quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Filhos e enteados

Enquanto dirigentes de muitas associações que gerem pequenos clubes de futebol e de várias outras, com os mais diversos objectivos, muitas delas desenvolvendo actividades que competiriam ao poder central ou local, as ajudam a sobreviver à custa dos seus próprios rendimentos, chegando mesmo a hipotecar ou disponibilizar os seus bens, como garantia, outros governam-se “à grande e à francesa”, não digo de forma ilegal, mas imoral. Veja-se Pinto da Costa, por exemplo, que tem salário chorudo e ainda recebeu, pela conquista do título, 75% do ordenado. Há quem chame a isto verdadeiro amor ao clube. Que chamar aos outros?
Quando se pensa dar o nome de um estádio ou erigir um busto a dirigentes assim, que monumento se deveria erigir a milhares de dirigentes deste país que, privando-se a si e à sua família de muitas coisas, são, com o seu dinheiro, o sustentáculo de outros milhares de associações?! Em grande parte dos casos, ao invés de reconhecimento, dedicam-lhes a denigração.
Talvez por isso, embora não só, há, cada vez mais, dificuldade em arranjar gente competente para integrar os órgãos sociais dessas associações. Por este andar, daqui a pouco só se candidatam os que se julgam com talentos, capacidades que de facto não têm, mas sobra-lhes a vaidade e os que querem servir-se delas como trampolim que os ajude a alcançar mais facilmente um lugar no seio dessa espécie sempre muito apetecível para alguns, mas cada vez menos credível, a dos políticos.
Realmente, este mundo está prenhe de injustiça, de ingratidão. Louvam-se os discursos ocos, os gestos, os actos insignificantes, ignoram-se as palavras que gritam por liberdade, por justiça, por igualdade de direitos e oportunidades, porque são incómodos, não se relevam os actos sublimes, às vezes mesmo heróicos, porque incomodam a consciência dos que nunca encontraram nada dentro de si que servisse para ajudar o próximo, porque, para esses, não existe o outro, só existe o eu.
É como a valorização hipócrita, pouco inteligente do ter, mais do que o ser, a valorização do volume que se dá, sem equacionar o valor que cada dádiva representa para o seu autor. Creio que ninguém duvida que uma oferta de 100 euros de uma determinada pessoa representa um grande esforço, um grande sacrifício, mas uma enorme vontade de ser solidário. Por sua vez, uma oferta de 10 000 euros pode não representar qualquer sacrifício para outro, que, aliás, pode fazê-lo por mera vaidade. É óbvio que para a instituição é bem mais importante 10 000 euros do que 100. Mas será justo que, pura e simplesmente, sem olharmos às possibilidades de cada um, relevemos mais o que deu a maior importância?! Cá para mim, se bem que aprecie ambos os gestos, desde que a vaidade, o desejo de protagonismo fique de fora, valorizo mais o gesto do que deu os 100 que, provavelmente até teve de se privar de alguma coisa para fazer tal oferta.
Disse Cesare Cantú: “O dinheiro consagrado à beneficência não tem mérito se não representar um sacrifício, uma privação.”
Para se evitarem injustiças, bom era que se resistisse à tentação de qualificar as pessoas, o que é quase impossível neste tipo de sociedade em que vivemos, apenas pelos valores que têm ou que dão.

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