terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O poder e os media

Dizia eu há dias que o poder sabe tão bem da importância, da força dos órgãos de comunicação social, que tudo faz para os controlar, para os ter do seu lado, para os ter ao seu serviço, se puder. Parece-me que poucos, dos que detêm qualquer espécie de poder, seja político, económico, religioso, corporativo, associativo, podem atirar a primeira pedra. Em termos políticos, começando pelas autarquias, passando pelas mais importantes instituições da administração pública, pelos partidos políticos, chegando ao governo, não me parece que haja grande legitimidade de qualquer desses órgãos ou instituições para acusar quem quer que seja. De uma forma ou de outra, às vezes de forma muitíssimo bem dissimulada, quase todos são vítimas dessa tentação. Mesmo em autarquias relativamente pequenas ou de fracos recursos económicos há a tentativa de controlo, através de subsídios mais ou menos avantajados ou outras artimanhas pouco transparentes, de jornais ou rádios locais. Sabendo-se das dificuldades económicas que a maioria destes órgãos tem para sobreviver, é relativamente fácil tê-los na mão. Quem luta pelo poder, já há muito chegou à conclusão de que para o conquistar ou manter, neste tipo de sociedade em que vivemos, só é possível com a ajuda da comunicação social. Esta promove, glorifica, entroniza, mas também destrói, derruba. Depende do lado em que estiver. Já disse isso antes, que Napoleão tinha essa consciência quando afirmava que “quatro jornais adversos podem fazer mais mal do que um exército de cem mil homens”.
Não devemos esquecer, todavia, que essa capacidade de glorificar, tanto como de destruir, faz da comunicação social, também um poder, exactamente o quarto. E como poder, com características bem diferentes de todos os outros, também tem necessidade de controlar, manipular, chantagear os outros poderes. Criam-se, então, ora lutas, ora alianças, entre os vários poderes, conforme as conveniências de uns e outros. É óbvio que há excepções, quer por parte de quem detém qualquer espécie de poder, quer por parte dos jornalistas. Dos que o detêm, aqueles que resistem à tentação de controlar a comunicação social, por mais e melhores qualidades que se lhes reconheçam, o que se espera é um poder efémero. Nos jornalistas, felizmente, ainda há alguns que, de acordo com Lord Byron embora fiquem sozinhos, não trocariam o seu pensamento livre por um trono. Correm, no entanto, o risco de não sobreviverem e, por isso, alguns acomodam-se ou vendem-se.
Quando leio ou oiço falar em liberdade de expressão ou na falta dela, há muitas afirmações que me fazem muita confusão, ou antes, parece-me que se faz muita confusão à volta do assunto, segundo o meu ponto de vista. No regime em que vivemos, uma democracia, embora com inúmeras deficiências e fragilidades, muitas devidas ao desconhecimento do que é a verdadeira democracia e as suas regras, por parte de muitos cidadãos, parece-me que a vontade, embora nunca expressa nem admitida, obviamente, de controlar a comunicação social, só por si, não significa que a liberdade de expressão não exista. A busca de controlo não é exactamente a proibição de dizer isto e a obrigação de dizer aquilo. O controlo só é efectivo, só resulta quando os directores dos diversos media e/ou jornalistas se deixam controlar. E digo isto com toda a convicção, porque, mesmo em ditadura, sempre houve homens e mulheres livres que “não temeram ir até ao fim do seu pensamento”.
Com este meu raciocínio não pretendo “passar uma borracha”, branquear a acção de todos aqueles que manipulam, chantageiam, procuram ter a comunicação social nas suas mãos. Não, antes pelo contrário, eles merecem-me toda a repulsa, até porque já sofri isso na pele, antes do 25 de Abril.
Não alinho no coro daqueles que gritam que já não temos liberdade ou estamos a um passo de a perder, quando muitos desses sempre tiveram e continuam a ter, pelas políticas que praticam e como as defendem, comportamentos antidemocráticos, atentatórios da liberdade, nem alinho ao lado dos que não se cansam de suspirar por Salazar e afirmar que temos liberdade a mais. Não há liberdade a mais nem liberdade a menos. O que há é um grande desconhecimento, por parte de muitos, do que significa liberdade e um mau uso dela, porque ela tem fronteiras que não devem ser ultrapassadas. Quando, em nome da liberdade, se infringem as leis, está-se exactamente a atentar contra essa mesma liberdade.
A publicação de escutas telefónicas, verdadeiras ou mesmo fabricadas, está na berra. Há diversas opiniões a respeito de tal publicação. Desde logo, algumas são produzidas de acordo com o interesse dos visados. Mas também há muitas, e diversificadas, de pessoas que nelas não estão envolvidas. Eu também tenho o meu ponto de vista. Mesmo que porventura seja uma opinião singular, isolada, não interessa: é a minha, sem qualquer condicionamento. Choca-me, causa-me uma repulsa enorme ver transcrições de escutas, que, ao que se sabe, estariam em segredo de justiça. Isto é que não me parece que tenha nada a ver com liberdade e democracia, pelo menos segundo o meu conceito. Acho que é muito grave haver operadores judiciais, provavelmente mesmo a nível de juízes, que põem essas ditas peças nas mãos de jornalistas que as aceitam, certamente pediram, e publicam. Se isso para mim já é incompreensível e altamente condenável, ainda o é, possivelmente mais, verificar que toda essa escumalha fica completamente impune. Aliás, parece-me que mesmo os tribunais não se preocupam em averiguar quem, no seu interior, praticou tais crimes. Sim, não sei se o serão em termos legais, mas para mim são crimes. Fico completamente espantado com semelhantes procedimentos, verdadeiros atentados à democracia e destruidores, como tantas outras coisas, da confiança que se deveria ter na justiça.
Deixe-me dizer isto ainda: atentado à liberdade de expressão é publicar uma conversa privada que eu tenho com um amigo, porque me escutaram no telefone ou na mesa do café ao lado. Todos nós dizemos coisas em privado, muitas vezes falando de amigos até, que não o diríamos em público. Di-lo-íamos mais depressa ao amigo cara a cara. Isso pode trazer consequências muito graves. E depois, mesmo que não tenha outras, tem o inevitável julgamento na rua. Daqui a pouco, por este andar, cada um de nós tem toda a sua vida exibida na praça pública. Permitir todas estas coisas é o mesmo que admitir e mesmo patrocinar o assassínio de carácter, a acção dos bufos, as milícias, a justiça popular.
Entretanto, e como diria o “rei” da Madeira e do entrudo, bom carnaval.

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