domingo, 21 de fevereiro de 2010

Tragédia sobre tragédia

Estamos num país que se debate com várias tragédias. Desde logo aquela da crise económico-financeira, fruto da conjuntura internacional, mas também da incapacidade dos nossos políticos, dos nossos empresários, da irresponsabilidade e inaptidão de muitos dos nossos trabalhadores, marionetas nas mãos de sindicalistas sem escrúpulos, muito mais interessados na manutenção dos seus privilégios do que na sobrevivência das empresas e no bom funcionamento das instituições públicas.
Vivemos a tragédia da falta de valores que grassa pela sociedade a todos os níveis, a impunidade que faz com que os crimes dos mais diversos tipos pululem e alguns, ao invés de serem condenados, são aplaudidos ou incentivados por quem mais tinha o dever de os condenar. Veja-se, como exemplo, a divulgação desenfreada, doentia de escutas telefónicas em segredo de justiça, a serem defendidas por um ex-ministro da justiça, candidato a líder de um partido, logo, hipotético candidato a primeiro-ministro.
Que dizer da tragédia de termos uma mistura explosiva de políticos, jornalistas, empresários, gestores, juízes, que fazem com que, por tudo quanto se faz ou diz, venha de que parte vier, nos deixa necessariamente desiludidos, desconfiados e, pior do que tudo, sem quaisquer certezas, porque não sabemos de que lado está a verdade, se é que ela está, efectivamente, de algum dos lados?
Temos connosco a tragédia de verificar que jornalistas, dentro das quatro paredes do Parlamento, exibem os seus dotes oratórios, revelando total desrespeito por esse órgão de soberania, perante sorrisos idiotas – o que alguns de facto são - de deputados; a tragédia de ver e ouvir, no mesmo Parlamento, sem que alguém a chamasse à atenção, uma jornalista, que se deveria limitar a falar de eventuais pressões e manipulações da comunicação social, a afirmar que o Procurador Geral da República sai sempre em defesa de José Sócrates, como se estivesse ali a fazer comentário político que lhe advém da sua investigação de duvidosa independência.
E temos a tragédia de verificar que, pese embora a desconfiança, a descrença que tenhamos em relação ao governo, a oposição, sobretudo aquela que pode ser alternativa, pelas mais diversas razões, pela debilidade, pelas fraquezas, pelas mentiras, pelo manifesto interesse pessoal que se sobrepõe a qualquer outro, não merece mais crédito. Já dei o exemplo de Aguiar Branco. De Rangel, bastará lembrar a traição ao mesmo Aguiar Branco, a vergonhosa actuação no Parlamento Europeu, denegrindo o seu país e, pasme-se, com seis anos de idade, viveu o “25 de Abril com intensa paixão”. Imensas qualidades para ser um farsante, nunca um líder. Apresenta como trunfo a vitória nas eleições europeias, quando não ignora que não ganhou nada, apenas os eleitores quiseram fazer um aviso a Sócrates. A prova é que logo de seguida, naquelas eleições que são verdadeiramente importantes para o país, Sócrates as ganhou. Agora mesmo, apesar de todas as embrulhadas, verdadeiras ou fabricadas, de todo os ataques, as sondagens, valendo o que valem, dão a vitória a Sócrates. Será necessário algo mais para mostrar que os portugueses se têm dúvidas em relação aos governantes actuais, ainda confiam menos nos que se aprontam para o ser? No meio da miséria, talvez Passos Coelho ainda represente uma réstia de esperança.
Quer mais tragédias? A tragédia de termos uma justiça perra, desigual, que traz à solta os criminosos, que condena um desgraçado esfomeado que rouba um pacote de amêndoas e não condena o que rouba, ou como é mais vulgar dizer-se, desvia milhões.
Que dizer se tivéssemos sindicatos de ministros, de deputados? Parece-lhe bem que órgãos de soberania tenham sindicatos? A mim, não. Os tribunais são um órgão de soberania. Porquê, então, sindicatos, ou associações sindicais de juízes? É apenas mais uma tragédia, talvez uma pequena tragédia, se comparada com outras, mas não deixa de o ser, porque por tudo o que nos tem sido dado observar, se defendem os interesses da classe, também têm contribuído para aumentar a confusão e o nosso descrédito na justiça. Um povo que não confia na justiça, tende a fazê-la pelas suas próprias mãos e todos adivinhamos o quanto isso pode ser perigoso.
Metidos neste lamaçal em que este país se transformou, uma outra grande tragédia se abateu sobre nós, mais propriamente sobre a Madeira, espalhando a morte, a destruição por aquela linda ilha. É tempo de homenagear os mortos, de mostrar a nossa solidariedade, de trabalhar de mãos dadas, para levar a normalidade à ilha, para alojar os desalojados, para dar todo apoio consoante as necessidades que se forem identificando. Os portugueses, normalmente tão generosos em campanhas de solidariedade mesmo para com populações de outros países, não deixarão de o ser para com os seus irmãos ilhéus.
Mesmo que agora seja muito mais hora de homenagear os mortos e cuidar dos vivos, não podemos deixar de nos questionar porque é que estas tragédias acontecem. Seria uma hipocrisia acreditar ou fazer acreditar que tal tragédia é apenas fruto de condições climáticas adversas e anormais. É verdade que choveu intensamente, de forma anormal, mas se não houvesse erros no ordenamento do território, se os terrenos não estivessem tão impermeabilizados quanto o estão, se não se construísse em cima de linhas de água, as tragédias seriam por certo minimizadas. O que acontece é que tragédia após tragédia se fala no mesmo e os comportamentos repetem-se. Quem tem por hábito observar os locais onde se executam muitas das nossas obras, como eu, fruto de ter participado no socorro em diversas tragédias do género, desde logo, a primeira nas grandes inundações de Lisboa, em 1967, enquanto militar, em que perderam a vida centenas de pessoas, não apenas por culpa da chuva copiosa que caiu ininterruptamente durante 24 horas, verifica que diversos locais do nosso país, a começar pela minha própria freguesia, têm construções em ou muito próximas de leitos de cheia, o que, numa situação de anormalidade climática, pode provocar graves danos. Mas quem se importa com isso? Nem os que constroem, que muitas vezes nem se apercebem dos riscos que correm, outras vezes é o único local de que dispõem, nem as entidades responsáveis pelo licenciamento. E que dizer, ainda, de toda a espécie de lixos e espólios de árvores que deitam ou deixam nas linhas de água e pequenos riachos, junto às estradas, vedando a passagem das águas em situação de chuva intensa e prolongada, pondo em risco pontes, aquedutos ou outras obras de arte? Quem fiscaliza, quem toma as medidas adequadas? Ninguém. Depois as tragédias acontecem, todos lamentam, fazem-se promessas, a culpa morre solteira e…continua tudo na mesma.

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