terça-feira, 13 de outubro de 2009

Rescaldo das autárquicas

Está na hora de balanço das autárquicas. Soltaram-se risos, foguetes, escancararam-se os braços, mas também se derramaram lágrimas, se fecharam rostos. É assim em todas as competições: quando uns ganham é porque outros perdem. Em eleições democráticas não deixa de ser de outra forma, não obstante sermos frequentemente surpreendidos com argumentações que nos parecem fazer crer que todos ganharam. Seria fantástico se isso significasse que, independentemente do número de votos conquistado por cada um dos partidos, todos entendiam que, pela contribuição que deram para a estabilidade e reforço da democracia, mereciam o epíteto de vencedores. Mas não, não é nada disso. Cada um, ou porque teve mais votos, ou mais câmaras, ou mais juntas, ou simplesmente porque perdeu menos do que anteriormente, se acha vencedor. Tudo se aceitaria sem grande dificuldade se os dirigentes partidários e seus mais importantes militantes fossem coerentes. Nada disso, agem e reagem consoante as circunstâncias, optando por valorizar sempre o aspecto que lhes é mais favorável. Entre muitos outros exemplos que poderia apontar, vou socorrer-me apenas deste: o Partido Socialista ganhou as últimas eleições legislativas, isto é, elegeu mais deputados do que qualquer outro, nomeadamente o PSD. Ferreira Leite e seus correligionários, porque o PS elegeu menos deputados do que nas legislativas anteriores, apressaram-se a apregoarem aos quatro ventos que o Partido Socialista sofrera uma derrota estrondosa. Poderia ser um ponto de vista aceitável se funcionasse sempre. Mas não. Nestas autárquicas, o Partido Socialista ganhou menos Câmaras e Juntas do que o PSD. Perdeu. Todavia, ganhou várias, relativamente às anteriores eleições e até foi o vencedor em número de votos, ao contrário do PSD que perdeu algumas. Assim sendo, se Ferreira Leite fosse coerente deveria assumir que o partido socialista também foi um grande vencedor destas autárquicas e, pela mesmíssima razão, o PSD, um dos derrotados. É esta incoerência, a juntar a muitos outros factores, que torna a classe política pouco credível.
Quanto aos outros partidos, excluindo a CDU que tem alguma importância a nível autárquico, sobretudo a sul do Tejo, CDS e Bloco de Esquerda comprovaram que continuam sem força nas autarquias e, assim sendo, não se poderão arvorar como grandes partidos nacionais. Uma Câmara Municipal para cada um é pouquíssimo. E, no que toca ao CDS, alguma da fraca projecção que consegue é por força do seu encosto ao PSD. Também não sei se tal encosto que lhe proporciona uns vereadores e alguns elementos em assembleias de freguesia é realmente vantajoso, porque embora sejam elementos do CDS, a força que emerge sempre é o PSD. Basta analisar o número de câmaras que são atribuídas ao PSD. Várias delas foram conquistadas com ajuda dos votos do CDS, de outra forma talvez o não fossem, mas a contabilidade vai inteirinha para os sociais-democratas. Mais um motivo para que Ferreira Leite não tenha tanta razão para cantar vitória.
Também a nível autárquico, Viseu, o meu distrito, está a ficar um alaranjado desbotado, com alguns concelhos a elegerem, pela primeira vez, presidentes de Câmara socialistas.
Quanto ao meu concelho, Cinfães, se tinha como garantida a reeleição de Pereira Pinto, a derrota arrasadora infligida ao PSD já pode ter alguns laivos de surpresa. Mas se tivermos em conta a campanha triste dos sociais-democratas em que não se vislumbrou sequer um manifesto eleitoral, resumido que fosse, e a pobreza da sua caravana de final de campanha, deixavam antever um final pouco feliz. Terão faltado argumentos a Laureano Valente para fazer um combate mais cerrado a Pereira Pinto, mas também foi nítido que não teve o apoio suficiente dos responsáveis do partido, ao contrário do que aconteceu há quatro anos em que até o líder distrital se candidatou à Assembleia Municipal, embora tenha valido de pouco. Significa isto que Pereira Pinto teve mérito na sua estrondosa vitória, mas também foi ajudado pela fraqueza da candidatura adversária, já para não dizer das candidaturas adversárias, pois que os seus resultados são irrelevantes, muito embora mereçam respeito. Respeito que, apesar de tudo, algumas fizeram por não merecer, dada a forma leviana, para não dizer outra coisa, como se consumaram.
Apesar de algumas queixas justificadas dos nespereirenses, relativamente a aspirações não concretizadas e uma ou outra obra que desagrada, estes, mais uma vez, entenderam que, mesmo assim, Pereira Pinto não tinha alternativa credível e não lhe negaram o voto. Não votar nele seria um perfeito “tiro na escuridão”. Eu, e sei que muitos comungam da minha opinião, lamento ter chegado ao seu último mandato com determinadas obras por concretizar, algumas das quais dificilmente se concretizarão até ao final, mas também, em nome da minha terra, que não da amizade, que essa, só por si, não me levaria a votar em quem se me não afigurasse senão o melhor, o menos mau, lhe dei o meu voto. Sei que Pereira Pinto, no fim do mandato que vai iniciar, pode ser e será julgado, mas não pagará por isso, mas tal facto não é, seguramente, razão para que ele não retribua o gesto generoso dos nespereirenses, ultrapassando o défice de realizações nesta freguesia e neste mandato passado. Saiba ele ouvir mais o povo, o povo que quer estar melhor servido em todos os aspectos e se está “marimbando” para interesses ou cores partidárias.
A votação maciça, quer em Pereira Pinto, quer em Mário Leitão é, sem sombra de dúvida, um sinal inequívoco da confiança que os nespereirenses neles depositam, mas isso não significa nem um “cheque em branco” nem uma aprovação tácita de tudo quanto decidirem fazer. O diálogo é preciso fazê-lo, não apenas com os actores políticos, se é que mesmo esse se faz, ou não serão apenas conversas de sentido único, mas com todos quantos têm opinião e estão dispostos a dá-la. Sem perder competências que os próprios eleitores lhes conferiram, mesmo assim, é necessário dar-lhes mais e melhores oportunidades de manifestarem as suas preocupações, os seus problemas, as suas opiniões. É preciso ouvi-los e debruçarem-se sobre o que ouviram e não deixar entrar por um ouvido e sair pelo outro, como frequentemente acontece.
Câmara e Junta de Freguesia do mesmo partido, ambas com maioria, não vão ter razão para atribuir a não concretização de determinada obra a boicote ou falta de colaboração.
Boa sorte para todos os autarcas porque a sua sorte será a nossa sorte.

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