segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Mais uma morte no Rio Paiva

Neste fim-de-semana último, o Rio Paiva foi palco de mais uma tragédia, em consequência de um acidente na prática de desportos radicais. Numa altura em que está bem viva dentro de nós a enorme tragédia que se abateu sobre esse paupérrimo país que é o Haiti, quase parece sacrilégio chamar tragédia à morte de um homem apenas. Mas não. As tragédias são-no independentemente da sua extensão e das suas consequências. Umas são maiores, outras são menores. Um homem de um metro e sessenta é um homem como o é outro de dois metros. A tragédia haitiana é de tal modo medonha que não sei se algum dia se conhecerá a sua verdadeira extensão. Nem sei se o empenho, quer das organizações governamentais, quer das não-governamentais, quer dos cidadãos anónimos ou das figuras públicas não será apenas uma reacção momentânea, fugaz, enquanto as feridas nas pessoas e no património estão mais vivas e logo, logo os haitianos não ficarão de novo entregues à sua sorte, má sorte, por sinal, como acontece noutras partes do mundo bem conhecidas.
Dizia eu no início que o Rio Paiva foi palco de mais uma tragédia. Uma tragédia em desportos radicais, porque já houve outras. E disse mais uma, porque, contrariamente àquilo que ouvi, a deste fim-de-semana não foi a primeira. No rafting, talvez, mas já houve pelo menos uma outra morte, de uma professora de Matosinhos, ali entre a ponte de Alvarenga e o Vau, em Canelas, na prática de um outro desporto, cujo nome agora não recordo, mas em que o praticante, o faz sozinho, deitado sobre uma prancha – não sei se é esse o nome – de barriga para baixo e de cabeça para a frente. A senhora terá batido com a testa numa pedra, não obstante estar equipada com capacete e morreu. Morreu sem que alguém, tão pouco, se apercebesse do acidente. Aqueles que com ela partilhavam a aventura, só mais tarde se aperceberam da sua falta. Participei com os bombeiros de Nespereira que comandava à época, conjuntamente com os de Arouca e foi muito difícil localizar o seu corpo. Nessa altura o caudal do rio era relativamente pequeno o que permitiu as buscas através da água, a pé. Encontrada, foi outra dificuldade quase insuperável para a transportar até um veículo todo-o-terreno, que, mesmo assim, teve de ficar bem distante do rio.
É exactamente aqui que eu quero chegar. O Rio Paiva corre em grande parte da sua extensão, pelo menos no que toca à zona onde se praticam os desportos ditos radicais, num leito ladeado de margens com declives muito acentuados, com pouquíssimas vias de acesso e praticamente inexistentes possibilidades de as percorrer, devido aos intensos e intransponíveis matagais que as povoam. As horas que demorou a encontrar o corpo do João e a retirá-lo depois de ser encontrado, confirmam isso mesmo. Para mim, pela sensibilidade que julgo ter para as questões da segurança, protecção e socorro, bastam esses dois factores – a impossibilidade de acesso ao rio através de viatura de socorro em extensões de quilómetros e o trânsito ainda que apeado através das margens, o mais próximo possível da água – para considerar a prática de tais desportos, nessas circunstâncias, como pouco segura. Os acidentes dão-se em milhentas circunstâncias, mesmo em práticas que se considerem sem quaisquer riscos. Uma coisa, todavia, é acontecer o acidente e haver a possibilidade imediata de socorro, outra é ele acontecer e o socorro ser impossível em tempo oportuno. Há muitos trechos do Rio Paiva, onde, se houver um acidente, se pode ter de esperar muitas horas pelo socorro. E, em alguns casos, nessa demora pode estar a diferença entre viver ou morrer.
Numa região em que o seu desenvolvimento pode passar sobretudo pelo aproveitamento que a natureza oferece, embora me pareça que nenhuma das autarquias em cujo solo desfila o Paiva tenha querido ou sabido tirar todo o proveito disso, julgo não ser de desprezar esse movimento desportivo que se verifica nas suas águas límpidas. Antes, será de apoiar. Portanto, julgo que as Câmaras Municipais de Arouca, Cinfães e Castelo de Paiva, operando singularmente ou em projectos conjuntos, devem proporcionar, sem ofender drasticamente a natureza, melhores condições logísticas para a prática desportiva, mas sobretudo que permitam um mais rápido e eficaz socorro. Uma morte como a do jovem João Filipe Borges, que chegava feliz ao fim da aventura, é sempre uma tragédia. Uma vida que se consegue salvar é sempre um momento de felicidade, uma bênção.
Já agora, deixe-me fazer esta reflexão: se bem que eu entenda que as Câmaras Municipais já referidas devem fazer algo no sentido de minimizar os perigos e maximizar as possibilidades de socorro, ninguém tem legitimidade para acusar qualquer uma delas por eventual responsabilidade neste ou em qualquer outro acidente, seja pela falta de infra-estruturas ou de qualquer outra coisa. Nenhuma entidade se terá responsabilizado, autorizado, ou não, tais práticas, julgo eu. A responsabilidade há-de, com certeza, ser encontrada noutro lado.

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