolerável se não houvesse sonhos” – Anatole France. Por isso eu quero-me com quem me permita sonhar e não com quem representa pesadelos.

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