domingo, 3 de janeiro de 2010

Manter acesa a esperança

A partir do momento em que atingimos um carro de anos de idade, parece que o tempo voa, como se os anos tivessem apenas a duração de meses, os meses de dias, os dias de horas. Para quem não estiver identificado com esta linguagem tipicamente agrária, devo dizer que um carro de anos, quer dizer quarenta anos. É precisamente a partir dos quarenta anos, ou da entrada nos “entas”, como também se diz, que os aniversários, os Natais, as Páscoas ou quaisquer outras efemérides se sucedem a uma velocidade, que, sendo sempre a mesma, todavia, nos parece estonteante. Quase sem nos darmos conta, temos filhos, que tendo a idade que, no subconsciente, nos parece ter, mas a quem já começam a aparecer as primeiras cãs e já nos deram netos. Sinal de que, afinal, já somos seniores, como agora se diz, ou estamos, apressadamente, a lá chegar. Bom, se de acordo com os rótulos da moda, eu já entrei na terceira idade ou sou sénior, com direito a meio bilhete, benesse de que, por acaso, ainda não usufruí, não obstante já me ressentir de algumas maleitas físicas, mesmo assim, não só física, mas sobretudo mentalmente, não me sinto, de modo nenhum, em estado sénio.
Este arrazoado vem a propósito de termos entrado na segunda década do século XXI, apesar de me parecer que foi ainda há muito pouco tempo. Recordo bem aquela noite de passagem de 1999 para 2000, até porque, pelas funções que desempenhava, tive de me manter toda a noite, desperto e atento, no Centro de Operações que dirigia, uma noite cheia de dúvidas, de incertezas para milhões de pessoas, de enormes receios para muitos outros, que acreditavam, ou, pelo menos, suspeitavam que “a dois mil chegarás, mas de dois mil não passarás”. Não se confirmaram receios, profecias, iniciou-se um novo milénio de forma tranquila. Terminou-se a sua primeira década, com momentos de fortuna para uns, de infortúnio para outros, de sucessos e tragédias, de esperanças e desesperanças.
No início deste terceiro lustro do milénio, “entretidos” com uma grave crise à escala global, mas de que alguns se aproveitam, ao invés de, como é nosso timbre, ficarmos à espera de ver o que é que os outros fazem, nomeadamente aqueles que têm responsabilidades de governação, a qualquer nível, melhor é cada um de nós assumir que deve ser parte da solução e não apenas o problema ou uma parte do problema. Cada um de nós, uns mais, outros menos, através da acção, do comportamento, de uma outra atitude, de um optimismo racional e não um pessimismo doentio, fatalista, pode contribuir para o debelar da crise, para um país mais próspero, mais solidário. É preciso não deixarmos morrer a esperança e fazermos tudo quanto estiver ao nosso alcance para não deixar que a esperança morra, mesmo naqueles mais desafortunados, que quase não têm uma réstia de nada para a fazer sobreviver. É preciso acreditarmos mais em nós próprios, nas nossas capacidades, usá-las; é preciso acreditarmos mais em nós, como povo, que temos uma história que, não obstante alguns fracassos de que soubemos sempre reerguer-nos, construímos êxitos de que poucos povos se podem orgulhar. É preciso acreditarmos que não é invejando, mas congratulando-nos com o sucesso dos outros, que não é fixarmo-nos cegamente nas nossas convicções ou nos nossos interesses, defendê-los sem admitir consensos, beneficiando sempre o interesse particular em prejuízo do geral, que contribuiremos para tempos de melhor justiça, melhor educação, melhor equilíbrio social. É forçoso, é urgente que cada um de nós seja menos egoísta, não deixe desmoronar a esperança, mas, na certeza de que se não fizer nada por isso, ela sucumbirá tão ingloriamente como inglório será o nosso futuro.
Cá por mim, apesar do estatuto sénior, mantenho a esperança, o optimismo, a confiança que sempre me caracterizaram, atributos, graças aos quais foi possível atingir determinados objectivos, uns pessoais, outros colectivos, alguns mesmo em que poucos acreditavam e se comportavam como “Velhos-do-Restelo”. Se a cada um de nós, cidadão comum, para bem de todos, se exige que assim seja, aos políticos de todos os quadrantes, porque nas suas mãos depositamos o nosso futuro, se tem de ser mais exigente ainda. É admissível, é legítimo, é normal que cada partido lute de acordo com as suas convicções – quando as tem, porque às vezes parece que não – mas há momentos, em que, de tão contraditórias que são as opções, tem de haver cedências de parte a parte, em nome do bem comum. A minha grande esperança para 2010 é que isso possa ser uma realidade. Se assim for, para além de podermos ter melhores sonhos, podemos acreditar num futuro melhor. Assim seja.

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