terça-feira, 10 de novembro de 2009

A vitória da mediocridade

Fico arrepiado cada vez que verifico que no meu país, na minha região – e isso acontece com frequência, infelizmente – se dá tanta importância a coisas medíocres, a pessoas medíocres. Fico arrepiado, fico confuso e dedico parte do meu tempo a reflectir sobre esse facto, e sempre esbarro na incerteza da justificação para tal realidade.
Não obstante saber que é típico dos portugueses, entre os quais me incluo, achar que o que é de fora é sempre melhor do que o nosso, não tenho dúvidas de que cada vez são em menor número os indivíduos de classe superior e em grande maioria, os medíocres. Não porque me considere um perfeccionista, não porque me considere demasiado exigente, rigoroso, longe disso, mesmo assim, parece-me que para alguém sobressair da mediocridade não pode limitar-se a cumprir aquilo a que qualquer simples mortal está obrigado, isto é, honesto, trabalhador, assíduo, pontual, solidário, cumpridor das leis. Quando eu vejo glorificar, tecer loas a pessoas que nem esses parâmetros cumprem, como poderia eu pensar de outra forma que não fosse a de que estamos num país e num tempo em que a mediocridade desfila triunfante.
Entre outras conclusões que me vão aportando à mente e que algumas vezes tanto se fazem como logo se desfazem como bolas de sabão, neste momento, parece-me de relacionar tal facto com a referida maioria de medíocres existente. Sendo eles, efectivamente, a maioria – já dizia Pierre Beaumarchais que “os medíocres e oportunistas vão a todo o lado” – é naturalíssimo que eles se protejam e dêem realce, destaque, aos da sua estirpe. Talvez a principal característica dos indivíduos medíocres é não conseguir reconhecer a superioridade dos outros. Mal vai ao mundo quando são os medíocres ou mesmo maus a servirem de exemplo, ignorando os bons. Tenho uma dúvida, aliás tenho muitas dúvidas, mas aquela a que agora me reporto é a seguinte: não sei se os espíritos medíocres realmente não conseguem reconhecer a superioridade dos outros, pelo simples facto de serem medíocres, ou porque não têm interesse nesse reconhecimento, precisamente para se tornar mais fácil a sua valorização pessoal e a dos seus iguais.
Alguns dos medíocres, não se lhes conhecendo nenhuma actividade digna de registo e não reconhecendo em si próprios o atributo de nada fazerem ou pouco e mal, têm a estultícia de aconselhar outros a fazer. Quem assim procede deve presumir, penso eu, que o que fazem é muito ou, pelo menos, muito importante, enquanto que aquilo que outros façam, mas não integre o seu lobby, por mais importante que seja, é desvalorizado. Falo conscientemente em lobby, porque acredito piamente que existe, se calhar um pouco inconscientemente, um lobby dos medíocres. Só assim é possível a mediocridade sair vencedora sobre a superioridade e ser praticamente ela a ocupar o poder.
É normal confundir-se pessoa medíocre com pessoa ordinária, insignificante. Efectivamente, é isso que, com frequência, se verifica, no entanto a minha reflexão tem mais a ver com o mérito, a competência, para o exercício de determinadas actividades do que propriamente a bondade ou maldade das pessoas. O que é que eu quero dizer com isto é o seguinte: pode haver pessoas sérias, trabalhadoras, solidárias, respeitadoras que eu considere medíocres no que respeita à capacidade, à competência, ou seja ao mérito para desempenhar certas funções, para assumir determinadas responsabilidades. Se de facto elas não têm essas aptidões, por muito boas pessoas que sejam, e como tal devem ser respeitadas, nunca deveriam ser chamadas a desempenhar tais tarefas, nem elas as deveriam aceitar e, muito menos, colocá-las num pedestal.
Há uma coisa muito pior que acontece com os medíocres, e aqui já não me reporto apenas aos que não têm aptidões, mas incluo os oportunistas, aqueles que de facto o são a toda a linha. Normalmente são velhacos, invejosos, mas também ambiciosos, e como não conseguem, pelos seus méritos, alcançar a superioridade de outros, na hipótese mais doce, menos maldosa, fazem tudo para que essoutros sejam ignorados, esquecidos, ou, na hipótese mais vil, caluniam. É a técnica do como não posso atingir a tua altura, rebaixo-te e já fico mais alto.
Só quem andar muito distraído ou não tiver por hábito reflectir sobre o comportamento das pessoas é que não se dá conta desta triste realidade.
No fundo o que está a dar e é por isso que muitos lutam, é a aparência. Fartamo-nos de constatar que o que se valoriza é aquilo que se parece e não aquilo que se é. Não sei se isto é exclusivo dos portugueses, se à escala global, mas por cá, é inegável que se valoriza com mais frequência a aparência do mérito do que o próprio mérito.
Veja, meu amigo, que há autarquias, que não obstante a generalidade dos cidadãos até poder ser positiva relativamente ao trabalho, à seriedade dos autarcas, se pensarmos bem, por falta de rasgo, de habilidade política, de risco controlado, em suma, de mérito, não estão muito mais desenvolvidas, mantendo-se deficitárias ao nível da saúde, da educação, da segurança, do ambiente, das acessibilidades, do lazer, do entretenimento. Mesmo com trabalhos considerados positivos, verifica-se nas autarquias, como se verifica no governo, parlamento, nos institutos, nas associações, que em muitos desses organismos só não se foi ou vai mais longe porque não há mérito em muitos dos seus dirigentes, que é como quem diz há muita mediocridade.
Tem dúvidas que assim é? Veja como, onde e em que condições são recrutados para serem nomeados ou sujeitos a eleições muitos dos indivíduos que povoam os organismos referidos e muitos outros que poderíamos aqui assinalar.
Bom, deixemos a mediocridade, que anda por aí de saltos altos, vestida de hipocrisia e de falas mansas, dando palmadinhas nas costas de uns e traindo outros, sorrateiramente, consoante as conveniências, para se mascarar de superioridade, que com ela jamais “sairemos da cepa torta” e vamos a outro assunto.
Afinal quem é que anda a ser escutado, é Belém ou S. Bento?
Queixava-se o inquilino de Belém de andar a ser escutado, mas, sabe-se agora, que desde há meses é o primeiro-ministro que está sob escuta nas suas conversas com Armando Vara. Não quererá a oposição acusá-lo de ter promovido tais escutas?
Embora me pareçam exageradas as escutas, atendendo aos fracos resultados que se têm obtido, é bom sabermos que tanto pode ser escutado o primeiro-ministro como o mais humilde cidadão. Pela minha parte, escutem-me à vontade. Para que ficássemos mais descansados só era necessário que a justiça fosse tão célere para os poderosos como para os humildes e que não fossem apenas estes a ocupar as prisões, mas também aqueles. Certamente, com tanta mediocridade – perdoe-me repetir o vocábulo – talvez não seja despicienda a conclusão de que apenas temos o país que merecemos.

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