domingo, 6 de dezembro de 2009

A falta de valores

Creio que mesmo o mais desatento se apercebe desta confrangedora falta de valores que parece percorrer o mundo e que contribui para nos devastar física, anímica, económica e socialmente. Pelo menos, por cá, é bem visível e quase todos sentimos na pele, de uma forma ou de outra, os seus efeitos.
Se cada um de nós, ouvindo ou lendo a comunicação social, se não nos ficarmos apenas pelo conhecimento dos textos, mas reflectirmos sobre eles, mesmo no que concerne à ausência de valores chegamos à conclusão de que ela – a comunicação social – se comporta, descrevendo, titulando, no pressuposto de que a referida ausência é o lugar-comum e um gesto absolutamente normal, que deveria ser aquilo que nós deveríamos esperar e exigir de qualquer cidadão, é nobre, insólito.
Concretizo o meu pensamento: há quarenta, cinquenta anos, talvez ainda nem tantos, uma pessoa encontrar um saco com dinheiro, fosse qual fosse o seu valor, e procurar encontrar o dono e entregá-lo, não era nada mais do que o cumprimento de um dever, que a maioria das pessoas faria – já havia ladrões e normalmente não eram aqueles que passavam fome.
Hoje, a propósito de uma padeira ou leiteira, já nem me lembro bem, que encontrou uma determinada importância e agora de um outro cavalheiro que encontrou mil e quinhentos euros e os entregou ao dono, deu-se um grande mediatismo. Isto, só por si, revela a assunção da nossa mediocridade, da nossa pequenez, da nossa pobreza de valores. Referentemente ao último caso, que é o que está mais fresco, o que me chamou mais à atenção foram dois títulos que canais televisivos – não sei quais, nem isso interessa – utilizaram: caso insólito, gesto nobre.
Não condeno os títulos, mas a minha reflexão foi neste sentido: ora só é possível entender tal atitude, que mesmo noutros tempos seria sempre louvável, como um gesto nobre e um caso insólito, porque se admite que meter o dinheirinho ao bolso e ficar “caladinho como um rato”, seria o que, hoje, a maioria dos cidadãos faria.
Pensando assim, reagindo assim, estamos a assumir inequivocamente que somos um país de gente pouco séria, o que não é nenhum motivo de regozijo. Preso a esta reflexão, assumindo, então, que somos um povo desonesto, sem princípios, justificar-se-á plenamente dar relevo a esses tais gestos, que eu gostaria que fossem de prática generalizada, para mostrar que ainda há gente séria, que merece ser louvada e apontada aos outros cidadãos como exemplos a seguir.
Porque entendo que a comunicação social, para além do seu papel informativo, tem ou deve ter uma função pedagógica, creio que, no relato de episódios do género dos aqui referidos, poderia ir um pouco mais longe, fazendo ver que os ditos gestos nobres, no fundo, não são mais do que aquilo que cada cidadão, independentemente do seu estatuto, deve praticar. Não desempenhando funções jornalísticas, não quero “meter a foice em seara alheia”, mas tão-só expressar o meu pensamento.
Não me ficando, no entanto, por aqui, na minha reflexão, indo um pouco mais longe, vendo sob outra perspectiva, não sei se não valeria a pena debruçarmo-nos sobre um hipotético efeito negativo do relevo dado às boas práticas! Não sei até que ponto, a maioria dos cidadãos, que pelos vistos, assumimos, tacitamente, que são desonestos, não se sentirão encorajados a continuar a sê-lo, já que isso é a regra! Pensarão assim, até porque é mais lucrativo: se é regra, não será assim tão condenável segui-la. Muito mais, quando o exemplo do cumprimento dessa regra parte de gente mais alta. É um desafio, uma provocação.
Seja como for, a triste realidade deste país é que, de facto, a falta de valores, a mediocridade são a regra e as boas práticas são a excepção. Assim, meu amigo, não há instituições que resistam a este desmoronar de valores e entronização da desonestidade, da preguiça, do crime, que impeçam o nosso naufrágio.
Todos os dias encontramos aqui e ali relatos que se traduzem escandalosamente na valorização de coisas absolutamente medíocres, risíveis, que só poderiam, a justificar-se qualquer avaliação, ter nota negativa. É a erecção vergonhosa, sem qualquer espécie de pudor, da canalhice, da preguiça, da hipocrisia, da mentira. Para que tais avaliações surtam o efeito desejado, que é aumentar as plumas dos “pavões”, formam pequenos lobbies para garantirem o sucesso. Ainda bem que são “pavões” e não “perus”, não fosse alguém lembrar-se deles na época natalícia e, se por um lado não ficariam bem servidos, por outro, ninguém lhes quer ver a faca no pescoço.
Deixemos os “pavões” esvoaçar, entregues ao seu narcisismo, que um dia, de tanto se auto-admirarem, vão cair, não num lago de águas límpidas como Narciso, mas num charco de lama, ficando conspurcados por fora, como sempre o estiveram por dentro. E se no charco alguma planta nascer, não há-de ser com certeza um narciso, mas um tojo.
O que eu esperava, provavelmente fruto de alguma ingenuidade, era que os políticos, perante a gravidade da publicitação de escutas, atentando contra o segredo de justiça, violação iniciada nos tribunais, repito, nos tribunais, condenassem tal crime, que aliás é sistemático, exigissem explicações concretas sobre o assunto, a descoberta dos responsáveis e a sua punição. Mas não, aproveitam-se desse crime, servem-se do que é publicitado, - que ainda por cima, como já se viu, nem tudo é verdadeiro, visto que há muita contradição e até escutas forjadas a correr na internet - para fazerem oposição ao governo, numa busca suja de colher frutos políticos. Não se inibem de utilizar o parlamento para a devassa, para lançar suspeições, em prejuízo do que realmente cabe aos parlamentares decidir. Sobretudo, o maior partido da oposição, o único que, para já, se pode apresentar como alternativa, vem tendo uma postura vergonhosa. E fala, como se fossem anjos, em pressão da justiça. Se há, o que são as suas afirmações senão influenciar a justiça? Vale a pena atentar no que diz Moita Flores, o edil de Santarém, eleito nas listas do PSD: “O que a actual direcção do PSD está a fazer com a pressão e as insinuações sobre as escutas ultrapassa os níveis da decência, colocando-se dentro de uma redoma de actos em que os piores sentimentos humanos vêm à superfície. O ressabiamento pela derrota eleitoral que só os tontos não perceberam que iria acontecer. Os tontos e os clientes do embuste….A política acabou para este PSD. Apenas vale a vingança pessoal e ódios mesquinhos sem grandeza nem sentido de serviço público ao País.”
É este partido aquele que se nos apresenta como alternativa possível de poder. Pobre alternativa! Muitos falam, falam, mas não dizem nada, não fazem nada, mas mandam falar menos e fazer mais. É o que temos.
Hipocritamente, os políticos continuam a afirmar, porque assim é que é politicamente correcto, que confiam na justiça, quando todos nós verificamos, quotidianamente, que temos razão para não confiar. Infelizmente.
Estamos num país em que o passado oscilou entre a glória e a vergonha, o presente ficará de má memória e o futuro não se sabe se chegará a ter história.

1 comentário:

  1. Caro Companheiro de luta
    Os meus parabens pela sua clarividência e pela forma aberta e transparente como analisa este vale de lágrimas. E quanto ás confrontações e à história da sua Nespereira, de que falava há dias, se calhar, ainda terá que dar umas aulas extra de história, de geografia e de português aos politicos e aos geógrafos locais
    Um abraço
    Carlos Pinheiro

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