terça-feira, 3 de novembro de 2009

Aversão aos políticos

Se eu tivesse chegado agora a Portugal e ignorasse qual o partido que ganhara as eleições legislativas, pelos discursos dos diversos líderes, quase poderia apostar que qualquer um deles tinha vencido. As afirmações de tais actores pretendem fazer-nos crer que, mesmo com seis, sete, nove ou dez por cento do eleitorado, as suas propostas terão de ser concretizadas. Então, onde cabem as propostas dos que obtiveram a confiança de quarenta por cento do eleitorado?! Isto faz-me uma certa confusão. Sempre entendi que, em democracia, tudo se deve discutir em liberdade, com respeito por todas as ideias, por mais inconcebíveis que pareçam, mas depois de discutidas e votadas, vingarão as da maioria, tenha ela a amplitude que tiver, que os vencidos deverão respeitar, sem embargo de continuar a lutar em sede própria e por meios legais e legítimos para que, mais cedo ou mais tarde, vençam as suas. É este o meu conceito de democracia. Infelizmente, quer nos meandros políticos, quer mesmo em instituições particulares, fazem-se votações, cujos resultados deveriam ser respeitados por vencedores e vencidos, mas que muitos destes passam a desrespeitar de imediato. Isso é demasiado frequente, quer a nível partidário, quer a nível associativo.
Já demonstrei até à saciedade que não morro de amores pela classe política, de um modo geral, mas procuro sempre ouvi-los, lê-los, interpretá-los, observar o seu comportamento dentro e fora da actividade política, ajuizá-los. É óbvio que não os meço a todos pela mesma bitola. Há políticos, de vários quadrantes, por quem tenho enorme respeito e consideração. Há, felizmente, políticos que encaram a acção política como um verdadeiro sentido de serviço à comunidade. È a forma que encontram de melhor exercer o seu dever de cidadania, numa entrega abnegada, desinteressada em prol dos cidadãos. São as excepções, poucas, infelizmente, que confirmam a regra.
É natural que o conceito que eu faço da classe política se alicerce sobretudo naqueles que conheço mais profundamente, que andam de partido em partido à procura de “tacho”, que usam a demagogia, a mentira, a calúnia sem o mínimo escrúpulo, que hoje dizem muito bem e aplaudem os mesmos actos das mesmas pessoas que antes condenavam, que são de uma hipocrisia, impostura, falta de ética, de coragem, porque não poucas vezes se socorrem dão anonimato, sempre em nome do mero interesse pessoal e desse pecado nojento que é o da vaidade.
A minha aversão vem de antes do 25 de Abril. Quando no final da década de sessenta, princípio da de setenta, a ignóbil censura me cortava, em algumas peças do jornal Miradouro, coisas tão simples como afirmar que faltava luz eléctrica em muitos lugares de Nespereira, que faltava um fontanário neste ou naquele outro lugar, que para se chegar ou sair de um outro não havia outra alternativa que não fosse um caminho de cabras – veja, meu amigo que estávamos a falar de coisas tão simples e elementares como fontanários, para que as pessoas pudessem usufruir desse bem essencial como é a água -; quando, pelas mesmas questões e por outros escritos, sempre em defesa dos interesses do povo da minha freguesia, me tentam eliminar dos cadernos eleitorais; quando um inspector escolar, do Ministério da Educação Nacional – era assim que se chamava – me ameaça com o “olho da rua” se continuasse a escrever da forma que o fazia; quando me ameaçam chamar a GNR para me obrigar a sair de uma reunião camarária pública, que conceito é que eu poderia ter dos políticos?!
Chegou a Revolução dos Cravos e pensei, - ingenuamente, vi mais tarde, - que tocara a finados para a política suja e os políticos sabujos. Engano meu. Saudei o 25 de Abril, continuo a saudar, porque o saldo é extremamente positivo. Só que tudo se conjugou para que a minha aversão aos políticos não esmorecesse, antes pelo contrário. Logo uma corja enorme de indivíduos, alguns que conhecia como as minhas mãos, dos maiores defensores do regime salazarista – passados estes anos todos, alguns, mais ou menos sub-repticiamente voltaram a sê-lo – encostaram-se ao MDP ou mesmo PCP e procuraram sanear, utilizando a calúnia, os meios mais vergonhosos que se possam imaginar, todos quantos entendessem que lhes poderiam fazer frente nas suas ambições. Se mais não conseguiram, pelo menos aborreceram, inquietaram, perderam amigos. O mais vil “partido”, com inúmeros militantes, infelizmente, que surgiu com o 25 de Abril foi o dos “oportunistas”. Continua hoje. E esta democracia tímida, apodrecida, sem sequer ter amadurecido, não conseguiu expurgar tal praga, antes a tem deixado medrar. Tem deixado medrar e, em muitos casos, tem proporcionado a vitória da mediocridade, dos parasitas, dos incompetentes, dos interesseiros, em prejuízo dos competentes, sérios, trabalhadores, defensores do bem público, antes do privado. É um aspecto negativo que a Revolução não conseguiu sanar. Creio que só com outra revolução, não com as motivações da dos cravos, evidentemente, porque não estamos em ditadura, mas que actue sobretudo ao nível da educação nas suas várias vertentes, é que os portugueses conseguirão “distinguir o trigo do joio”, dando o pódio aos melhores e colocando os medíocres no lugar que lhes compete.
Quando esse apetite saneador e a “revolucionarite aguda”, essa autêntica sanha assassina de carácter de amigos e familiares, como se fossem inimigos desde sempre, acalmaram, muitos desses democratas “feitos à pressa”, desses auto-proclamados defensores das suas “queridas” terras e “queridas” gentes, foram-se colando a diversos partidos, nomeadamente o CDS, o PPD, sobretudo este, e também PS. Alguns, sem quaisquer outras convicções que não sejam aquelas que defendam ou aumentem o seu património e a sua vaidade, vão migrando entre os diversos partidos, consoante as conveniências de momento. Devo confessar que muitos destes, nascidos, criados e educados em pleno regime ditatorial, embora me choquem, sejam desprezíveis, não chocam tanto como aqueles que já foram criados, educados na pós-revolução e têm comportamento similar. Enfim, troca-se de política, de mulher ou marido, só se não troca de clube de futebol. Melhor, não trocava, porque os interesses que hoje se movem em volta do desporto-rei levam a que o “clube do coração” de alguns também mude de cor.
Com a balança virtual que pesa o valor dos que desempenham funções políticas a pender mais para o lado dos oportunistas e interesseiros, do que daqueles que são gente séria, correcta, solidária, que também a há, como é que eu não hei-de ter aversão aos políticos?
Seja como for, apesar de a minha experiência de vida me ter mostrado que mesmo na democracia ainda há campanhas e actos eleitorais com muitos truques salazaristas, nomeadamente junto das urnas, o que pode significar que os resultados nem sempre sejam o espelho da realidade, é bem melhor do que nos velhos tempos. Democraticamente, cabe-nos aceitar os políticos que temos, no pressuposto que eles são o produto da vontade maioritária dos eleitores, desejar-lhes a melhor sorte, mas sem que daí resulte que tenhamos de bloquear a nossa voz e a nossa pena, fechemos os nossos olhos e os nossos ouvidos. Cá por mim, enquanto me não cansar, se o não fiz antes de Abril, também não vai ser agora que me demitirei de falar, de escrever, com a consciência de que assim estarei a cumprir o meu dever de cidadania, a servir os meus compatriotas melhor do que muitos, exercendo funções políticas.

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