terça-feira, 17 de novembro de 2009

Para onde vai este país?

Em muitas, muitas centenas de peças escritas e faladas que publiquei, é naturalíssimo que repita temas, ideias, frases. É praticamente impossível que assim não aconteça.
Como há situações, gestos, procedimentos que se repetem, alguns que não gostaríamos de ver repetidos, nem deveriam ser, mas, infelizmente, o são, vezes sem conta, é inevitável que me repita, sem dizer exactamente as mesmas coisas, obviamente. Se há temas que tenho abordado com alguma frequência, um deles é o da mediocridade e já nem me atrevo a discernir, tal a sua amplitude, se é mediocridade de uma grande parte dos portugueses, se é do próprio país. Se a mediocridade de qualquer cidadão, qualquer que seja o seu estatuto, a sua função, é preocupante, muito mais o é quando nós temos a consciência que é ela que ocupa o poder, seja ele que poder for: nas autarquias, no parlamento, no governo, em suma na política, na justiça, na administração pública, nas empresas. Então a promiscuidade entre a política, a justiça, as empresas e a comunicação social, sem escrúpulos, nivelada muito por baixo, é assustadora.
Não obstante sermos bombardeados todos os dias com a crise económica, que tem de nos preocupar, pior do que essa mas que ajuda a consolidá-la, é a crise de valores, é a falta de escrúpulos, de educação, de civismo, que faz com que se roube, atente contra a dignidade, se procedam a assassínios de carácter sem que vejamos qualquer punição para os infractores. Enquanto não apearmos do poder, sobretudo do político, do judicial e da comunicação social, a mediocridade, não me parece que este país seja verdadeiramente viável. Se tenho algumas preocupações por mim, elas multiplicam-se pelos meus filhos e pelos meus netos.
Já aqui afirmei, creio que da última vez, que me não preocupa minimamente ser escutado, até porque nunca negarei, cara a cara, aquilo que disser nas costas, da mesma forma que nunca deixei de assinar tudo quanto publico. Considero abjecto tudo quanto é publicado sob anonimato, abomináveis todos quantos, muito do que dizem, o fazem de “face oculta”. Nunca o fiz nem nunca o faria. Ainda referentemente às escutas entendo que deverão ser efectuadas de acordo com a legislação vigente e servir para efeitos de investigação judicial, mantendo-se no segredo de justiça, seja qual for o estatuto de quem está a ser escutado, para evitar suspeições, pressões, julgamentos na praça pública. Todas as pessoas, sejam quem for, têm direito ao bom nome, até que sejam julgadas, condenadas com trânsito em julgado. O que nós vemos neste país medíocre é inúmeras pessoas a serem condenadas inevitavelmente para toda a vida, na rua, ainda que, mais tarde, os tribunais as venham a reconhecer como inocentes. E que dizer do sofrimento dos familiares desses “condenados”, nomeadamente, pais, maridos ou mulheres, filhos?! Quem conseguirá medir tamanho sofrimento, quando vêem, todos os dias, os nomes dos familiares escarrapachados nas páginas de jornais e revistas, abrindo noticiários de televisões e rádios, objecto de conversas nos cafés e repartições?! Será que os responsáveis por tamanha pouca-vergonha, por tão vil irresponsabilidade, sobretudo da justiça e comunicação social, pensam nisso, não têm família?!
Refiro-me aqui expressamente à justiça e à comunicação social pelo seu papel em todo este contexto. Claro que nem a uma nem a outra podemos atribuir os inúmeros e diversificados crimes que atravessam a sociedade portuguesa, nos prejudicam a todos e envergonham, mas não encontro, cá para mim, outros responsáveis, seja pelas fugas de informação, desprezando total e impunemente o segredo de justiça, seja pela publicação, muitas vezes não apenas do que consta das investigações, mas dando asas largas à imaginação, lançando suspeições sobre suspeições, cada um gerindo a informação de acordo com as suas preferências, sejam de que tipo for, provavelmente, até, de acordo com os seus interesses pessoais, de grupo ou mesmo materiais. Se é absolutamente imperdoável, pelo menos, segundo o meu ponto de vista e, creio que de qualquer cidadão dito normal, sem nenhuma preparação específica nessas matérias, mas que pensa, que se viole constantemente o segredo de justiça, sobretudo quando se trata de pessoas com algum ou muito relevo em qualquer área da vida nacional e a avidez doentia, mórbida mesmo, com que cada órgão de comunicação social procura escarafunchar tudo e a qualquer preço, para “vender” mais, todos os aspectos da vida dos visados, sem o menor respeito, já não digo piedade, nem por eles nem pelos seus familiares, muito mais grave é nós concluirmos, sem necessidade de se ser nem muito inteligente nem perspicaz, que as violações partem dos órgãos de justiça e não termos conhecimento que alguém seja responsabilizado por isso, nem tão pouco nos darmos conta de alguma preocupação nesse sentido.
Não aceito muito bem que a comunicação social não se debruce sobre esse problema grave para os cidadãos que é a violação do segredo de justiça, mas entendo-a, porque é do seu interesse que assim seja e é, naturalmente, ela que a fomenta, que, muito provavelmente, paga para que assim aconteça. Agora, diga-me, meu amigo, que confiança se pode ter numa justiça que não investiga, não julga, não pune os crimes que são cometidos dentro do seu próprio edifício e que, não só deixa sair aquilo que deveria estar em segredo de justiça, cá para fora, como o faz em timings acertados com as forças interessadas.
Com uma comunicação social, qual ave de rapina, que se lança com uma avidez nojenta sobre os despojos mais fétidos da nossa sociedade, tornando-os mais fétidos ainda, porque rentabilizam mais do que apregoar valores, virtudes; com uma justiça com operadores que vendem segredos e se vendem como prostitutos, é caso para os providos de fé irem rezando e os outros se entregarem a qualquer dos seus deuses, amuletos ou superstições, porque o problema é sério.
Está complicado viver neste país, mais paupérrimo em termos de valores do que de bens materiais e é caso para se começar a pensar se de aqui a alguns anos, não muitos, ainda seremos um país. Não estivéssemos integrados na União Europeia e já estaríamos com ou à beira de outra revolução. Não sei se para melhor ou para pior, mas com a experiência da bem-vinda chamada dos cravos, expurgando-lhe tudo o que teve de mau e que estamos a pagar, talvez se conseguisse apear do poder a mediocridade, para bem, não apenas de alguns, mas de todos.

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